quarta-feira, 6 de julho de 2022

O espetacular eclipse de 06/07/1982

A Astronomia nos mostra nossa insignificância diante da imensidão do universo. Somos viajantes que chegaram há pouco tempo e em breve teremos que partir. Ou nas palavras de Shakespeare, somos como "um ator que treme e freme o seu papel no palco; as luzes serão apagadas, as cortinas cerradas e tudo estará em silêncio novamente." Nesse átimo de tempo, eventualmente, teremos a sorte de enxergar algumas das maravilhas da natureza. Os eclipses lunares, certamente, estão entre esses fatos espetaculares.

No dia 06 de julho de 1982, portanto há exatamente 40 anos, ocorria aquele que foi considerado como um dos mais belos eclipses do século XX. Como tive a sorte de observá-lo e de fazer alguns registros, reproduzo-os a seguir. A equipe era composta, além de mim, por Francisco Antônio Gomes, Hélio Freire e Silva e Helder Emanuel Freire. As observações foram realizadas com um telescópio Tasco 60 x 700 mm, com uma ocular de 20 mm. Para se conseguir algumas fotografias, como a que aparece na Figura 1, utilizou-se um adaptador no local da ocular, que acoplava-se a uma máquina fotográfica reflex Pentax. Como não sabíamos exatamente o tempo de exposição a ser utilizado nas fotos, elas foram tiradas com diferentes valores. Muitas delas ficaram superexpostas, mas isso só foi percebido no dia posterior quando as mesmas foram reveladas (nessa época não havia fotografia digital, ou pelo menos, elas não eram disponíveis comercialmente). O primeiro contato da sombra foi registrado às 5 h 31 min 30 s (TU), estando a visibilidade regular, com algumas nuvens esparsas. O segundo contato da sombra deu-se às 6 h 40 min 11 s, com a visibilidade já estando boa, sem nenhuma nuvem para atrapalhar a observação. Ao longo da madrugada foi possível registrar a entrada na sombra (primeiro e segundo contatos) das seguintes crateras: Riccioli, Grimaldi, Kepler, Aristarchus, Schickard, Copernicus, Eratostenes, Tycho, Plato, Proclus e Cleomedes. Na escala de Danjon encontramos para a coloração da Lua 2,5, visto que ela apresentava-se com uma cor entre o vermelho ferruginoso e um vermelho tijolo. As observações prosseguiram até às 08 h 20 min (TU), quando já não tínhamos mais horizonte para observação (essas informações foram publicadas no Boletim Zodíaco da Sociedade Brasileira dos Amigos da Astronomia, no número de Agosto de 1982)



Figura 1: Foto da Lua durante o eclipse de 06/07/1982, obtida com um telescópio refrator com objetiva de 60 mm com uma câmera Pentax reflex adaptada ao telescópio (Boletim Zodíaco da Sociedade Brasileira dos Amigos da Astronomia, Agosto/1982).


Figura 2: Coloração da Lua na fase máxima do eclipse, ou seja, 7 h 10 min (UT), mostrando o polo norte lunar imerso numa coloração mais escura, enquanto que o polo sul, um vermelho ferruginoso forte. Essa imagem contribuiu para a fabricação do mapa compósito da Lua, coordenado pelo Prof. Rubens de Azevedo, e que contou com a colaboração de mais dez outros observadores em Fortaleza.


No total, em Fortaleza, foram utilizados 11 telescópios em oito diferentes locais da cidade. Houve uma interessante preparação para se realizar as observações. No número de julho de 1982 do Boletim Zodíaco, que foi distribuído aos sócios da Sociedade Brasileira dos Amigos da Astronomia antes do fenômeno, foi publicada uma tradução do trabalho do Dr. Ignácio Ferrín, da Associação Venezuelana de Astronomia e do Centro de Investigaciones de Astronomia da Venezuela, "Como observar um eclípse total da Lua", que fornecia interessantes sugestões para os observadores. Participaram das observações em Fortaleza, além dos 4 já citados (com os detalhes da observação descritos no parágrafo anterior), Marcos Antônio Alves, José George Campelo de Albuquerque, Ferruccio Ginelli, Manoel Luciano Pedrosa de Souza, Francisco Coelho Filho, Dermeval Carneiro Neto, Rubens de Azevedo, Lineto de Araújo Chaves e Augusto Barros Penteado Filho. Esse grupo de 13 observadores eram estudantes, professores, um torneiro mecânico, um engenheiro, um contador, um contínuo, entre outros, todos amadores no sentido astronômico do termo. Eles conseguiram escrever um pequeno manuscrito sobre o eclipse, que foi submetido à conceituada revista Sky & Telescope; entretanto, por um motivo técnico, relacionado ao mapa compósito com as cores da Lua no auge do fenômeno, o trabalho não foi publicado. De qualquer forma, a experiência de todos aqueles que participaram é algo que eles consideraram como indescritível: um momento para marcar os participantes por décadas e décadas.