terça-feira, 22 de dezembro de 2015

O impressionante carbono

O carbono é o elemento químico que forma o maior número de substâncias conhecidas. No estado fundamental ele apresenta uma configuração eletrônica 1s2 2s2 2p2, o que sugeriria que o carbono poderia ser, do ponto de vista químico, divalente. Isso seria consequência dos dois elétrons p poderem formar ligações químicas com outros elementos. Entretanto, o carbono pode formar também ligações trivalentes e tetravalentes e esta habilidade advém do fato de que ele pode sofrer hibridização dos seus orbitais. Mas, o que significa hibridização?

Para entender isso, inicialmente consideremos a distribuição dos elétrons em termos dos orbitais do átomo de carbono no seu estado fundamental. Ele seria distribuído de acordo com a representação esquemática da Figura 1, onde as letras s e p estão relacionadas ao momento angular dos elétrons e as setas representam o spin dos elétrons.


Figura 1: Distribuição dos elétrons do carbono no estado fundamental. As letras s e p estão associadas ao momento angular do elétron, enquanto as setas representam spin positivo (seta para cima) ou spin negativo (seta para baixo).

Da Mecânica Quântica se sabe que em cada orbital, ou seja, que em cada estado físico caracterizado por um determinado valor de energia e um determinado valor de momento angular orbital, podem estar presentes dois elétrons, cada um com um determinado spin [1]. Quando os níveis energéticos estão próximos, eventualmente, eles podem ser combinados para formar orbitais híbridos. Na hibridização sp, um orbital s se combina com um orbital px, enquanto que no orbital sp2 um orbital s se combina com um orbital px e com um orbital py. Finalmente, na hibridização sp3 um orbital s se combina com um orbital px, com um orbital py e com um orbital pz. Tecnicamente, neste último caso em particular, cada novo orbital hibridizado é uma combinação linear das funções de onda dos diversos orbitais s e p. Numa representação esquemática a hibridização sp3 pode ser apresentada pelo desenho da Figura 2.



Figura 2: Distribuição dos elétrons do carbono hibridizado sp3. A energia dos elétrons assume um valor intermediário entre os níveis 2s e o 2p. 

Por causa do efeito da hibridização, o carbono pode formar ligações químicas com até quatro outros elementos químicas. Consideremos, por exemplo, o gás metano CH4; neste caso o carbono forma quatro ligações simples com quatro diferentes átomos de hidrogênio. No diamante o carbono também está ligado a quatro outros átomos de carbono através de ligações simples do tipo sp3 (Figura 3). Outras estruturas de carbono menos conhecidas são os chamados fulerenos, que foram descobertos em 1985 por Kroto e outros. O membro mais conhecido da família dos fulerenos é o C60, uma estrutura que possui 60 átomos de carbono com hibridização do tipo sp2 localizados nos vértices de 20 hexágonos e 12 pentágonos, formando uma figura geométrica conhecida como icosaedro, semelhante a uma bola de futebol. Outra forma alotrópica do carbono é o nanotubo, que pode ser visto como uma camada de carbono enrolada sobre si mesma, formando um cilindro cujo diâmetro geralmente está entre 0,5 e 2,5 nanômetros.


Figura 3: Estrutura do diamante, mostrando que cada átomo de carbono se liga a outros quatro átomos de carbono.

Esta capacidade do carbono se ligar com ligações simples, duplas e triplas com átomos de hidrogênio, além de átomos de oxigênio, nitrogênio e enxofre, entre outros, formando substâncias de longas cadeias faz com que o número de substâncias formadas apenas pelo carbono - incluindo-se aí as complexas moléculas envolvidas no metabolismo da vida - seja incrivelmente grande. Estima-se que existam cerca de um milhão destas substâncias, e o seu estudo compõe o campo da química orgânica [2].

Vamos tentar entender o significado dos quadrados no desenho da Figura 2. Existe um princípio físico denominado de "princípio de exclusão de Pauli" que afirma que para cada estado de energia permitido a um elétron, só é possível estarem presentes apenas dois elétrons, um com spin positivo e outro com spin negativo. Como consequência, como existem quatro orbitais com um único elétron cada um, quatro outros elétrons da 'camada' externa de outros átomos podem se unir a estes orbitais formando quatro ligações químicas. É esta razão pela qual cada carbono do metano faz ligação com quatro átomos de hidrogênio e no diamante cada carbono se liga a quatro outros átomos de carbono.

Uma maneira de descobrir como são as ligações químicas formadas pelo carbono (na verdade, formadas por quase todos os elementos químicos) é utilizar algum método espectroscópico. Uma técnica bastante utilizada atualmente em laboratórios é a chamada espectroscopia Raman. Nesta técnica, a luz de um laser é espalhada pelo material que está sendo investigado e, a seguir, analisada em um espectrômetro [3]. Dependendo do tipo de ligação os espectros apresentarão bandas em diferentes regiões espectrais. Por exemplo, se o material é grafite, aparecerá uma banda em 1580 cm−1 [4]; se for diamante, aparecerá no espectro Raman uma banda em 1322 cm−1. Se o material apresentar desordem a interpretação do espectro Raman relacionado pode ser bem mais complicada, mas sempre é possível chegar a um bom entendimento do sistema [5].

As diferentes formas de carbono podem ser modificadas, eventualmente, pela aplicação de temperatura e pressão. O caso mais conhecido é o do grafite que sob condições simultâneas de altas temperaturas e altas pressões se transforma em diamante. Já sob temperatura ambiente observou-se que em cerca de 17 GPa (aproximadamente 170 vezes a pressão reinante no fundo do oceano) metade das ligações π entre as camadas de grafite é convertida em ligações σ [6]. Outras medidas mostram que em torno de 10 GPa começam a se formar ligações do tipo sp3 [7] e que, partindo-se de monocristais de grafite, medidas óticas segerem a formação de uma fase transparente em 18 GPa [8]. Teoricamente, outras transformações mais exóticas também podem ocorrer. Por exemplo, cálculos teóricos sugerem que duas camadas de grafeno (que se constitui numa única camada do grafite) poderiam se transformar sob pressão em um diamante hidroxilado bidimensional - um diamandol - se uma das camadas fosse coberta com grupos hidroxílicos [9]. Outras possibilidades também podem ser encontradas.


Referências e notas:
[1] No começo do desenvolvimento da teoria quântica, ficou claro que o elétron possuía uma propriedade importante denominada de spin. A descrição matemática desta grandeza física é relativamente complicada, mas a sua visualização pode ser inferida por experimentos simples. Consideremos um feixe de elétrons, ou um feixe de átomos que possui spin diferente de zero. Este feixe é emitido por um canhão de elétrons e, à princípio, ele se movimentará em linha reta. Entretanto, se os elétrons que foram emitidos penetrarem uma região do espaço onde se encontra um campo magnético não uniforme, os elétrons serão defletidos para um lado ou para o outro num plano perpendicular ao campo magnético (como o elétron também possui um momento magnético, massociado, o campo não-uniforme implicaria numa distribuição espacial contínua para os elétrons do feixe). Como o momento magnético do elétron é proporcional ao valor do spin,  m  ~ s, o campo magnético exerce uma influência sobre o elétron através do seu momento magnético que, em última análise, está relacionado ao seu spin. O fato dos elétrons poderem ser separados em dois feixes indica que, para eles, existem dois tipos de spin, um positivo e um negativo. Na linguagem que os físicos gostam de usar:
      s = + ħ/2 ou s = - ħ/2,
onde ħ (= h/ 2π) é uma unidade básica para descrever o spin, ou qualquer grandeza que represente momento angular. h é a chamada constante de Planck e vale 6,62 x 10−34 J.s.
[2] Química Orgânica.N.I. Allinger, M.P. Cava, D.C. de Jongh, C.R. Johnson, N.A. Lebel, C.L. Stevens, Ed. LTC.
[3] Um espectrômetro, fundamentalmente, separa a luz em diversos comprimentos de onda, cada comprimento de onda associado a uma cor. Depois que essa luz é separada ela é detectada através de um sistema - fotomultiplicadora ou sistema CCD - que é sensível aos vários comprimentos de onda, nos casos mais comuns, abrangendo a região do infravermelho ao ultravioleta, passando pela luz visível.
[4]  A unidade cm−1 é a mais utilizada pelos espectroscopistas. A grosso modo, essa unidade corresponde ao inverso do comprimento de onda, ou seja, 1/\lambda .
[5] Raman of disordered amorphous and diamondlike carbon, A.C. Ferrari, J. Robertson, Physical Review B 64, 075414 (2001).
[6] Bonding changes in compressed superhard graphite. W.L. Mao et al. Science 302, 425 (2003).
[7] Graphite under pressure: equation of state and first-order Raman modes. M. Hanfland, H. Beister, K. Syassen. Physical Review B 39, 12598 (1989).
[8] Light-transparent phase formed by room-temperature compression of graphite. W. Utsumi, T. Yagi. Science 252, 1542 (1991).
[9] Room-temperature compression-induced diamondization of few-layer graphene. A.P.M Barboza et al. Advanced Materials 23, 3014 (2011).


quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Plutão e o New Horizons

Plutão forma com o seu satélite Caronte (Charon, em inglês) um sistema binário de planetas, haja vista as suas dimensões semelhantes. Recentemente descobriu-se que ele é o maior objeto planetário entre aqueles existentes no chamado Cinturão de Kuiper, uma região localizada além de Netuno, contendo dezenas ou centenas de pequenos planetas.

Em 14 de julho de 2015, portanto há pouco mais de quatro meses, o satélite estadunidense New Horizons (que fora lançado em 19 de janeiro de 2006) chegou à sua posição mais próxima de Plutão, mais exatamente a 13691 km do seu centro. Aqui apresentamos alguns resultados, tais como foram apresentados no primeiro trabalho científico publicado com parte dos dados obtidos pela New Horizons e respectivas interpretações [1].

Próximo ao ponto de máxima aproximação de Plutão, a New Horizons coletou mais de 50 gigabits de informação acerca do planeta. Estas informações foram obtidas através de uma série de instrumentos: (i) espectrômetro infravermelho para mapeamento da superfície; (ii) equipamento para imagens no visível (LORRI); (iii) espectrógrafo para mapeamento no ultravioleta; (iv) detector de vento solar (SWAP); (v) equipamento Radio Science experiment (REX), que através de uma técnica particular analisará a atmosfera de Plutão e procurará uma em Charon; (vi) detector de partículas carregadas de alta energia (PEPSSI) e (vii) detector de impacto de poeira (ver Figura 1 e Ref. [2]).  


Figura 1: Desenho esquemático da sonda New Horizons mostrando os vários equipamentos acoplados [http://pluto.jhuapl.edu/Mission/Spacecraft/Payload.php].

As medidas realizadas pela sonda mostraram que Plutão possui um raio médio de 1187 km (com uma imprecisão de mais ou menos 4 km), valor este que se encontra no intervalo de estimativa realizada quando da observação da ocultação de uma estrela pelo planeta há pouco mais de dois anos, que sugeriu um raio entre 1150 e 1200 km [3].

O conjunto de informações, até o momento, evidenciam uma grande variedade de formas na superfície do planeta, albedo, cor e composição do solo. Há evidência de mudanças recentes na superfície do planeta, vistas na escala geológica. Na região entre 28 graus sul e 10 graus norte é observado um terreno de baixo albedo, intercalado com regiões mais brilhantes. Terrenos mais reflectivos ocorrem de uma maneira geral em latitudes médias e altas. Próximo ao equador no hemisfério anti-Caronte, encontra-se uma região com alto albedo denominada informalmente pelos membros da equipe coordenadora do New Horizons como Tombaugh Regio (TR) ou Região de Tombaugh (região que apresenta um aspecto parecido com um coração). TR mede cerca de 1500 km na direção norte-sul e 1800 km na direção leste-oeste. À oeste de TR existe uma região com terreno escuro, denominada de Cthulhu Regio, que é densamente povoada por crateras. A metade oeste de TR foi denominada pelos autores da Ref. [1] de Sputnik Planum, que tem entre suas características (i) montanhas de 2 a 3 km de altura e (ii) ausência de crateras. É interessante também destacar que as imagens das montanhas detectadas pelo New Horizons sugerem a presença de uma base sólida de gelo de água, acima da qual são observados gelos de nitrogênio (N2), monóxido de carbono (CO) e metano (CH4).


Figura 2: Mapa compósito de Plutão, segundo dados de diversos equipamentos da sonda New Horizons. Observe-se em particular a grande região Tombaugh Regio e à oeste desta, a Cthulhu Regio (desenho retirado da referência [1]).


Outro dado interessante é que o fator de radiância, definido como o fluxo de radiação incidente (I) sobre o fluxo de radiação refletida (R), ou I/R, varia de 0,1 nas regiões equatoriais escuras até 0,7 na TR e próximo ao polo norte. De acordo com os autores da Ref. [1], com exceção do satélite Iapetus, esta é a maior variação do fator de radiância num objeto planetário do sistema solar.

Utilizando-se três diferentes filtros de bandas largas (400 - 500 nm, 540 - 700 nm, 780 - 975 nm), observou-se que a região de Tombaugh pode ser dividida em duas regiões distintas quanto à coloração. A metade leste é mais acidentada e aparentemente mais fina; com  os filtros parece ser menos vermelho. Os autores da Ref. [1] especulam que o material que compõe a superfície desta região pode ser originado da Sputinik Planum (ver Figura 2) através de algum mecanismo de transporte. Por seu turno, as regiões equatoriais escuras, como a Cthylhy Regis e a Krum macula são particularmente vermelhas em comprimentos de onda visível.

Também é interessante destacar que uma região mais ao norte torna-se notavelmente brilhante quando o Sol encontra-se bem acima do horizonte, sugerindo uma sublimação de gelo volátil. Lembremos que a temperatura média da superfície de Plutão é de 38 K (ou - 235 graus centígrados), o que significa que uma certa variação de temperatura pode sublinhar algumas substâncias mais voláteis, mas certamente outras, como a água, estarão sempre no estado sólido [4].

Para entender as cores na superfície de Plutão também deve-se levar em consideração a possibilidade da existência de um resíduo orgânico denominado tolina. Tal classe de substância, que inicialmente foi especulada existir em Titã, é formada pela irradiação de partículas carregadas ou radiação ultravioleta numa mistura de nitrogênio e metano nos estados gasoso ou sólido. Assim, quando a radiação bombardeia a atmosfera e superfície de Plutão ricos em N2 e CH4, produz tolina, que por sua vez produz cores que vão do amarelo ao vermelho escuro. Essa hipótese ainda precisará de mais evidência para ser confirmada.

No que diz respeito a atmosfera de Plutão, os resultados preliminares apontam que ela produz uma pressão de apenas 0,00001 bar. Este valor é menor do que o estimado previamente, podendo haver justificativas para esta discrepância. Medidas realizadas com radiação UV indicam absorção por N2 iniciando a aproximadamente 1670 km de altitude, de CH4 iniciando a partir de 960 km, hidrocarbonetos abaixo de 420 km e uma bruma atmosférica estendendo-se até cerca de 150 km. Além disso, medidas com UV distante mostraram a presença das espécies C2H2 e C2H4.

Caronte e satélites

O planeta irmão de Plutão, Caronte, possui um raio de 606 km (± 3 km). As medidas que chegaram até o momento à Terra, cobrem o hemisfério norte do planeta, sendo que as únicas duas imagens com melhor resolução (aproximadamente 400 m/pixel) mostram uma geologia composta por numerosos pontos brilhantes e escuros. De fato, Caronte é caracterizado por uma grande quantidade de crateras em sua superfície, possuindo exemplares raiados mais claros e crateras mais escuras oriundas, aparentemente, de ejeção de materiais. Esta variação de albedo pode indicar uma superfície com diversas composições. A nave New Horizons também captou imagens de algumas fraturas que se estendem na direção norte-sul, as maiores das quais foram batizadas provisoriamente por Macross e Serenity Chasma, que possuem extensões de no mínimo 1050 km. Esta última fratura, em particular, possui 60 km em sua maior largura, e uns poucos quilômetros de profundidade, podendo atingir até 5 km.

Para Caronte, o fator I/F varia entre 0,2 e 0,5, ou seja, mais limitado do que o de Plutão. A região em torno do polo norte é avermelhada, sendo que a hipótese aventada pelos autores da Ref. [1] é de que isso se deve a um armadilhamento sazonal de substâncias voláteis. Após este aprisionamento, pode ocorrer irradiação devido a transições eletrônicas em substâncias químicas complexas como a tolina. No que diz respeito a atmosfera, os dados recebidos da New Horizons até o momento são consistentes com a sua ausência ou com uma densidade extremamente baixa.

Além de Caronte, Plutão possui quatro satélites: Nix, Hydra, Styx e Kerberos. Embora a New Horizons tenha feito medidas em todos eles, os dados sobre os dois últimos ainda não chegaram à Terra. Além disso, os dados indicam que Nix possui o aspecto de um elipsóide triaxial com dimensões de 54 x 41 x 36 km. Com luz visível, estimou-se que o albedo varia de 0,43 a 0,50, o que sugere que a superfície de Nix seja recoberta por gelo de água mais claro do que o de Caronte. Por seu turno, Hydra - com dimensão ligeiramente menor que Nix - possui um albedo médio de 0,51, indicando também uma superfície composta de gelo de água. Segundo a Ref. [1] é um quebra-cabeças saber como as superfícies de Nix e Hydra se mantêm brilhante por bilhões de anos.


Referências e notas:
[1] S.A. Stern et al., The Pluto system: Initial results from its exploration by New Horizons, Science 350, 292 (2015).
[2] Uma descrição bem precisa de todos os equipamentos existentes na New Horizons pode ser obtida no sítio http://pluto.jhuapl.edu/Mission/Spacecraft/Payload.php, da Johns Hopkins University, pesquisado em 26/11/2015. 
[3] M. Person et al., The June 23 stellar occultation by Pluto: Airborne and ground observation. Astron. J. 146, 83 (2013).
[4] A água possui um complexo diagrama de fase. Dependendo das condições de temperatura e pressão, os cristais de gelo podem aparecer com diferentes simetrias.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Simetria 1. Neutrinos e Flores

Nesta semana foi divulgado o nome dos ganhadores do prêmio Nobel de Física de 2015. Saiu para os pesquisadores Takaaki Kajida e Arthur McDonald que descobriram que os neutrinos emitidos pelo Sol mudam de forma no caminho entre a estrela e a Terra. Existem três tipos de neutrinos, cujas formas (ou classes) podem oscilar de uma para as outras. Embora esse tema específico seja discutido em outra postagem, o aspecto relevante destas palavras iniciais é o fato de que existem três diferentes tipos de neutrinos e que, simetricamente, existem mais três tipos de partículas que possuem spin, que é uma propriedade física particular relacionada ao momento angular, com valores bem semelhantes.

Na verdade, no que é conhecido como modelo padrão das partículas elementares, existem 12 partículas com spin semi-inteiro - os férmions (que por sua vez estão divididos em quarks e leptons) - e várias partículas de spin inteiro, os bósons. Acredita-se também que para cada férmion exista uma antipartícula. Na Figura 1 estão representados os férmions, que aparecem nas três primeiras colunas, e os bósons, que representam partículas de interação [no que diz respeito aos bósons, existem outros que não estão representados]. 


Figura 1: Partículas elementares dentro do modelo padrão [1]. 

Um detalhe que se destaca na Figura 1 é o fato de que para cada lépton de carga -1, o elétron, o muon e o tau, existe um neutrino correspondente. Na verdade, os três tipos de neutrinos são denominados de neutrino do elétron, neutrino do muon e neutrino do tau pelo fato de aparecerem em reações nas quais aquelas partículas estão presentes. O caso mais conhecido é o neutrino do elétron que surge quando um nêutron decai num próton, num elétron e num neutrino do elétron: n \rightarrow p + e^- + \bar{\nu_e}. Os quarks também aparecem em duplas: up e down, charm e strange, top e bottom. Tais aspectos podem ser explicados, dentro de certos limites, mas o mais importante é se perceber a presença marcante da simetria ao nível mais elementar da natureza [2].

Quando determinados quarks se unem em grupos de três, formam prótons e nêutrons. Quando estas duas últimas partículas juntam-se aos elétrons, formam todos os átomos existente no universo. É importante informar que a matéria ao nível atômico possui uma simetria relacionada ao fato da carga do elétron estar distribuída em torno do núcleo do átomo (onde estão os prótons e os nêutrons) [3]. Adicionalmente, quando vários átomos se juntam para formar moléculas e íons, novas simetrias surgem nestes arranjos, propiciando enxergarmos belíssimas estruturas, além de permitir aos homens a criação de descrições matemáticas relativamente simples por conta exatamente destas simetrias.

No nível macroscópico também é possível observar-se claramente a existência de simetrias. Estas simetrias estão presentes em vegetais, animais e em sistemas inanimados como cristais e minerais diversos. Entre os vegetais, as flores devem ser aquelas que mais despertam a atenção nos aspectos relacionados à simetria. Por exemplo, na Figura 2 apresenta-se a fotografia de uma Arenaria montana, encontrada, por exemplo, no norte de Portugal. Esta flor, como várias outras, é caracterizada pelo fato de ter uma simetria de rotação de ordem 5. Os espectroscopistas diriam que ela possui um eixo Cenquanto que os cristalógrafos diriam que ela possui um eixo 5. Isso significa que se a flor for girada de 72 graus em torno de um eixo imaginário que passa pelo seu centro, as pétalas ocuparão posições equivalentes. Na Figura 3 é apresentada uma flor de Plumeria rubra, conhecida em várias localidades do Brasil como jasmim manga. Assim como a Arenaria montana, o jasmim manga possui uma simetria de rotação 5.

Arenaria montana montana | Miguel Porto; CC BY-NC 4.0

Figura 2: Exemplo de uma flor onde aparece uma simetria denominada (pelos cristalógrafos) de 5. Curiosamente, este tipo de simetria não é permitido para os cristais.



Figura 3: Flor de Plumeria rubra, ou jasmim manga, que apresenta simetria 5. 

É interessante destacar que a natureza consegue um grau de sofisticação adicional produzindo flores com simetria 5, mas que para uma visão apressada poderia imaginar uma simetria 10. É o caso, por exemplo, da Stellaria holostea, que pode ser encontrada, entre outros locais, em Portugal, e é mostrada na Figura 4. 

Stellaria holostea | Paulo Ventura Araújo; CC BY-NC 4.0

Figura 4: Flor da Stellaria holostea onde é apresentada uma simetria 5, apesar de aparentemente existirem dez pétalas. 

Na Figura 5 é mostrada uma flor comum no Brasil, a Sisyrinchium micrantum, conhecida como cebolinha, que possui como característica a ocorrência de um eixo de simetria 6. Ou seja, sucessivas rotações de 60 graus em torno do eixo da flor produzem estruturas equivalentes à original.  


Figura 5: Flor da Sisyrinchium micrantum, popularmente conhecida como cebolinha, e sua bela simetria de rotação 6.


Referências:

[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Modelo_Padrão
[2] A simetria desempenha um papel muito mais forte ao nível subatômico do que podemos descrever nesta postagem. A teoria da eletrodinâmica quântica, por exemplo, prevê a existência de entidades chamadas condensados (chiral symmetry-breaking condensates), sendo o exemplo mais conhecido o par quark - anti-quark. Referido par se forma porque o espaço vazio é instável; na verdade, o vácuo é um ambiente explosivo, estando na iminência de explodir num par quark - anti-quark. Em outras palavras, a partir do nada pode surgir um quark, um anti-quark e uma certa quantidade de energia. Os leitores que ficaram interessados no tema podem procurar o belo livro de divulgação do Prof. Frank Wilczek, intitulado The lightness of being. Big questions, real answers.
[3] Há simetrias mais sutis relacionadas com os átomos e que pretendemos discutir mais adiante.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

O incrível Plutão

Plutão é o mais distante planeta do Sistema Solar em relação à Terra. Ele só foi descoberto em 1930 pelo astrônomo estadunidense Clyde Tombaugh. Durante décadas o planeta ficou cercado de mistério, uma vez que mesmo nos mais potentes telescópios instalados na Terra, o planeta aparece como um simples ponto luminoso.

Retrato oficial: área em forma de coração ganhou o nome de Tombaugh Regio
FOTOGRAFIA DE PLUTÃO A PARTIR DA NAVE NEW HORIZONS (NASA) OBTIDA EM 14/07/2015. A REGIÃO EM FORMA DE CORAÇÃO FOI DENOMINADA DE TOMBAUGH REGIO.

Plutão apresenta uma órbita bastante excêntrica, ou seja, é uma elipse bastante alongada, se comparada às órbitas dos outros planetas do Sistema Solar. Isso faz com que no perihélio - a distância mais perto do Sol - Plutão chegue a ficar 30 UA [1] da estrela, enquanto que no afélio - maior distância do Sol - este valor passe a ser de 49 UA. Além disso, enquanto as órbitas dos outros planetas encontram-se muito próximos de um plano, a eclíptica, Plutão se movimenta em sua órbita fazendo um ângulo de 17 graus em relação ao plano dos outros planetas. Estes aspectos da órbita de Plutão são deveras interessante, uma vez que por causa da grande excentricidade de sua órbita, em alguns momentos o planeta está mais próximo do Sol do que Netuno. À princípio poder-se-ia imaginar que em algum instante as duas órbitas se cruzassem e ocorresse um choque entre os dois planetas. Isso não acontece por várias razões. A primeira é que quando Plutão encontra-se no perihélio, a sua posição espacial está a cerca de 8 UA acima da órbita de Netuno. Os pontos onde a órbita de Plutão atravessa a eclíptica são separados pelos de Netuno por cerca de 21 graus. Entretanto, a beleza da sintonia das duas órbitas não para aí. Também é conhecido que aproximadamente a cada três órbitas realizadas por Netuno em torno do Sol, Plutão realiza duas revoluções. Embora o tempo desta chamada 'ressonância orbital' não seja exatamente 3:2, numa longa escala de milhões de anos verifica-se que a cada perihélio de Plutão ele encontra-se ou 50 graus a frente, ou 50 graus atrás de Netuno [2, 3]. Na verdade, há outros aspectos mais sutis e outras ressonâncias que garantem que os dois planetas realmente nunca se encontrem [4].

Plutão tem uma massa de 1,32×1022 kg. Isso significa que 7 satélites naturais [Ganimedes, Titã, Calisto, Io, Lua, Europa e Tritão] possuem massa maior do que o planeta Plutão. Tendo um diâmetro equatorial de cerca de 2370 km [5], Plutão possui uma densidade de aproximadamente 2000 kg/m3. Isso implica que a densidade do planeta anão é pouco menos da metade da densidade da Terra, embora seja maior do que a densidade dos planetas Júpiter, Saturno, Urano e Netuno.

Atmosfera:

Quando se fala em atmosfera de um planeta, imagina-se a existência de uma camada de gases englobando a esfera sólida. Orbitando em torno do Sol entre 4,4 and 5,9 bilhões de quilômetros, a temperatura reinante em Plutão é extremamente baixa. Como consequência, é difícil que existam substância no estado gasoso, embora certamente existam gases nestas condições como mostrou a nave New Horizons em julho de 2015. Entretanto, mesmo antes deste incrível feito tecnológico que foi a missão New Horizons, já se sabia da existência de uma atmosfera no maior planeta do cinturão de Kuiper. Este conhecimento foi adquirido graças a observação de duas ocultações de estrelas pelo planeta. Em 21 de agosto de 2002 através da ocultação da estrela P131.1 descobriu-se que o valor da pressão atmosférica no planeta havia aumentado por um fator de 2 desde o ano de 1988 (quando ocorrera um outro eclipse). A razão para o aumento da pressão, possivelmente, foi o aumento da temperatura da superfície do planeta, liberando nitrogênio para a atmosfera. Entretanto, a observação de 2002 não indicou nenhuma modificação na temperatura da parte mais alta da atmosfera. Além disso, a observação de 2002 também mostrou mais turbulência do que a observação realizada anteriormente, e que a extinção da luz da estrela ocultada é compatível com a ocorrência de pequenas partículas na atmosfera [6].

Imagem divulgada pela Nasa nesta sexta-feira (24) mostra a atmosfera de Plutão iluminada pela luz do Sol, que está atrás do planeta-anão. A imagem foi feita quando a sonda New Horizons estava a cerca de 2 milhões de km de Plutão  (Foto: Nasa/JHUAPL/SwRI via AP)
Fotografia de Plutão e sua atmosfera, captada pela nave New Horizons quando estava a apenas 2 milhões de quilômetros do planeta, e enviada à Terra em 24/07/2015 (NASA). 


Satélites naturais:

Acredita-se, no momento, que este planeta também possua cinco satélites naturais, denominados de Caronte, Nix, Hidra, Cérbero e Estige. Destaca-se que a massa de Caronte é grande o suficiente para que o centro de massa do sistema Plutão - Caronte encontre-se fora da superfície do planeta principal. Por essa razão, alguns astrônomos preferem denominar Plutão - Caronte de sistema binário de planetas. Num estudo realizado em 2005, que consistiu na observação da ocultação de uma estrela por diversos observatórios astronômicos em vários países, foi possível estimar o raio de Caronte como sendo de 602,4 km [7]. Com uma tal dimensão, Caronte teria uma densidade de cerca de 1700 kg/m3. É possível que a nave New Horizons, que em julho de 2015 se aproximou bastante do planeta, consiga obter estas dimensões com uma maior precisão e que também descubra outros satélites de Plutão.





A sonda New Horizon está mandando novas fotos de Plutão - e elas são incríveis (Foto: NASA)
FOTOGRAFIA DE PLUTÃO ENVIADA PELA NAVE NEW HORIZONS (NASA).




plutão (Foto: NASA)
FOTOGRAFIA DA SUPERFÍCIE DE PLUTÃO ENVIADA PELA NAVE NEW HORIZONS (NASA).

Notas e referências:
[1] UA significa unidade astronômica, que é a distância média da Terra ao Sol.
[2] Renu Malhotra (1997). http://nineplanets.org/plutodyn.html, visitado em 10/09/2015.
[3] De fato, o período orbital de Plutão é 248,09 anos, enquanto que o de Netuno é de 164,79 anos. Isso significa que dois períodos de Plutão perfazem 496,2 anos, enquanto que três períodos de Netuno perfazem 494,4 anos.
[4] X.-S. Wan, T.-Y. Huang, K.A. Innanen, The 1:1 superresonance in Pluto's motion. The Astronomical Journal 121, 1155 (2001). 
[5] Emily Dakdawalla. http://www.planetary.org/blogs/emily-lakdawalla/2015/07131311-pluto-first-science. html, visitado em 12/09/2015. É interessante notar - como destaca o blog de Lakdawalla - que até a chegada da nave New Horizons a Plutão, não se tinha certeza se este era ou não maior do que Éris, o outro planeta anão do chamado "Cinturão de Kuiper". Com a medição mais precisa de 1185 (± 10) km para o raio de Plutão, então fica estabelecido que este é maior do que Éris, que possui um raio de 1163 (± 6) km.
[6] J.M. Pasachoff et al. The structure of Pluto's atmosphere from the 2002 August 21 stellar occultation. The Astronomical Journal 129, 1718 (2005).
[7] B.Sicardy et al. Charon's size and an upper limit on its atmosphere from a stellar occultation. Nature (London) 439, 52 (2006).

sábado, 23 de maio de 2015

O Sol

O sistema solar é formado por uma estrela - o Sol - e alguns planetas, planetóides e cometas, sendo que 99,866% da massa está concentrada no primeiro. Por conta desse número e como consequência da atração gravitacional, todos os demais objetos do sistema giram em torno do Sol, que emite radiação em vários comprimentos de onda, mas principalmente na cor amarela da radiação visível.

Uma primeira questão que podemos estar interessados é o quão distante o Sol encontra-se da Terra. De uma forma geral, para se saber a distância de objetos localizados dentro da Via-Láctea pode-se utilizar o método da paralaxe. Quando o objeto está relativamente próximo, como um planeta, observa-se na posição aparente de duas posições diferentes na superfície da Terra, por exemplo, os pontos A e B na Figura 1.

Figura 1: Paralaxe de um planeta (fonte: http://www.if.ufrgs.br/oei/santiago/fis2005/textos/varcrds.htm)

A seguir utiliza-se uma relação trigonométrica simples; chamando o ângulo paralático de θ então, podemos escrever que tg θ = [(distância do planeta)/(metade da distância AB)]. Conhecendo-se a dimensão do raio da Terra e o ângulo paralático, a distância do planeta fica automaticamente determinada. Com esse método se pode medir a distância ao planeta Vênus, por exemplo, e usando a terceira lei de Kepler se determinar sua distância ao Sol. Métodos mais modernos utilizam o tempo no qual um sinal é enviado a um planeta e o seu eco chega até o nosso planeta. As medidas feitas ultimamente mostram que a distância média do Sol até a Terra, denominada de unidade astronômica (UA), equivale a 1,496.108 km.

Com o conhecimento da distância da Terra ao Sol é possível determinar quanto vale a massa solar. Para isso utiliza-se novamente a terceira lei de Kepler e a lei da gravitação universal. A força exercida pelo Sol pela Terra é dada por F = GMm/r2, onde G é a constante gravitacional, M é a massa do Sol, m é a massa da Terra e r é a distância da Terra ao Sol. Essa força, por seu turno, é a força centrípeta sentida pela Terra, F = mw2r, onde w é a velocidade angular, que pode ser escrita como w=2π/T, onde T é o período de revolução. Assim, [GMm/r2] = m(4π2/T2)r. Logo, T= [4π2/GM]r3. Desta última relação a única incógnita é a massa do Sol, uma vez que o período de revolução é conhecido com grande precisão e a distância entre a Terra e o Sol já foi determinada. Assim, podemos afirmar que M = 1,989.1030 kg. 

O tamanho angular do Sol é, em média, de 32' [32 minutos de arco] (média porque a distância da Terra ao Sol não é constante e, portanto, o tamanho aparente do Sol muda durante o ano). Conhecendo-se, então, o tamanho angular e a distância da Terra ao Sol pode-se calcular o raio (R) deste último. Os cálculos mostram que R = 696.000 km. Se considerarmos que o raio da Terra é cerca de 6.370 km, podemos entender que a estrela do nosso sistema planetário possui uma dimensão realmente grandiosa.

Ato contínuo, conhecendo-se a massa do Sol e o seu raio, pode-se calcular a densidade média da estrela. Lembramos que a densidade é definida como a massa dividida pelo volume, que no caso do Sol, por ser uma esfera, vale 4πR3/3. Assim, substituindo os valores mostrados anteriormente obtém-se que a densidade média do Sol é de 1409 kg/m3. Esta é uma densidade realmente bem pequena! Para se ter uma ideia, a densidade da água é de 1000 kg/m3, enquanto que a densidade média da Terra é de cerca de 5515 kg/m3. Isso indica que o Sol não deve ser composto por elementos químicos muito pesados.

O Sol emite radiação em vários comprimentos de onda, incluindo raios gama, radiação ultravioleta, luz visível, radiação infravermelha e ondas de rádio. A maior parte da radiação que atinge a superfície da Terra é composta por luz visível, radiação infravermelho e ondas de rádio. Isso significa que as radiações mais energéticas compostas pelos raios gama e ultravioleta são barrados pela atmosfera. Este fato é o que permite a existência da vida, tal como a conhecemos, no nosso planeta. Medidas realizadas acima da atmosfera da Terra mostra que o fluxo de energia solar que atinge o planeta quando o mesmo encontra-se a 1 UA é de 1,367 W/m2. Novamente, conhecendo-se a distância da Terra ao Sol e calculando-se a energia liberada pela estrela em torno dela em todas as direções, chega-se que a potência do Sol [energia liberada por unidade de tempo] é de cerca de 3,845.1023 kW [2]. 

Uma pergunta interessante que podemos fazer a seguir é qual é a temperatura do Sol. A resposta a esta pergunta pode não ser trivial uma vez que a estrela central do nosso sistema planetário possui uma estrutura bastante complexa, tendo, portanto, diversas temperaturas associadas a suas diversas camadas. No que diz respeito à superfície visível da estrela, entretanto, sabe-se que a temperatura é de aproximadamente 5770 K.   

De fato, os astrônomos acreditam que o Sol possui uma estrutura interna, além da atmosfera. Na parte mais interior, correspondendo a (3/10)R, 30% da dimensão do raio da estrela, está o núcleo. No núcleo, onde a temperatura pode atingir até 15.000.000 K, é onde se acredita que ocorrem as reações termonucleares de fusão. Ali, as temperaturas e pressões são tais que é possível a fusão de núcleos de hidrogênio formando átomos de hélio, além de ser produzida uma grande quantidade de energia. Ao redor do núcleo, com uma dimensão de (4/10)R está a camada radiativa e finalmente, encobrindo esta camada, com (3/10)R, está a zona convectiva. A existência desta estrutura interna é inferida a partir de observações da atmosfera do Sol e de modelos matemáticos que levam em consideração a dimensão e a massa da estrela, além dos elementos químicos que a compõem.


Além da zona convectiva encontra-se uma finíssima camada, que é a atmosfera, constituída pela (i) fotosfera (que é a região amarela que enxergamos do nosso planeta, possuindo cerca de 330 km de espessura e uma temperatura de 5500 K) e pela (ii) cromosfera (que é uma região localizada sobre a fotosfera, de cor avermelhada e possuindo uma temperatura típica de 15.000 K). Finalmente, além da cromosfera encontra-se a coroa, que se estende por cerca de 2 a 4 raios solares.

A fotosfera, na verdade, apresenta uma granulação, grânulos esses que possuem cerca de 1500 km de diâmetro e são visíveis durante cerca de 10 minutos. Os astrônomos acreditam que eles sejam a parte superior de colunas convectivas de gás quente oriundos da zona convectiva. As regiões escuras entre os grânulos seriam os locais onde o gás mais frio retornaria à zona convectiva. É interessante notar que além dos grânulos a atmosfera do Sol também apresenta regiões escuras, conhecidas como manchas solares. Elas aparecem em grupos e estão relacionadas com campos magnéticos existentes na fotosfera. A quantidade de manchas solares não é constante, varia entre máximos e mínimos num período de cerca de 11 anos.

A cromosfera normalmente é invisível, podendo ser observada durante os eclipses solares. A principal linha de emissão (a cor da luz emitida) da cromosfera possui um comprimento de onda de 656,3 nm, que é exatamente na cor vermelha. Por sua vez, a coroa solar é formada a partir da parte superior da cromosfera. Ela é constituída principalmente por átomos de ferro, níquel, cálcio e neônio altamente ionizados. Consequentemente, a sua temperatura em algumas regiões deve atingir até 1 milhão de Kelvin, que é a temperatura necessária para haver a ionização dos referidos átomos. O processo físico que justifica a existência de uma tão alta temperatura não é bem conhecido - principalmente pelo fato desta temperatura ser bem superior à existente na fotosfera - embora existam alguns hipóteses mais ou menos aceitas no meio científico.


Referências e leituras adicionais sugeridas:

[1] K.S. Oliveira Filho, M.F.O. Saraiva, Astronomia e Astrofísica, Departamento de Astronomia - Instituto de Física, UFRGS: Porto Alegre (2003).
[2] O.T. Matsuura, E. Picazzio, O Sol, in Astronomia: Uma visão geral do Universo. A.C.S. Friaça, E.D. Pino, L. Sodré Jr., V. Jatenco-Pereira (Orgs.), 2a. edição, Editora da Universidade de São Paulo: São Paulo (2006).
[3] K.D. Abhyankar, Astrophysics: Stars and Galaxies, Universities Press (India), 2001.





sábado, 11 de abril de 2015

O movimento dos planetas

A Terra realiza um complexo movimento no espaço. Ela gira em torno do Sol a cerca de 30 km/s, o Sol se movimenta em direção ao centro da Via Láctea - a galáxia na qual ele se encontra - com a velocidade de 250 km/s e a nossa galáxia viaja em direção à galáxia de Andrômedra, numa posição geral na constelação de Virgo a cerca de 100 km/s [1]. Além disso, a Terra gira em torno do seu próprio eixo a cada 24 horas e sofre um movimento de nutação por causa da atração gravitacional da Lua, entre outros. 

Assim como a Terra, os outros planetas do Sistema Solar também possuem um complexo movimento no espaço. O principal movimento destes planetas, para um observador na Terra, é o movimento de translação em torno do Sol, já que o movimento da estrela em torno da galáxia, e desta na direção de Virgo, também é realizado pelo nosso planeta.

A compreensão de que os planetas se movimentam em torno do Sol exigiu um grande esforço de diversas gerações de estudiosos, até que finalmente se entendesse o que acreditamos ser o fenômeno correto. Isto porque, realmente, é um problema complicado; os planetas Mercúrio e Vênus só podem ser vistos até uma certa altura acima do horizonte (28 graus para Mercúrio e 47 graus para Vênus) enquanto que Marte, Júpiter e Saturno em algumas épocas realizam um movimento no céu semelhante a um laço em relação às estrelas fixas (ver Figura 1).


Figura 1: Laço formado pelo movimento do planeta Marte (Fonte: Instituto Astronômico e Geofísico da USP).

Para a maioria dos povos antigos, a Terra encontrava-se parada, enquanto que os planetas, a Lua, o Sol e as estrelas giravam em torno dela. Do ponto de vista de um referencial colocado sobre um determinado local do planeta, usando uma linguagem mais moderna, os antigos estavam corretos: todos os astros giram em torno da Terra. Entretanto, esta descrição não ajuda a se descrever leis da natureza mais fundamentais, como a lei da gravitação universal de Newton.

Ainda sobre a questão da imobilidade da Terra, de fato, não há evidências claras de que ela realize algum movimento. Por exemplo, se um objeto fosse jogado para cima, poder-se-ia imaginar, à princípio, que ele deveria cair mais para oeste, ou então, que todas as nuvens deveriam se deslocar na mesma direção a uma grande velocidade. Entretanto, todos os objetos caem em linha reta para baixo, ou em direção ao centro do planeta, se admitimos que o mesmo é esférico. O filósofo grego Aristóteles afirmou em sua obra "Sobre os céus" que existiam três tipos de movimento: (i) o realizado por objeto pesados, que iam em direção ao centro do Universo: (ii) o realizado por objetos leves, como o ar e o fogo, que se afastavam do centro: (iii) o realizado pelos astros, que consistia em movimentos em torno do centro.

Voltemos à questão do movimento dos planetas. Os astrônomos antigos observaram que as estrelas moviam-se uniformemente em círculos, enquanto o movimento do Sol não era uniforme, mas era num círculo. Por outro lado, Marte e Júpiter deslocavam-se um pouco em relação às estrelas a cada noite que passava. O movimento geralmente é para o leste, mas eventualmente, ele se dá para oeste e depois, novamente para leste. Se a posição do planeta for desenhada ao fundo das estrelas, ele parecerá ser um laço, como já mostrado pela Figura 1. Além disso a velocidade do movimento não é uniforme, ou seja, às vezes o planeta acelera e às vezes ele desacelera. Tais fatos eram muito intrigantes e o trabalho dos astrônomos antigos era prever a posição dos planetas e tentar explicar estes movimentos irregulares através de um modelo matemático consistente. Seria possível, por exemplo, explicar o movimento dos planetas por composição de movimentos circulares uniformes?

É possível que a primeira pessoa a expor a ideia de que o movimento complexo dos planetas pudesse ser composto por um conjunto de movimentos circulares uniformes tenha sido Platão [2]. Embora provavelmente Platão tenha sido conduzido a esta ideia por razões estéticas e filosóficas, o fato é que qualquer movimento periódico, hoje se sabe, pode ser decomposto por um determinado número de movimentos circulares uniformes. O aparecimento desta ideia teve um importante papel na construção de um modelo matemático para descrever o movimento dos planetas.

Um dos primeiros modelos foi criado por Eudoxo de Cnidos. Segundo ele, cada planeta encontrava-se sobre a superfície de uma esfera que estaria centrada na Terra e giraria com velocidade constante. Claro, apenas uma esfera com velocidade constante não daria conta do complexo movimento planetário. Assim, a primeira esfera estaria presa por seus polos a uma outra esfera inclinada, que se movimentaria com uma velocidade angular diferente, mas constante. Esta segunda esfera poderia estar presa aos seus polos a um terceira esfera e esta a uma quarta, etc. Eudoxo necessitou de três esferas para descrever o movimento do Sol e da Lua e quatro esferas para cada um dos planetas. Segundo nota da Ref. [2] este sistema deu ótimos resultados para Mercúrio, Júpiter e Saturno, bons resultados para a Lua, médios para o Sol e Vênus e péssimos para Marte.

Um modelo matemático para ser aceito e utilizado por outras pessoas deve no mínimo reproduzir os fenômenos conhecidos com uma certa precisão (na verdade, há outros requisitos que falaremos mais adiante). O modelo de Eudoxo, mesmo com os aperfeiçoamentos posteriores, não descrevia bem o movimento de todos os planetas, além de não ser muito prático. Por conta disso, outros modelos apareceram e se impuseram entre os cientistas antigos.

Uma generalização do modelo de Eudoxo envolvia os conceitos de deferente e epiciclo. O deferente seria a esfera principal que contém o planeta. O centro do deferente coincidiria com o centro da Terra. Centrado nos deferentes estariam os epiciclos, estes sim, que conteriam os planetas. Na Figura 2, a circunferência maior representa o deferente, centrado em T (a Terra), enquanto que o epiciclo está representado pela circunferência menor, centrada no deferente, e que contém o planeta P. Eventualmente, para explicar movimentos mais complicados de determinado planeta, eram necessários epiciclos adicionais que estavam centrados em outros epiciclos. Neste modelo também estava embutida a hipótese de que o deferente e o(s) epiciclo(s) se movimentavam com velocidade constante.

Figura 2: Deferente (circunferência maior) e epiciclo (circunferência menor).


O modelo matemático que descreve o movimento dos planetas que mais tempo durou (cerca de 1300 anos) foi o descrito pelo matemático grego Claudio Ptolomeu no "Almagesto", palavra originária do árabe para significar, "O Maior" [3]. A obra consiste de 13 livros que, além de descrever em detalhes o sistema geocêntrico, também fornece os rudimentos da trigonometria esférica, descreve o movimento da Lua e a duração dos meses, o astrolábio, descreve os eclipses do Sol e da Lua, fornecendo uma tabela destes acontecimentos, fornece ainda uma tabela de conjunções e aposições dos planetas e um catálogo de 1022 estrelas. Segundo o Prof. Roberto de Andrade Martins [2]: "Quem nunca sequer folheou o Almagesto de Ptolomeu dificilmente poderá imaginar o esforço titânico que encerra. Enorme número de dados cuidadosamente selecionados; um rigoroso tratamento matemático (com o uso de trigonometria esférica); uma genial intuição para vislumbrar arranjos geométricos simples capazes de descrever os fenômenos; o uso desses arranjos para fazer previsões astronômicas. Tudo isso compreendia centenas de páginas de cálculos, números, argumentos." Já o físico Steven Weinberg afirma que a teoria descrita pelo Almagesto pode ser considerada uma teoria moderna quanto aos seus métodos: modelos matemáticos são propostos contendo vários parâmetros numéricos livres que são encontrados a partir de vínculos entre as previsões teóricas do modelo com dados observacionais [4]. Podemos dizer, sem medo de pecar pelo exagero, que o Almagesto é uma das mais importantes obras científicas da história.



Figura 3: Uma página do Almagesto numa tradução árabe.

O trabalho de Ptolomeu representou uma grande generalização dos modelos planetários anteriores. Ele era baseado nos seguintes dispositivos matemáticos - epiciclo, deferente, excêntrico e equante. Uma sofisticação do modelo veio com a introdução do conceito de excêntrico. O excêntrico seria um deferente cujo centro não se encontrava coincidente com a Terra. Para o Sol, por exemplo, Ptolomeu calculou que a distância entre o centro do deferente e a Terra era 1/24 do raio terrestre. Entretanto, mesmo com esta ideia adicional, o movimento dos planetas não podia ser perfeitamente descrito em certas situações. Uma questão que surgiu foi em relação a qual ponto o deferente girava com velocidade angular constante. Seria em relação à Terra, ao seu centro ou a um terceiro ponto? Ptolomeu demonstrou que seria mais conveniente que o deferente girasse com velocidade angular constante em relação a um terceiro ponto chamado de equante. O equante seria um ponto simétrico à Terra em torno do ponto do círculo que caracterizava o centro do deferente [4]. A Figura 4 apresenta uma representação do equante, do centro do excêntrico e mais o deferente e o epiciclo. Para construir estas ideias Ptolomeu se baseou em dados experimentais de centenas de anos, envolvendo entre outros dados de astrônomos caldeus e de astrônomos gregos, incluindo dados de muita qualidade obtidos por Hiparco.
Figura 4: Representação do excêntrico (deferente centrado fora da Terra) e do equante.


O modelo de Ptolomeu sobreviveu por treze séculos. Era um modelo engenhoso, matematicamente rigoroso e que reproduzia, com boa aproximação, o movimento dos planetas. Como já falado, um dos fatores que levaram a esta boa concordância foi o fato de que ele estava baseado em bons dados experimentais.

No século XVI Nicolau Copérnico reinterpretou os dados correspondentes a observações realizadas durante centenas de anos - que eram do conhecimento de Ptolomeu - e dados adicionais dos séculos posteriores, colocando a Terra e os outros planetas se movimentando em torno do Sol [5]. O trabalho de Copérnico pode ser considerado revolucionário pelo fato de que, à época, não havia boas evidências experimentais de que o Sol estivesse no centro do sistema planetário. No dizer do Prof. Roberto Andrade [2]: "Não se pense que Copérnico substituiu por sua teoria científica uma proposta idiota de um astrônomo obtuso. A proposta de Ptolomeu é ciência, do mais alto nível. Os astrônomos que o seguiram não eram também idiotas dobrados sob o jugo da autoridade e do passado. Eram pessoas que adotavam a proposta geocêntrica de Ptolomeu por perceberem seu enorme valor e por não conhecerem uma alternativa que estivesse a seus pés." 

Para expor suas ideias Copérnico escreveu dois livros. O primeiro, Commentariolus, consistia num pequeno texto não matemático, no qual ele apresentava um sistema em que os planetas giravam em torno do Sol. O segundo, De revolutionibus orbium coelestium (Da revolução das esferas celestes), publicado no ano de sua morte, apresentava o modelo calcado em rigorosos esquemas matemáticos. As principais ideias deste modelo eram que os movimentos dos corpos celestes são circulares e uniformes e que o Sol encontra-se parado. Embora revolucionário, o modelo possuía facetas que lembravam a teoria geocêntrica como deferentes, epiciclos e excêntricos. Como aponta a Ref. [2], a diferença em relação à teoria de Ptolomeu quanto aos aspectos técnicos era que não fazia referência ao equante.
   
     
     

Figura 5: Reprodução de página da obra de Nicolau Copérnico, mostrando o detalhe das órbitas (os orbes) dos planetas em torno do Sol.

Algumas das hipóteses usadas por Copérnico para descrever o seu modelo são as seguintes: "(i) o centro da Terra não é o centro do mundo, mas apenas o da gravidade e do orbe lunar; (ii) todos os orbes giram em torno do Sol, como se ele estivesse no meio de todos; portanto, o centro do mundo está perto do Sol; (iii) qualquer movimento aparente do Sol não é causado por ele mas pela Terra e pelo nosso orbe, com o qual giramos em torno do Sol como qualquer outro planeta."

No Commentariolus, Copérnico já apresenta as principais ideias que serão melhor discutidas no De revolutionibus, entre elas a utilização apenas de movimentos circulares uniformes em torno dos seus centros. Além disso ele tenta explicar os movimentos dos corpos celestes com um número de círculos menor do que o apresentado por Ptolomeu: enquanto este último utilizou 40 círculos, Copérnico utilizou no Commentariolus apenas 34 círculos [6]. Com seu modelo Copérnico também conseguiu explicar a pouca variação do tamanho da Lua durante uma lunação, além de descrever com números semelhantes aqueles encontrados por Ptolomeu as distâncias dos planetas ao Sol. O laço dado pelos planetas Marte, Júpiter e Saturno, adicionalmente, possuíam uma explicação mais direta do que os complicados epiciclos e deferentes de Ptolomeu. Tratava-se de um efeito visual pelo fato da velocidade angular da Terra ser maior do que a velocidade angular dos outros três planetas.

Figura 6: Representação esquemática do movimento retrógrado de Marte. Pelo fato da Terra possuir uma velocidade angular maior, em alguns momentos o planeta vermelho parecerá caminhar para trás (fonte Google imagens).

As evidências experimentais que faltavam para confirmar a veracidade do modelo heliocêntrico só seriam conseguidas algumas décadas após a morte de Copérnico, com Galileu, que apontou o telescópio para Vênus e descobriu que o planeta apresentava fases como a Lua, compatível com um corpo que gira em torno do Sol. O porquê dos planetas girarem em torno do Sol foi uma questão que seria respondida algumas décadas após Galileu, com o trabalho de Isaac Newton. As contribuições destes dois gigantes serão discutidas em outras postagens.


Figura 7: Selo em homenagem a Nicolau Copérnico (coleção particular).


Referências e notas:
[1] O Big Bang: A Origem do Universo. Joseph Silk, 2a. Ed., UnB: Brasília, 1988.
[2] Introdução geral ao Commentariolus de Nicolau Copérnico. R.A. Martins, in Commentariolus, N. Copérnico, 2a. ed., Livraria da Física: São Paulo, 2003.
[3] Embora o Almagesto - contendo modelos e matemática sofisticados - seja a obra mais conhecida de Claudio Ptolomeu, uma segunda obra do mesmo astrônomo chegou até nós, A hipótese dos planetas. Trata-se, esta última, de um livro que também contém importantes argumentos, embora sem a utilização de matemática, sobre as hipóteses utilizadas por Ptolomeu na construção do seu modelo de mundo.
[4] Segundo Steven Weinberg [To explain the world: the discovery of modern science] não se sabe quem inventou os conceitos de epiciclo e excêntrico; Apolônio de Perga e Hiparco de Nicéia já os conheciam. Já o conceito de equante foi inventado por Ptolomeu.
[5] Observe-se que no século III a.C. Aristarco de Samos já havia proposto uma teoria heliocêntrica. Entretanto, a obra em que Aristarco desenvolve esta ideia se perdeu no tempo, de tal modo que não é possível saber se ela continha algum embasamento matemático mais rigoroso. De qualquer forma, talvez por falta de evidências observacionais, a ideia não foi levada adiante pelos astrônomos que o suscederam. Também é interessante destacar que para Heraclides do Ponto - filósofo que viveu no século IV antes de Cristo - Mercúrio e Vênus deveriam girar em torno do Sol, pois nunca são vistos no céu longe dele. Como nos diz Weinberg no seu livro "To explain the world": "As far as the inner planets are concerned, the only difference between Heraclides and Copernicus is point of view - either based on the Earth or based on the Sun".
[6] Na verdade, em sua obra máxima, Da revolução das esferas celestes, Copérnico foi obrigado a utilizar 48 círculos, o que representou na verdade uma complicação em relação ao sistema de Ptolomeu.