segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Missão Júpiter

O planeta Júpiter é um dos mais belos objetos celestes vistos da Terra. Certamente foi admirado pelos seres humanos desde que estes olharam para o céu noturno. Júpiter é de longe o maior planeta do Sistema Solar e é incrível que os antigos, incluindo os gregos e romanos, tenham dado para ele o nome do mais importante deus de suas religiões. De fato, dificilmente esses povos sabiam que Júpiter, com exceção do Sol fosse o maior astro do nosso sistema planetário. 

Além de aspectos físicos interessantes relacionados à Júpiter que mostraremos em várias postagens, o planeta tem uma particularidade histórica bastante relevante. Em 1610, quando Galileu Galilei apontou o telescópio para o planeta, descobriu que havia quatro satélites que giravam em torno dele, ou seja, pela primeira vez constatava-se de uma forma precisa que existiam astros que não giravam em torno da Terra. Como consequência, uma demonstração contundente contrária ao sistema geocêntrico era apresentada. Os quatro satélites, Io, Europa, Ganimedes e Calisto, são por si só, mundos com características geológicas fascinantes, cujas principais características são discutidas em outros pontos.

Desde a década de 70 do século passado existem missão de satélites interplanetários para se investigar o planeta Júpiter e suas luas. Os primeiros foram a Pioneer 10, lançada em março de 1972, e a Pioneer 11, lançada em abril de 1973 (essa última, além de investigar Júpiter também tinha o objetivo e investigar o planeta Saturno). A Pioneer 10 chegou à órbita de Júpiter em dezembro de 1973 e a Pioneer 11, em dezembro de 1974, atingindo finalmente Saturno em setembro de 1979. Esses satélites artificiais tinham como objetivos, além de tirar fotos dos planetas e seus principais satélites, confirmar a existência da intensa magnetosfera de Júpiter, o que foi conseguido com sucesso pela Pioneer 10.

As próximas missões interplanetárias foram as Voyagers, também norte-americanas, constituída por duas naves. A Voyager 1, lançada em setembro de 1973, tinha como objetivo estudar Júpiter e Saturno, além das luas Io e Titã (na verdade, o objetivo era mais amplo). Já a Voyager 2, lançada em agosto de 1977, tinha como objetivo estudar Júpiter, Saturno, Urano e Netuno, tendo de fato realizado descobertas interessantes relacionadas a Urano, como a existência de um tênue anel, a descoberta de onze satélites naturais e o fato de que um dos polos do planeta aponta para o Sol.

No que diz respeito especificamente a Júpiter e seus satélites, a Voyager 1 os fotografou entre janeiro e abril de 1979. Entre as várias descobertas espetaculares das Voyagers destaca-se a intensa atividade vulcânica de Io, o satélite galileano mais próximo do planeta. Ainda como curiosidade sobre a missão Voyager 1, após a aproximação com Saturno estava previsto o sobrevôo aos planetas Urano e Netuno. Entretanto, devido à descoberta no ano anterior pela Pioneer 11 da existência de uma atmosfera em Titã [ver a postagem do blog Titã: um mundo estranhamente familiar, 22/03/2012], a Voyager 1 foi desviada para estudar esse satélite. Como consequência, a trajetória foi modificada e a nave saiu da eclíptica - o plano onde estão os planetas girando em torno do Sol - impedindo a visita aos outros dois planetas gasosos. Uma curiosidade a respeito do Voyager 1 é que nesse mês (fevereiro de 2020) está fazendo 30 anos que a nave, após completar a sua missão, recebeu comandos da NASA para virar a sua câmera em direção ao Sol e tirar uma fotografia dos planetas, incluindo aí a Terra. A foto do nosso planeta foi tirada em 14 de fevereiro de 1990, quando a nave encontrava-se a seis bilhões de quilômetros da Terra. Essa foto do nosso planeta ficou conhecida como "pálido ponto azul" (pale blue dot), tendo sido a denominação fornecida pelo astrônomo Carl Sagan, que foi um dos maiores incentivadores para que ela fosse obtida [1]. A foto [Figura 1] e a reflexão advinda dela pelo próprio Carl Sagan, ficaram famosas desde a década de 90 do século passado.



"Olhem de novo esse ponto. É aqui, é a nossa casa, somos nós. Nele, todos a quem ama, todos a quem conhece, qualquer um sobre quem você ouviu falar, cada ser humano que já existiu, viveram as suas vidas. O conjunto da nossa alegria e nosso sofrimento, milhares de religiões, ideologias e doutrinas econômicas confiantes, cada caçador e coletor, cada herói e covarde, cada criador e destruidor da civilização, cada rei e camponês, cada jovem casal de namorados, cada mãe e pai, criança cheia de esperança, inventor e explorador, cada professor de ética, cada político corrupto, cada "superestrela", cada "líder supremo", cada santo e pecador na história da nossa espécie viveu ali - em um grão de pó suspenso num raio de sol. A Terra é um cenário muito pequeno numa vasta arena cósmica. Pense nos rios de sangue derramados por todos aqueles generais e imperadores, para que, na sua glória e triunfo, pudessem ser senhores momentâneos de uma fração de um ponto. Pense nas crueldades sem fim infligidas pelos moradores de um canto deste pixel aos praticamente indistinguíveis moradores de algum outro canto, quão frequentes seus desentendimentos, quão ávidos de matar uns aos outros, quão veementes os seus ódios. As nossas posturas, a nossa suposta auto importância, a ilusão de termos qualquer posição de privilégio no Universo, são desafiadas por este pontinho de luz pálida. O nosso planeta é um grão solitário na imensa escuridão cósmica que nos cerca. Na nossa obscuridade, em toda esta vastidão, não há indícios de que vá chegar ajuda de outro lugar para nos salvar de nós próprios. A Terra é o único mundo conhecido, até hoje, que abriga vida. Não há outro lugar, pelo menos no futuro próximo, para onde a nossa espécie possa emigrar. Visitar, sim. Assentar-se, ainda não. Gostemos ou não, a Terra é onde temos de ficar por enquanto. Já foi dito que astronomia é uma experiência de humildade e criadora de caráter. Não há, talvez, melhor demonstração da tola presunção humana do que esta imagem distante do nosso minúsculo mundo. Para mim, destaca a nossa responsabilidade de sermos mais amáveis uns com os outros, e para preservarmos e protegermos o "pálido ponto azul", o único lar que conhecemos até hoje."



Figura 1: Fotografia da Terra obtida pela Voyager 1 em 14 de fevereiro de 1990, quando ela se encontrava a 6 bilhões de quilômetros do nosso planeta, e que ficou conhecida como Pálido Ponto Azul. A Terra aparece na faixa marron amarelada como um pequeno ponto.

Outra espaçonave que fez interessantes observações de Júpiter foi a Galileu. Lançada em 18 de outubro de 1989, ela entrou em órbita de Júpiter em 7 de dezembro de 1995, tendo realizado uma série de descobertas sobre o planeta e suas quatro maiores luas. Também conseguiu um feito inédito, qual seja, observar o mergulho de um cometa na atmosfera de Júpiter. Tratou-se do cometa Schoemaker-Levy 9, que se chocou com a atmosfera do planeta em julho de 1994. Em outra postagem discutimos esse acontecimento.

Inicialmente a sonda foi em direção ao planeta Vênus, chegando em 10 de fevereiro de 1990 a uma distância de 16000 km do referido planeta. Com essa aproximação a Galileu ganhou um empuxo, fazendo com que sobrevoasse a Terra em 8 de outubro de 1990 a 960 km de distância e depois, sobrevoasse o nosso planeta uma segunda vez em 29 de outubro de 1991, chegando a apenas 300 km de distância. Isso fez com que a Galileu obtivesse uma velocidade suficiente para dirigir-se à Júpiter [2]. Em 13 de julho de 1995, a Galileu enviou uma sonda atmosférica em direção ao planeta Júpiter. A sonda atmosférica mergulhou 600 km antes de ser esmagada pela atmosfera, sem entretanto encontrar terreno sólido. Descobriu-se que a atmosfera possui níveis de hélio, neônio, carbono, oxigênio e enxofre menores do que seria esperado [3]. Por outro lado, a densidade da atmosfera e temperatura revelaram-se serem maiores do que a expectativa. Durante 156 km da descida, vários instrumentos também revelaram a existência de fortes ventos, frio e calor intensos e fortes turbulências [3]. Alguns instrumentos revelaram altos níveis de gelo de amônia na atmosfera, mas uma quantidade irrisória de água. A Figura 2 apresenta um esquema da órbita de Galileu desde o seu lançamento até a finalização de sua missão em Júpiter.


Figura 2: Representação da órbita de Galileu desde o seu lançamento até o final da sua missão em Júpiter. Observe-se que inicialmente a nave foi direcionada para Vênus, quando foi estilingada de volta à Terra. Após passar próximo ao nosso planeta e visitar alguns asteroides aproximou-se novamente do nosso planeta e foi novamente estilingado, agora em direção à Júpiter onde cumpriu a sua missão [2].



[1] Uma curiosidade adicional sobre a Voyager 1. Em 28 de novembro de 2017, os engenheiros da missão enviaram um sinal até a espaçonave para ela acionar novamente os seus foguetes, o que ela fez com sucesso, após 37 anos que eles se mantiveram parados (a última vez havia sido no ano de 1980).
[2] Galileu - End of Mission, in https://web.archive.org/web/20110721053820/
http://solarsystem.nasa.gov/missions/docs/galileo-end.pdf  [consultado em 27/03/2020].
[3] Galileu Probe Science Results, in https://www2.jpl.nasa.gov/sl9/gll38.html [consultado em 27/03/2020].




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