sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Descrição macroscópica e calor


            A queima de gasolina no cilindro de um motor de automóvel e o processo de derretimento de uma pequena pedra de gelo são exemplos de problemas físicos que não podem ser resolvidos pela aplicação direta das leis da mecânica estudadas até este ponto. De fato, no primeiro caso, a quantidade de moléculas de oxigênio, nitrogênio, xileno, etanol e hidrocarbonetos diversos é da ordem de 1024, o que impossibilita qualquer tentativa de resolução das equações do movimento para os constituintes deste sistema. No segundo caso, outros conceitos exteriores à mecânica serão necessários para se entender o fenômeno de uma maneira qualitativa e quantitativa. Estes e outros exemplos fazem parte de um conjunto de problemas estudados pela área da física conhecida como termodinâmica, que trata dos diversos fenômenos físicos envolvendo o calor e a temperatura, conceitos estes que serão discutidos neste capítulo.         

            A descrição dos sistemas físicos dada pela termodinâmica é macroscópica, o que significa que as propriedades tratadas estão em escala muito maior do que a escala molecular, que é da ordem de 10-9 m. Em outras palavras, a descrição termodinâmica não necessita fazer referência direta às propriedades moleculares do sitema, embora em algumas situações possam ser úteis para um melhor entendimento do problema.

           
           As grandezas macroscópicas utilizadas na termodinâmica para descrever os sistemas físicos são a temperatura, a pressão, o volume, o campo elétrico, a polarização elétrica, o campo magnético, entre outros. O conjunto de variáveis utilizado para descrever o estado termodinâmico do sistema é chamado de variáveis termodinâmicas ou variáveis de estado.

           

Exemplo 1:

Uma variável de estado bastante importante em diversos problemas é o número de mols, ou moles. Um mol de uma substância (símbolo n) é a quantidade daquela substância contendo um número de Avogrado, (NA = 6,0221 x 1023) de moléculas. Imagine um volume contendo 100 g de oxigênio, O2. Calcule o número de mols e o número de moléculas de oxigênio neste volume.

Solução:

A massa molar do O2 é:

M = 2 x 16,0 g/mol = 32 g/mol

O número de mols no volume considerado é:

n = massa da substância / massa molar

n = 100 g / 32 g / mol = 3,5 mol

O número de moléculas na amostra é:

N = n x NA = 3,5 x 6,0221 x 1023 = 2,1 x 1024 moléculas

 

            Para a construção do conceito de calor muitas hipóteses foram levantadas e diversos experimentos foram realizados entre os séculos XVII e XIX por diversos cientistas (Carnot, Clapeyron, Thomson, Clausius, Watt e Lavoisier, para citar apenas uns poucos mais conhecidos). Este longo tempo de gestação do conceito sugere que, certamente, em alguns pontos do processo histórico, muita dúvida deve ter acometido os estudiosos do problema. Discutindo a natureza do calor no trabalho Mémoire sur la chaleur, em 1780, Lavoisier e Laplace sintetizam as duas interpretações mais aceitas na época da seguinte maneira:

 

"Os físicos estão divididos sobre a natureza do calor. Muitos o tomam como um fluido espalhado por toda a natureza, e pelo qual todos os corpos são mais ou menos penetrados, à razão de sua temperatura e de sua disposição particular de o reter. Outros físicos pensam que o calor não passa do resultado dos movimentos insensíveis das moléculas da matéria (...) Nós não decidiremos entre as duas hipóteses precedentes. Muitos fenômenos parecem favoráveis à última; tal é, por exemplo, aquele do calor produzido pela fricção de dois sólidos; mas há outros que são explicados mais facilmente pela primeira hipótese; pode ser que haja lugar para as duas ao mesmo tempo."

 

O fluido material e sutil que causava o calor foi denominado por Lavoisier de calórico. Pouco a pouco percebeu-se, entretanto, que o calórico não explicava muitos dos fenômenos observados na natureza e, paulatinamente, a hipótese do calórico foi sendo descartada. Benjamin Thompson, o Conde de Ruford, por exemplo, analisando detalhadamente o experimento de se furar um cano de canhão de bronze imerso na água notou que o calor gerado por fricção parecia ser inexaurível; assim, para o corpo isolado, como seria possível ele continuar a fornecer ilimitadamente calor sendo o calórico uma substância material? Parecia mais lógico que o calor estivesse associado a movimento.

Para introduzirmos o conceito de calor tal como é aceito hoje pelos físicos consideremos o seguinte experimento. Uma chaleira quente é colocada sobre uma placa metálica que encontra-se a temperatura ambiente. Depois de um determinado tempo observa-se que a chaleira também estará a temperatura ambiente. O que acontece é que parte da energia da chaleira que encontrava-se inicialmente a mais alta temperatura é cedida à placa que está mais fria. A energia cedida de um corpo mais quente a um corpo mais frio que encontra-se em contato com o primeiro é chamada de calor. Quando o processo de transferência de calor acaba, diz-se que os dois sistemas encontram-se em equilíbrio térmico um com o outro. De uma maneira mais geral, quando as variáveis de estado de um sistema físico são constantes no tempo e uniformes em todos os pontos do sistema, diz-se que o sistema encontra-se em equilíbrio.

            O contato assumido existir entre a chaleira e a placa metálica é do tipo diatérmico, o que significa que calor pode ser transmitido de um corpo a outro. Existem também as chamadas paredes adiabáticas, que não permitem que calor seja transferido de um sistema a outro. As paredes adiabáticas podem ser vistas como barreiras isolantes de grande eficiência.

            Neste ponto destaca-se que as temperaturas de sistemas físicos podem ser modificadas sem necessariamente termos que colocá-los em contatos com sistemas de diferentes temperaturas. Nos chamados processos adiabáticos, o contato com corpos mais quentes ou mais frios não é muito importante para a transferência de calor. Dando um exemplo clássico, quando se varia rapidamente o volume de um gás, comprimindo-o ou expandindo-o dentro de um reservatório, ocorre variação de temperatura sem que a temperatura das paredes do reservatório tenham grande influência sobre o processo. Sendo mais preciso na definição, podemos dizer que o calor é aquilo que é transferido entre dois sistemas, inicialmente a diferentes temperaturas, até eles atingirem o equilíbrio térmico sem que um dos sistemas realize trabalho sobre o outro.

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