sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Descrição macroscópica e calor


            A queima de gasolina no cilindro de um motor de automóvel e o processo de derretimento de uma pequena pedra de gelo são exemplos de problemas físicos que não podem ser resolvidos pela aplicação direta das leis da mecânica estudadas até este ponto. De fato, no primeiro caso, a quantidade de moléculas de oxigênio, nitrogênio, xileno, etanol e hidrocarbonetos diversos é da ordem de 1024, o que impossibilita qualquer tentativa de resolução das equações do movimento para os constituintes deste sistema. No segundo caso, outros conceitos exteriores à mecânica serão necessários para se entender o fenômeno de uma maneira qualitativa e quantitativa. Estes e outros exemplos fazem parte de um conjunto de problemas estudados pela área da física conhecida como termodinâmica, que trata dos diversos fenômenos físicos envolvendo o calor e a temperatura, conceitos estes que serão discutidos neste capítulo.         

            A descrição dos sistemas físicos dada pela termodinâmica é macroscópica, o que significa que as propriedades tratadas estão em escala muito maior do que a escala molecular, que é da ordem de 10-9 m. Em outras palavras, a descrição termodinâmica não necessita fazer referência direta às propriedades moleculares do sitema, embora em algumas situações possam ser úteis para um melhor entendimento do problema.

           
           As grandezas macroscópicas utilizadas na termodinâmica para descrever os sistemas físicos são a temperatura, a pressão, o volume, o campo elétrico, a polarização elétrica, o campo magnético, entre outros. O conjunto de variáveis utilizado para descrever o estado termodinâmico do sistema é chamado de variáveis termodinâmicas ou variáveis de estado.

           

Exemplo 1:

Uma variável de estado bastante importante em diversos problemas é o número de mols, ou moles. Um mol de uma substância (símbolo n) é a quantidade daquela substância contendo um número de Avogrado, (NA = 6,0221 x 1023) de moléculas. Imagine um volume contendo 100 g de oxigênio, O2. Calcule o número de mols e o número de moléculas de oxigênio neste volume.

Solução:

A massa molar do O2 é:

M = 2 x 16,0 g/mol = 32 g/mol

O número de mols no volume considerado é:

n = massa da substância / massa molar

n = 100 g / 32 g / mol = 3,5 mol

O número de moléculas na amostra é:

N = n x NA = 3,5 x 6,0221 x 1023 = 2,1 x 1024 moléculas

 

            Para a construção do conceito de calor muitas hipóteses foram levantadas e diversos experimentos foram realizados entre os séculos XVII e XIX por diversos cientistas (Carnot, Clapeyron, Thomson, Clausius, Watt e Lavoisier, para citar apenas uns poucos mais conhecidos). Este longo tempo de gestação do conceito sugere que, certamente, em alguns pontos do processo histórico, muita dúvida deve ter acometido os estudiosos do problema. Discutindo a natureza do calor no trabalho Mémoire sur la chaleur, em 1780, Lavoisier e Laplace sintetizam as duas interpretações mais aceitas na época da seguinte maneira:

 

"Os físicos estão divididos sobre a natureza do calor. Muitos o tomam como um fluido espalhado por toda a natureza, e pelo qual todos os corpos são mais ou menos penetrados, à razão de sua temperatura e de sua disposição particular de o reter. Outros físicos pensam que o calor não passa do resultado dos movimentos insensíveis das moléculas da matéria (...) Nós não decidiremos entre as duas hipóteses precedentes. Muitos fenômenos parecem favoráveis à última; tal é, por exemplo, aquele do calor produzido pela fricção de dois sólidos; mas há outros que são explicados mais facilmente pela primeira hipótese; pode ser que haja lugar para as duas ao mesmo tempo."

 

O fluido material e sutil que causava o calor foi denominado por Lavoisier de calórico. Pouco a pouco percebeu-se, entretanto, que o calórico não explicava muitos dos fenômenos observados na natureza e, paulatinamente, a hipótese do calórico foi sendo descartada. Benjamin Thompson, o Conde de Ruford, por exemplo, analisando detalhadamente o experimento de se furar um cano de canhão de bronze imerso na água notou que o calor gerado por fricção parecia ser inexaurível; assim, para o corpo isolado, como seria possível ele continuar a fornecer ilimitadamente calor sendo o calórico uma substância material? Parecia mais lógico que o calor estivesse associado a movimento.

Para introduzirmos o conceito de calor tal como é aceito hoje pelos físicos consideremos o seguinte experimento. Uma chaleira quente é colocada sobre uma placa metálica que encontra-se a temperatura ambiente. Depois de um determinado tempo observa-se que a chaleira também estará a temperatura ambiente. O que acontece é que parte da energia da chaleira que encontrava-se inicialmente a mais alta temperatura é cedida à placa que está mais fria. A energia cedida de um corpo mais quente a um corpo mais frio que encontra-se em contato com o primeiro é chamada de calor. Quando o processo de transferência de calor acaba, diz-se que os dois sistemas encontram-se em equilíbrio térmico um com o outro. De uma maneira mais geral, quando as variáveis de estado de um sistema físico são constantes no tempo e uniformes em todos os pontos do sistema, diz-se que o sistema encontra-se em equilíbrio.

            O contato assumido existir entre a chaleira e a placa metálica é do tipo diatérmico, o que significa que calor pode ser transmitido de um corpo a outro. Existem também as chamadas paredes adiabáticas, que não permitem que calor seja transferido de um sistema a outro. As paredes adiabáticas podem ser vistas como barreiras isolantes de grande eficiência.

            Neste ponto destaca-se que as temperaturas de sistemas físicos podem ser modificadas sem necessariamente termos que colocá-los em contatos com sistemas de diferentes temperaturas. Nos chamados processos adiabáticos, o contato com corpos mais quentes ou mais frios não é muito importante para a transferência de calor. Dando um exemplo clássico, quando se varia rapidamente o volume de um gás, comprimindo-o ou expandindo-o dentro de um reservatório, ocorre variação de temperatura sem que a temperatura das paredes do reservatório tenham grande influência sobre o processo. Sendo mais preciso na definição, podemos dizer que o calor é aquilo que é transferido entre dois sistemas, inicialmente a diferentes temperaturas, até eles atingirem o equilíbrio térmico sem que um dos sistemas realize trabalho sobre o outro.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

A função de onda

Na mecânica clássica a descrição do movimento é feita através da segunda lei de Newton, onde a força desempenha um papel fundamental na teoria. A força descreve a interação entre o sistema em análise e o ambiente no qual ele se encontra. A partir do conhecimento de todas as forças que atuam sobre um objeto é possível, através das leis de Newton, descrever o movimento deste objeto.

Na mecânica quântica, que é a teoria que descreve os sistemas que possuem dimensões atômicas, a força é um conceito secundário. Assim, em vez de se usar as leis de Newton da mecânica, utiliza-se a chamada equação de Schrödinger, na qual o conceito de energia desempenha um papel fundamental. Por exemplo, para o átomo de hidrogênio, a equação de Schrödinger prediz os possíveis valores de energia E que o elétron pode ter através da equação:
 \widehat {H}\psi = E\psi       (1)

onde H é uma entidade matemática conhecida como operador hamiltoniano (que representa a energia total do átomo) e a letra grega psi é a função de onda do sistema. A equação (1), na verdade, é a equação de Schrödinger independente do tempo. Na sua forma mais geral, quando psi depende tanto das coordenadas quanto do tempo, a equação de Schrödinger possui a forma:

Tecnicamente, a equação de Schrödinger é uma equação diferencial. Assim, podemos dizer que esta equação é uma prescrição para determinar a função de onda de uma partícula ou de um objeto. A função de onda, por sua vez, representa tudo o que pode ser conhecido acerca do estado físico de um objeto.


Apesar de representar todo o conhecimento relativo ao estado físico em estudo, a função de onda é uma quantidade difícil de interpretar e, além do mais, não pode ser observada diretamente, uma vez que é uma grandeza complexa.

Vamos considerar uma situação física na qual existem duas fendas estreitas (da ordem do comprimento de onda da luz, digamos 550 nm). Se considerarmos a luz como sendo um fenômeno ondulatório, ao passar por duas fendas ela vai apresentar, entre outros o efeito de interferência, que está representado na Figura 1. 


 
Figura 1: Representação do fenômeno de interferência produzido quando a luz passa por duas fendas.


A principal característica da interferência é que no anteparo na parede atrás das duas fendas, observar-se-á um padrão no qual algumas regiões estarão claras (onde a luz atinge a parede) e outras regiões estarão escuras (a luz não atinge a parede naquele ponto). No primeiro caso temos interferência construtiva e no segundo caso temos interferência destrutiva. Este fenômeno é conhecido e é bem entendido há mais de trezentos anos.

Consideremos agora a situação na qual, a partir da fenda inicial marcada por uma seta na Figura 1, em vez de estar emergindo uma onda, estejam sendo emitidos elétrons. Este experimento possui uma excelente discussão em diversos livros textos de mecânica quântica, como as Refs. [1, 2].
  
Sendo ejetados elétrons a partir da fenda marcada pela seta, se as fendas A e B estiverem abertas, observar-se-á que sobre o anteparo atrás das fendas aparecerá um padrão de interferência típico de uma onda, ou seja, neste experimento os elétrons se comportarão como onda. Um detalhe importante da experiência é que o aspecto ondulatório não aparecerá por causa da interferência de um determinado elétron com outro elétron lançado simultaneamente. Mesmo que seja lançado um único elétron por vez e os vários lançamentos sejam feitos com diferença de vários segundos ou minutos um dos outros, o padrão de interferência será verificado. Isso significa que uma única partícula se comporta como uma onda.

Vamos agora associar a função de onda psi a uma amplitude de probabilidade F(a, b), onde a representa o local de onde a partícula saiu e b o local em que ela chegou. Assim, da Figura 1 podemos dizer que F(s, A) é a amplitude de probabilidade de um elétron sair da fenda marcada pela seta e chegar à fenda A. Similarmente podemos dizer que F(A, e) é a amplitude de probabilidade do elétron partir de A e chegar no ponto marcado pela estrela. Supondo que durante este experimento a fenda 2 permaneça fechada, a amplitude de probabilidade do elétron sair da fenda marcada pela seta e chegar ao ponto estrela passando pela fenda 1 será:

F(s, e) = F (s, A) . F(A, e)                                   (2)


Para continuar a discussão será necessário estabelecer um dos principais postulados da teoria quântica: a probabilidade, P, de ocorrência de uma determinada situação física caracterizada por uma função de onda psi (ou equivalentemente por uma amplitude de probabilidade F(a, b)) é dada pelo módulo quadrado da função de onda (ou da amplitude de probabilidade). Assim, P = | F(a, b) |. Este breve postulado afirma, em suma, que a amplitude de probabilidade não é uma probabilidade, mas uma raiz quadrada complexa de uma probabilidade.

Levando em conta este postulado podemos afirmar que a probabilidade da partícula sair da fenda marcada pela seta e chegar ao ponto marcado por uma estrela passando pela fenda 1, mantendo-se a fenda 2 fechada, será:

P = | F(s, A) |.| F(A, e) |= | F(s, A) . F(A, e) |       (3)

Esta última equação é consequência do fato de que  | z . w |= | z  |. | w |, onde z e w são números complexos, i.e., números que podem ser escritos na forma z = a + i b, com a e b sendo números reais e i sendo definido como a raiz quadrada de -1.

Consideremos agora uma segunda situação na qual um elétron sai da fenda marcada pela seta e chega ao anteparo no ponto estrela, mas com a possibilidade de passar pelas duas fendas da Figura 1, ou seja, as fendas A e B encontram-se abertas. Seja F1 a amplitude de probabilidade do elétron passar pela fenda 1,

F1 = F (s, A) . F(A, e)                                   (4)

e F2 a amplitude de probabilidade do elétron passar pela fenda 2, 


F2 = F (s, B) . F(B, e)                                   (5)

Assim, a amplitude de probabilidade do elétron sair da fenda marcada pela seta e chegar ao ponto estrela no anteparo será:

F1 + F2 = F (s, A) . F(A, e) + F (s, B) . F(B, e),

de tal modo que a probabilidade do elétron sair da fenda marcada pela seta e chegar ao ponto estrela com as duas fendas abertas será:

| F1 + F2 |= | F1 |+ | F2 |+ 2 | F1 | . | F2 |cos f,

onde o cos f representa uma fase oriunda do fato de estarmos elevando ao quadrado a soma de duas grandezas complexas. Esta fase é que fornece a interferência quântica entre duas situações quânticas possíveis. Para sistemas muito grandes, o cos f fica na média e cos f torna-se igual a zero; assim | F1 + F2 |= | F1 |+ | F2 |e temos a situação clássica, sem interferências quânticas.

Uma questão levantada por alguns estudiosos da teoria quântica e por alguns epistemólogos é como se falar de uma realidade física com a existência de diferentes possibilidades alternativas pesadas por números complexos. Então, (a) seria a teoria quântica um procedimento de cálculo para computar probabilidades e não uma descrição objetiva do mundo físico? (b) Sendo a teoria quântica uma teoria completa, estaria ela afirmando que não é possível obter-se uma descrição objetiva do mundo? (c) O estado quântico caracterizado pela função de onda psi de uma partícula forneceria a realidade física da mesma? 

Este, na verdade, é um aspecto da teoria que causou perplexidade até nos cientistas que estiveram mais diretamente envolvidos na construção da teoria.  Por exemplo, Paul Dirac, num seminário em 1970 afirmou: "Se hoje alguém me perguntasse qual seria o aspecto mais importante da mecânica quântica, eu me sentiria inclinado a dizer que não é a álgebra não comutativa. É a existência das amplitudes de probabilidade que permeiam todos os processos atômicos. O quadrado do seu módulo é algo que podemos observar. Esta é a probabilidade que os físicos experimentais conseguem obter. Mas além disso, existe uma fase, um número de módulo unitário que pode modificar sem afetar o quadrado do módulo. E esta fase é extremamente importante porque ela é a fonte de todos os fenômenos de interferência mas cujo significado físico é obscuro" [3].


Referências e sugestões de leitura:
[1] R.P. Feynman, R.B. Leighton, M. Sands, Lições de Física, The Feynman Lectures on Physics, V. III, Bookman (2008).
[2] J.J. Sakurai, Introductory Quantum Mechanics, Addison-Wesley, (1992).
[3] P.A.M. Dirac, Fields & Quanta 3, 139 (1972).

 

quinta-feira, 14 de março de 2013

E a ideia do átomo?

   Os átomos podem ser descritos por métodos matemáticos através da teoria quântica. Com o auxílio desta teoria, utilizando-se métodos aproximativos e cálculos computacionais, é possível fazer previsão do comportamento destes sistemas com grande precisão.
   Hoje também se sabe que o átomo não é a unidade mais básica formadora da matéria. Na linguagem moderna da física, o átomo é constituído por certas partículas elementares (os tipos e classificação destas partículas será assunto de uma outra postagem). O que é interessante é o fato de que tentar entender de que é feita a matéria é uma questão que remonta a milhares de anos e, pelo menos no que diz respeito aos gregos, ficou registrado o que eles pensavam sobre o assunto.
   Num breve resumo sobre as ideias dos filósofos pré-socráticos podemos dizer que Tales acreditava que a água fosse a substância fundamental. Para Anaxímenes era o ar e para Heráclito era o fogo. Empédocles acreditava na existência de quatro elementos básicos - terra, água, ar e fogo; a mistura e separação destes elementos pela ação do Amor e do Conflito produziria todas as substâncias do mundo. Para Anaxágoras existia uma infinita variedade de "sementes" e para Leucipo e Demócrito, a substância fundamental era o "átomo", eterno e indestrutível, mas com um tamanho finito (portanto, bem diferente do átomo tal como é descrito pela ciência física atual). Para Anaximandro existiria uma "substância" diferente de tudo conhecido que seria infinita, eterna e indestrutível e que envolveria o mundo. Algumas destas ideias podem ser correlacionadas com ideias da física moderna mas, evidentemente, estão bastante distantes de fornecerem um entendimento dos átomos e moléculas e, mais importante ainda, de fornecer informações quantitativas sobre sistemas físicos. São ideias filosóficas, que tiveram importância primária na construção de concepções sobre o mundo, mas apenas importância secundária quando da construção dos modelos matemáticos que descrevem os sistemas atômicos estudados pela física moderna. Posteriormente Platão associou os sólidos regulares aos quatro elementos (terra - cubo; ar - octaedro, fogo - tetraedro, água - icosaedro) de tal forma que existia a crença de que as menores porções de matérias seriam formas matemáticas.
   Durante os próximos séculos a sombra dos filósofos gregos irá pairar sobre o pensamento do mundo ocidental, de tal forma que não surgirão grandes novas ideias a respeito do tema (em outra postagem falarei sobre o pensamento pós-Platão até chegarmos ao século XX).
   O século XIX foi rico em ideias e descobertas relacionadas com a física. Na virada do século XX, as teorias da mecânica, da termodinâmica e do eletromagnetismo estavam bem estabelecidas, de tal modo que os cientistas puderam voltar seus olhares novamente ao problema do átomo. O problema da radiação do corpo negro (ver a nossa postagem "Qual a origem da teoria quântica?", novembro/2012) e que aparentemente nada tem a ver com a questão do átomo desempenhará um papel fundamental para o seu entendimento.
   Mas retornemos aos modelos atômicos. No começo do século XX, mais precisamente em 1904, Lenard propôs um modelo de átomo no qual as cargas positivas e negativas estavam emparelhadas e distribuídas em todo o seu volume. Esse modelo foi descartado porque não explicava as ligações químicas, por exemplo. Em 1905 J.J. Thomson propôs um outro modelo no qual existia um fluido com a maior massa do átomo, bem como as cargas positivas. Nesse fluido estavam espalhados os elétrons que possuem a carga negativa. Através de cálculos bastante elaborados, Thomson mostrou que o seu modelo explicava a radiação, explicava as ligações químicas, poderia caracterizar os elementos químicos, mas não explicava nem os espectros atômicos, nem o espalhamento de Rutherford.
   O espalhamento de Rutherford foi um experimento fundamental para se entender como são distribuídas as cargas positivas e negativas em um átomo. Fazendo o espalhamento de partículas alfa em folhas finas de ouro, Geiger e Marsden, sob a orientação de Rutherford chegaram à conclusão de que o átomo era composto de um núcleo onde estava concentrada a carga positiva, enquanto que a carga negativa (os elétrons) giravam em torno do núcleo. Como principal falha, o modelo de Rutherford afirmava que o elétron estava girando ao redor do núcleo e, portanto, tinha uma aceleração a= v.v/r, o que implicava que ele estaria emitindo radiação. Logo, ele estaria perdendo energia e seu raio estaria continuamente diminuindo de tamanho. Era um modelo de átomo instável. O modelo de Rutherford também não explicava o espectro do hidrogênio.
   Sabia-se que quando o gás hidrogênio recebia uma descarga elétrica, ele emitia luz numa impressionante regularidade quando analisada por um espectrômetro. Balmer descobriu uma fórmula que dava os comprimentos de onda (lambda) das linhas do espectro:

  lambda = 3645,6 . 10^(-8) . [(n.n)/(n.n-4]  cm , com n = 3, 4, ....


 Posteriormente, Rydberg e Ritz descobriram que havia uma expressão mais geral dada por:

 1/ lambda = R {[1/(n0.n0)] -[1/(n.n)]}, onde n = n0 + 1, n0 + 2,....

onde R dependia do elemento e o n0 caracterizava as diversas séries. Eles sugeriram que a fórmula de Balmer era um caso particular quando n0 = 2, existindo também n0 = 1, 3,4,... De fato, posteriormente descobriu-se a existência das outras séries, de tal modo que:

n0 = 1: série de Lymann
n0 = 2: série de Balmer
n0 = 3: série de Paschen
n0 = 4: série de Brackett
n0 = 5: série de Pfund.

   Em 1913 Niels Bohr expôs um modelo atômico edificado sobre três postulados que em resumo dizia que existiam estados estacionários onde os átomos não emitem radiação; as forças sobre os elétrons associadas com a emissão de radiação é negligenciável. Segundo Dirac, estas ideias foram os maiores passos em todo o desenvolvimento da mecânica quântica. Os postulados podem ser expressos da seguinte forma:

Postulado I: Os elétrons movem-se em órbitas circulares em torno do núcleo de acordo com a mecânica clássica, mas sem irradiar.

F = [Z.e^2]/[4.(pi).e0.r^2]  = m.v^2/ r  =>  v = {Z.e^2/[4.(pi).e0.r.m]}^(1/2)      Eq. (1)

(Nesta equação Z é o número atômico, "e" é a carga do elétron, e0 é a constante dielétrica do vácuo, m é a massa do elétron, r é o raio da órbita do elétron em torno do núcleo e v é a velocidade do elétron).

Postulado II: Só são permitidas órbitas eletrônicas em que o momentum angular é um múltiplo inteiro de {h/[2.(pi)]}, onde h é a constante de Planck.

L = m.v.r = n. h/[2.(pi)]  =>  v = n . h/[2.(pi).r.m]                     Eq (2)

Igualando as equações 1 e 2, obtém-se:

v = {Z.e^2/[4.(pi).e0.r.m]}^(1/2) = n.h/[2.(pi).r.m]   => r(n) = [n^2.h^2. e0]/[Z.(pi).m.e^2]

Mas a energia total do sistema, como é conhecido, é a soma da energia potencial mais a energia cinética, de tal forma que E = Ep + Ec. Entretanto:



Logo:

Ep = - Z.e^2/[4.(pi).e0].[1/r] (infinito a r) =  - Z.e^2/[4.(pi).e0.r]

Ek = (1/2). m.v^2 = (1/2).{Z.e^2/[4.(pi).e0.r]}

E = Ep + Ek = - Z.e^2/[8.(pi).e0.r]

Assim, E(n) = - Z.e^2/[8.(pi).e0.{[n^2.h^2. e0]/[Z.(pi).m.e^2]}

E(n) =  - Z.e^4.m/[8.(pi).e0.n^2.h^2]

Vemos por esta última equação que para um átomo, a energia do elétron só depende do nível onde está localizado este elétron. Assim, para o átomo, E = - b/n^2. Quanto maior for o "n", maior será o valor da energia, pois a fração é negativa.

Postulado III:  O elétron não irradia energia se permanece em um determinado nível; a radiação ocorre apenas quando o elétron passa de um estado de energia alto para um baixo estado de energia.



Ou seja, a frequência da radiação emitida, ao elétron passar de um nível n0+1 para n, n0+2 para n, etc, corresponde aos comprimentos de onda das linhas do espectro para a série de n0.

    Para um átomo de hidrogênio estas ideias eram boas mas, como desenvolver a ideia das órbitas de Bohr para átomos mais complicados? Heisenberg, então, sugeriu que as grandezas importantes na teoria física são "coisas" observáveis ou "coisas" relacionadas a quantidades observáveis. Esses observáveis estariam associados a duas órbitas de Bohr e não a apenas uma. Todas as quantidades de uma certa espécie associada com duas órbitas são expressas na forma de uma matrtiz. Cada variável dinâmica como posição e momentum da teoria Newtoniana foi associada a uma matriz. Mas matrizes envolvem uma álgebra não comutativa e Heisenberg chegou ao resultado constrangedor de que as variáveis dinâmicas obedeciam a uma tal álgebra. Através da formulação Hamiltoniana, as equações de Newton que podiam ser escritas através do parêntese de Poison [a, b] foram substituídas pelas equações de Heisenberg, com o análogo do parêntese de Poisson escrito como [(ab-ba).2(pi)/i.h], onde i é o número imaginário complexo e h, novamente, a constante de Planck. Classicamente as variáveis dinâmicas u eram escritas como du/dt = [u, H], sendo agora substituídas pela equação:
     du/dt = (2.pi) [uH - Hu]/i.h
E a interpretação para estas equações? Quase que simultaneamente à construção do formalismo de Heisenberg, Schrödinger desenvolveu uma formulação diferente da mecânica quântica, embora pouco depois tenha sido mostrado que as duas formulações eram equivalentes (ver a postagem Heisenberg vs. Schrödinger, de 13/03/2013, neste blog). Schrödinger baseou-se na associação feita por De Broglie de uma onda plana movendo-se numa direção definida com frequência definida a uma partícula com momentum e energia definidas, na qual não atuavam forças. Na verdade, Schrödinger generalizou para o caso de um elétron movendo-se sob a ação de forças elétricas e magnéticas. À partícula estava associada uma função de onda Psi(x1, x2, x3, t) e existiam operadores atuando sobre Psi: p, o momentum, e x, a posição. Estas quantidades obedecem a regras de não-comutatividades análogas aos operadores de Heisenberg e daí é fácil estabelecer-se a conecção entre as duas teorias. Psi representa um estado do sistema. Os operadores que mudam uma função de onda em outra, estão associados aos dois estados. A interpretação desta formulação é que o módulo quadrado de Psi, ou seja, |Psi|^2, é a probabilidade da partícula ser encontrada em uma determinada posição.
   Segundo Schrödinger, uma partícula que se encontra submetida a um potencial V será regida por uma equação do tipo:
,
que é exatamente a chamada equação de Schrödinger. Esta é uma equação que os matemáticos classificam como uma equação diferencial parcial. No caso em que a função de onda psi, que a princípio é função de r e de t, é independente do tempo, a equação de Schrödinger pode ser expressa de uma forma mais simples:

Na equação acima, E representa a energia do sistema. Admitindo que o elétron pertencente ao átomo de hidrogênio esteja num potencial central eletrostático:

V(r) =  - e^2/[4.(pi).e0.r].

   Um sistema de coordenadas apropriado para trabalhar o problema do elétron no átomo de hidrogênio é o chamado "coordenadas esféricas". Neste sistema qualquer ponto do espaço pode ser localizado pelas coordenadas r, teta e phi, ou seja, uma coordenada (r) que diz o valor da distância do ponto em consideração até a origem do sistema de coordenadas, e duas coordenadas angulares (teta e phi). A figura abaixo fornece uma representação do sistema de coordenadas esféricos, mostrando que ele é equivalente ao mais comumente utilizado sistema de coordenadas retangulares (x, y, z).
 

Utilizando-se o sistema de coordenadas esféricas a equação de Schrödinger poderá ser resolvida separando-se a solução psi numa parte dependente das coordenadas angulares e numa parte dependente apenas da coordenada r, ou seja,

Substituindo esta solução tentativa na equação de Schrödinger, teremos:
 
 
   Resolvendo-se a parte angular inicialmente, poderemos separar a equação adicionalmente numa parte em phi e numa parte em teta. No que diz respeito à primeira coordenada a equação fica da forma:


A solução para a equação acima é:

Entretanto, nem  todos os valores de m são permitidos. Para a solução ser fisicamente aceitável, phi (2.pi + phi´) = phi (phi´). Isso implica que m pode assumir os valores 0, 1, -1, 2, -2, 3, -3, etc. Por outro lado a equação em teta fornece como solução os polinômios associados de Legendre. Juntando-se, então, as soluções para a parte relativa às coordenadas angulares encontra-se que:

 onde a função Y são os chamados harmônicos esféricos.

   A solução formal da equação tem uma aparência um pouco complicada, dada por;

onde n, m, l são números inteiros, Y, como falado, são os chamados harmônicos esféricos, rho é uma função da coordenada r e L são os polinômios associados de Laguerre. A solução da parte radial é uma equação diferencial cuja solução só é bem comportada a grandes distâncias se:


Esta equação fornece a energia do elétron no átomo de hidrogênio, que se coaduna bastante bem aos resultados experimentais. Assim, o formalismo de Schrödinger da mecânica quântica reproduz o resultado experimental relacionado ao átomo de hidrogênio.
   Lembrando que para Platão as menores porções da matéria seriam formas matemáticas, admitindo que a função de onda Psi seja o que melhor temos para representar um elétron no átomo de hidrogênio, poderemos achar que o mundo foi bem traduzido por Platão, não?

  

quarta-feira, 13 de março de 2013

Heisenberg vs Schrödinger



A mecânica quântica continua a revelar aspectos interessantes da natureza, como os trabalhos que deram origem ao prêmio Nobel de Física de 2012 mostraram. Relendo um dos capítulos do livro de Werner Heisenberg,” A parte e o Todo”, vi uma interessante passagem sobre a primeira discussão ocorrida entre ele, Heisenberg, o formulador da mecânica matricial, e Erwin Schrödinger, o formulador da mecânica ondulatória. Apenas contextualizando, o fato relatado a seguir ocorreu alguns meses depois dos dois grandes físicos terem formulado as teorias matemáticas que são o suporte da mecânica quântica. Poucos anos depois os dois ganharão o prêmio Nobel por estes trabalhos seminais. Mas no momento em que ocorreu o encontro, a interpretação dos resultados não era clara; a hoje tradicional interpretação de Max Born para a função de onda ainda era desconhecida. O debate entre os dois gigantes se dá exatamente em relação à esta interpretação. (Após o relato desse primeiro debate entre os dois a Niels Bohr, este convida Schrödinger a visitar Copenhagen para uma discussão sobre a  teoria. Nessa visita Schrödinger e Bohr, durante vários dias, tiveram discussões que se iniciavam bem cedinho e terminavam a altas horas da noite. Foi um embate tão desgastante que Schrödinger caiu doente, mas as discussões continuaram com Bohr ao pé da cama mesmo nessa circunstância). Enfim, abaixo, o breve relato da discussão Heisenberg - Schrödinger, na versão do primeiro, que se constituiu numa das belas páginas da história da criatividade humana:

No fim do período letivo de verão do ano de 1926, Sommerfeld convidou Schrodinger a fazer uma palestra no seminário de Munique. Tive então a primeira oportunidade de discutir a nova concepção. Eu estivera novamente trabalhando em Copenhague e me havia familiarizado com os métodos de Schrödinger, aplicando-os ao estudo do átomo de hélio. Concluíra esse trabalho durante um curto período de férias no lago Mjösa, na Noruega, enfiara o manuscrito na mochila e partira de Gudbrandsdal por trilhas ainda não percorridas, passando por várias cordilheiras e indo até o fiorde de Sogne. Após uma breve parada em Copenhague, finalmente seguira para Munique, onde pretendia passar o resto das férias com meus pais. Por isso pude estar presente na palestra de Schrödinger. A plateia incluía o diretor do Instituto de Física Experimental da Universidade de Munique, Wilhelm Wien, que era extremamente cético em relação à atomística de Sommerfeld. Antes de mais nada, Schrodinger explicou os princípios matemáticos da mecânica ondulatória, usando como exemplo o átomo de hidrogênio. Tivemos imenso prazer em ver sua solução concisa e simples, através de métodos convencionais, para um problema que Wolfgang Pauli só com grande dificuldade conseguira solucionar através da mecânica matricial. No final, Schrodinger discutiu sua própria interpretação da mecânica ondulatória, mas seus argumentos não me convenceram. No debate subsequente, levantei algumas objeções e, em particular, assinalei que sua concepção não ajudaria a explicar nem mesmo a lei da radiação de Planck. Wilhelm Wien se opôs a mim, dizendo em tom áspero que, embora compreendesse meu pesar pelo fato de a mecânica matricial estar acabada e, com ela, toda aquela história absurda de saltos quânticos etc, as dificuldades que eu mencionara seriam solucionadas por Schrodinger, sem dúvida, em futuro muito próximo. O próprio Schrodinger não foi tão seguro em sua resposta, mas também mostrou-se convencido de que a superação de minhas objeções era uma questão de tempo. Meus argumentos não impressionaram ninguém; até Sommerfeld, que era afetuoso comigo, sucumbiu à força persuasiva da matemática de Schrodinger.