sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Europa e Calisto: mistérios das luas

Europa, com um raio de 1560 km e Calisto, com um raio de 2409 km, são dois dos quatro satélites galileanos, ou seja, aqueles descobertos por Galileu ainda em 1610 quando ele apontou pela primeira vez o telescópio para Júpiter. Existem alguns mistérios associados a eles, embora os estudos realizados a partir de medidas de espaçonaves ao longo dos últimos 20 anos tenha trazido um bom conhecimento a respeito desses astros.

O eixo do dipolo magnético de Júpiter desloca-se com respeito ao seu eixo de rotação. Como consequência, os satélites galileanos que orbitam no plano equatorial do planeta experimentariam um campo magnético que varia periodicamente com a frequência de rotação (aparente) de Júpiter. Supondo-se que haja material suficiente no interior dos satélites para haver condução elétrica, então o campo magnético variável de Júpiter poderia induzir uma corrente elétrica no interior das luas (Zimmer et al. 2000). E além disso, essa corrente, produziria um campo magnético de tal forma que o campo total seria a soma do campo magnético de Júpiter mais aquele produzido pela sua lua.

Quando a espaçonave Galileo investigou os satélites de Júpiter no final da década de 1990 constatou perturbações do campo magnético semelhantes ao que seriam esperadas para luas que se comportassem como esferas condutoras. Supôs-se que a causa para esta condução seriam oceanos com grande quantidade de sal sob a superfície. Em outras palavras, as perturbações magnéticas são compatíveis com um campo magnético induzido como resposta à variação do intenso campo magnético de Júpiter. Isso exigiria o fluxo de correntes em uma casca dos planetóides [Europa e Calisto] com alta condutividade (60 mS/m para Europa e 20 mS/m para Calisto) que poderia estar entre 200 e 300 km da superfície. Esse oceano sub-superficial, se tivesse uma salinidade próxima daquela observada nos oceanos da Terra, poderia ter apenas uns poucos quilômetros de profundidade que seria suficiente para produzir os efeitos enxergados pela nave Galileo. É interessante destacar que anteriormente uma análise da superfície de Europa por Kuramoto et al. (1998) já havia sugerido a existência de um oceano em seu interior. Os resultados obtidos pela análise do campo magnético, então, reforçaram essa hipótese, como também sugeriram a existência de algo similar em Calisto, apesar de não haver nenhuma evidência considerando-se apenas a observação de sua superfície.

O problema é bem complexo porque observações óticas realizadas pela própria Galileo bem como da New Horizons não apresentaram de forma contundente a ocorrência de lançamento de material, como moléculas de água, de sua superfície (Roth et al, 2014). Entretanto, durante o sobrevôo E12 de Galileo sobre Europa foram observadas fortes anomalias do campo magnético que poderia indicar, como já comentado, atividades na superfície do planetóide.

Observe-se ainda, tentemos montar o quebra-cabeças, que o Telescópio Espacial Hubble detectou em dezembro de 2012 linhas de emissão do oxigênio na região do ultravioleta, bem como linha de Lyman do hidrogênio, sendo as mesmas interpretadas como consequência da existência de vapor de água no polo sul de Europa (Roth et al, 2014). A altura até a qual os vestígios de água foram detectados pelas observações se estenderam até aproximadamente 200 km, que convenhamos, é uma altura considerável. O que também é interessante destacar é que estes eventos não são permanentes. De fato, observações realizadas pelo Hubble em 1999 e em novembro de 2012 não indicaram nenhuma presença das "plumas" de água, ou se elas estavam presentes, a quantidade deveria ser duas ou três vezes menores (Hybrights et al. 2017), enquanto que os resultados de junho de 2008 foram considerados ambíguos. Adicionalmente, medidas realizadas novamente em janeiro-fevereiro de 2014 e entre novembro 2014 e abril de 2015 não mostraram nenhuma indicação de vapor de água.

No que diz respeito ao oxigênio (O2) propriamente dito, acredita-se que Calisto possua uma atmosfera rarefeita contendo esse gás. Isso foi proposto inicialmente por Kliore et al. (2002) quando eles analisaram dados de radiofrequência obtidos pela espaçonave Galileo. Posteriormente, a partir de dados de ultravioleta obtidos pelo Telescópio Espacial Hubble, Cunningham et al. (2015) também sugeriram a presença de oxigênio na atmosfera de Calisto. Contudo, a maior certeza que se tem à respeito da atmosfera de Calisto é a existência de CO2. Essa evidência foi oriunda de medidas espectroscópicas na região do infravermelho próximo, que detectou a vibração de estiramento do grupo CO2 até na altura de 100 km acima da superfície do satélite.

Referências:

- Colburn, D.S., and R. T. Reynolds, Electrolytic currents in Europa. Icarus 63, 39–44 (1985).
- Huybrighs, H.L.F., Y. Futaana, S. Barabash, M. Wieser, P. Wurz, N. Krupp, K.-H. Glassmeier, B. Vermeersen, On the in-situ detectability of Europa's water vapour plumes from the flyby mission, Icarus 28, 270 - 280 (2017). 
- Kuramoto, K., Y. Saiganji, and T. Yamamoto, Oscillating magnetic dipole moment of Europa induced by jovian magnetic field: A probe for detecting Europa’s ocean. Lunar. Planet. Sci. 29, 1254 (1998).
- Roth, L., J. Saur, K.D. Retherford, D.F. Strobel, P.D. Feldman, M.A. McGrath, J.R. Spencer, A. Blöcker, N. Ivchenko, Europa’s far ultraviolet oxygen au- rora from a comprehensive set of HST observations. J. Geophys. Res. 121, 2143 – 2170 (2016).
- Zimmer, C., Krishan K. Khurana, Margaret G. Kivelson, Subsurface Oceans on Europa and Callisto: Constraints from Galileo Magnetometer Observations, Icarus 147, 329–347 (2000).