domingo, 8 de janeiro de 2023

O infinito de Hilbert

Na descrição da natureza, vez por outra aparece o conceito de infinito. Algumas culturas já mexiam com esse conceito, enquanto que outras o desconheciam. Na física o conceito de infinito pode aparecer na descrição matemática de alguns fenômenos, como um elétron que se movimenta livremente no espaço, sujeito a um potencial desprezível. Nessa descrição pode ser necessária a utilização de uma distribuição conhecida como função de Dirac δ(x), que possui entre suas propriedades o fato de que δ tende a infinito, quando x tende a zero. Entender o infinito pode ser uma tarefa um pouco complexa, mas eventualmente, divertida.

Imaginemos um hotel que possui infinitos quartos e que em cada quarto apenas um único hóspede pode ocupá-lo. Imaginemos também que o hotel encontra-se completamente ocupado. Então chega um hóspede; a questão é: ele poderá ser alojado nesse hotel de infinitos quartos que já encontram-se completamente ocupados? Esse problema é conhecido como Hotel de Hilbert, criado pelo matemático alemão David Hilbert (1862 - 1943). A resposta ao problema é positiva, é possível sim hospedar o novo hóspede. Basta passar o hóspede do quarto 1 para o quarto 2, o hóspede do quarto 2 para o quarto 3, o hóspede do quarto 3 para o quarto 4, e assim sucessivamente. Em outras palavras, basta apenas passar o hóspede do quarto de número n para o quarto de número n+1. Dessa maneira o quarto 1 ficará vazio e o novo hóspede poderá se hospedar.

Imaginemos agora que chegam 3 novos hóspedes e o hotel, da mesma forma, já está lotado. De maneira similar, é possível hospedar os novos hóspedes. Basta passar o hóspede do quarto 1 para o quarto 4, do quarto 2 para o quarto 5, do quarto 3 para o quarto 6 e, de maneira geral, do quarto n para o quarto n+3. Dessa forma, todos os antigos hóspedes poderão ser alocados e restarão os quartos de números 1, 2 e 3 para os novos hóspedes.

Vamos imaginar uma terceira situação. Próximo ao hotel de Hilbert lotado, existe um segundo hotel de Hilbert, ou seja, com infinitos quartos, que também encontra-se lotado. Chamemos esse segundo hotel de Hilbert de Hotel B. A pergunta que se faz é a seguinte: seria possível transferir todos os infinitos hóspedes do Hotel B para o hotel de Hilbert já lotado? A resposta também é 'sim'. Para isso acontecer pode ser feito o seguinte no hotel de Hilbert original: passa-se o hóspede do quarto 1 para o quarto 2, o hóspede do quarto 2 para o quarto 4, o hóspede do quarto 3 para o quarto 6 e, de uma forma geral, o hóspede do quarto n para o quarto 2n. Dessa forma, todos os antigos hóspedes ficarão ocupando os quartos de números pares e todos os quartos de números ímpares estarão vazios. Uma vez que existem infinitos números ímpares, será possível alocar todos os infinitos novos hóspedes.

Imaginemos uma quarta situação. Existem infinitos hotéis de Hilbert no Universo, todos com infinitos números de quartos e todos eles lotados. Imaginemos ainda que um cataclismo cósmico sem precedentes tenha inviabilizado o funcionamento de todos eles, com exceção de um único hotel de Hilbert, que chamaremos de hotel de Hilbert original (HHO). A questão que fazemos agora é a seguinte: seria possível transferir para quartos desse único hotel de Hilbert disponível, o HHO, todas as infinitas pessoas dos infinitos hotéis de Hilbert sem condições de funcionamento? 

A resposta, mais uma vez, e surpreendentemente, é positiva. Para isso, redistribui-se os hóspedes do HHO da seguinte forma: o hóspede do quarto 1 passa para o quarto 2^1 (dois elevado a um), ou seja, para o quarto 2; o hóspede do quarto 2 passa para o quarto 2^2 (dois elevado a dois), ou seja, para o quarto 4; o hóspede do quarto 3 passa para o quarto 2^3 (dois elevado a três), ou seja, para o quarto 8. De uma forma geral, passa-se o hóspede do quarto n para o quarto 2^n (dois elevado a n) e assim todos os hóspedes originais passam a ocupar quartos que representam potências do número primo 2. A seguir, transfere-se os hóspedes do primeiro hotel de Hilbert danificado e os aloca no HHO da seguinte maneira: o que encontrava-se no quarto 1 coloca-se no quarto 3^1 (três elevado a 1), ou seja, no quarto 3; o hóspede do quarto 2 coloca-se no quarto 3^2 (três elevado a dois), ou seja, no quarto 9; o terceiro no quarto 3^3, ou seja, no quarto 27; o do quarto n para o quarto 3^n e assim sucessivamente. Dessa maneira, todos os hóspedes do primeiro hotel sem condição de uso ficarão hospedados no HHO em quartos que são potência natural de 3. Em seguida transfere-se os hóspedes do segundo hotel de Hilbert danificado e os aloca no HHO da seguinte forma: o hóspede que encontrava-se no quarto 1 danificado coloca-se no quarto 5^1 (cinco elevado a um), ou seja, no quarto 5 do HHO; o hóspede do quarto 2 coloca-se no quarto 5^2, ou seja, no quarto 25; o hóspede do quarto 3 coloca-se no quarto 5^3, ou seja, no quarto 125, e de uma maneira geral, o hóspede do quarto n do segundo hotel de Hilbert danificado se hospedará no quarto 5^n do HHO. 

Quem conhece os números primos já entendeu que os hóspedes dos diversos hotéis estão sendo alocados em quartos do HHO de números que representam potências dos números primos. Assim, os hóspedes do terceiro hotel de Hilbert danificado seriam alocados em quartos que são potências do número 7, os hóspedes do quarto hotel de Hilbert seriam alocados em quartos que são potências de 11; os hóspedes do quinto hotel de Hilbert seriam alocados em quartos que são potências de 13 e assim sucessivamente. Como existem infinitos números primos, os infinitos hóspedes dos infinitos hotéis de Hilbert poderiam ser todos hospedados num único hotel de Hilbert. Ah, sim, um detalhe final: nessa distribuição, o quarto de número 1 ficou desocupado, o que significa que sempre haverá espaço para um hóspede que chegar ocasionalmente de surpresa!

Como conclusão dessa rápida discussão podemos afirmar: podem caber infinitos infinitos dentro do infinito! Mas essa conclusão não é geral. Há situações em que não é possível acomodar certos tipos de infinitos dentro do infinito. Mas isso é assunto para um outro texto.