segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Espectroscopia infravermelho

A luz visível é um tipo de radiação eletromagnética. Isso significa que ela pode ser entendida como um campo elétrico e um campo magnético oscilantes (campo eletromagnético) que se deslocam no espaço. Existem outros tipos de radiação eletromagnética, conforme representado na Figura 1, onde os vários comprimentos de onda da radiação são apresentados. Em particular, a radiação infravermelho possui comprimento de onda maior do que a luz visível.



Figura 1: Radiação eletromagnética distribuída em termos dos comprimentos de onda da radiação. Observe-se que a faixa do infravermelho cobre uma região espectral muito maior do que a faixa do visível.


A luz infravermelho interage com a matéria. Desta interação, outra luz é emitida pela substância e, a partir dela, pode-se identificar a substância que emitiu a luz infravermelho.

A técnica de espectroscopia infravermelho apresenta uma série de vantagens. É uma técnica universal, isso é, pode ser utilizada em materiais sólidos, em líquidos, em gases, em material na forma de pó, etc. O espectro infravermelho é rico em informações: a posição do pico, a largura, a intensidade, o formato das bandas, entre outros, fornece informações importantes a respeito da substância. Também pode ser considerada uma técnica relativamente fácil de manusear e de rápida resposta. Além disso, a espectroscopia infravermelho é uma técnica bastante sensível e os instrumentos para análise são relativamente baratos. 

Obviamente, a técnica também possui algumas desvantagens, entre as quais podemos citar: (i) soluções aquosas são difíceis de serem analisadas, uma vez que a água sofre uma grande absorção; (ii) átomos e íons monoatômicos não apresentam espectros infravermelho, conforme discussão mais adiante; (iii) moléculas diatômicas homonuclear também não apresentam espectros infravermelho, como o O2 e o N2; (iv) quando há uma grande mistura de substâncias, o espectro fica bastante complicado de ser interpretado, dificultando a identificação das substâncias presentes.

A ideia básica da técnica consiste na interação da radiação infravermelho com a matéria, que a absorve, causando uma vibração dos átomos que constituem o material. Assim, a luz absorvida fornecerá informação sobre as ligações químicas entre os diferentes átomos. Por exemplo, quando um átomo de carbono e um átomo de oxigênio vibram um em direção ao outro, uma vibração conhecida como estiramento, C = O, aparece com número de onda em torno de 1700 cm-1 [1]. O movimento dos átomos modifica as ligações químicas e, como consequência, pode-se inferir o que está acontecendo com elas. Apesar do movimento de vibração dos átomos numa molécula ser complexo, ele pode ser separado por um pequeno número de vibrações chamadas de modos normais. Sistemas mecânicos que vibram possuem modos normais de vibração. Por exemplo, uma corda de violão vibra com frequências bem definidas dependendo da sua densidade e do seu tamanho, que pode ser modificado pela pressão exercida pelo músico em diferentes posições do braço do instrumento musical. Assim como as cordas do violão, diferentes moléculas vibrarão com diferentes frequências e isso é utilizado para distingui-las. 

A seguir mostramos alguns poucos exemplos onde o conhecimento do espectro
 infravermelho de alguns materiais pode ajudar no entendimento de um determinado tema de pesquisa. A técnica pode ser utilizada, por exemplo, na paleontologia. Na Figura 2 apresenta-se o espectro infravermelho de um fóssil do Período Cretáceo da Formação Romualdo, na Chapada do Araripe [2]. Para efeito de comparação, mostra-se também na figura o espectro do carbonato de cálcio. Dessa comparação é possível perceber de uma forma muito clara que o processo de fossilização ocorreu através do processo geoquímico que envolve a aquisição de carbonato de cálcio pelo material. Tal fato tem importantes implicações para o entendimento dos fósseis da região, conforme é discutido na Ref. [2].
Figura 2: Espectros infravermelho de um fóssil, escama de um peixe do Período Cretáceo, e do carbonato de cálcio (sintético) para efeito de comparação (Ref. [2]).

Outro exemplo interessante também diz respeito ao estudo de uma amostra de origem paleontológica. Trata-se de uma amostra de coprólito, ou seja, fezes fossilizadas de um animal também do período Cretáceo. Na Figura 3 mostra-se que o espectro infravermelho de um coprólito possui uma boa concordância com o espectro da hidroxapatita, enquanto que as bandas observadas no nódulo (que envolve o fóssil) também são semelhantes ao espectro de carbonato de cálcio padrão. Já o sedimento é formado por vários materiais, mas com pouca hidroxapatita e carbonato de cálcio. Tal descoberta tem uma interessante implicação para o conhecimento do peixe, ou do animal, que produziu o coprólito. Isso é discutido em detalhe na Ref. [3].
Figura 3: Espectros infravermelho de um padrão de hidroxapatita, de um fóssil de coprólito, do nódulo de onde o fóssil foi retirado, do padrão do carbonato de cálcio e do sedimento onde o nódulo e o fóssil se encontravam (Ref. [3]).
 
Notas e referências:
[1] O cm-1 é uma unidade de número de onda que possui o seguinte significado. Sendo λ no comprimento de onda da radiação (dado em cm) e ν a frequência em Hertz (1/seg), então λ = c/ ν . O número de onda seria o inverso do comprimento de onda 1/λ.
[2] R.J.C. Lima, A.A.F. Saraiva, S. Lanfredi, M.A.L. Nobre, P.T.C. Freire, J.M. Sasaki, Caracterização espectroscópica de peixe do período Cretáceo (Bacia do Araripe), Química Nova 30, 22 – 24 (2007).
[3] R.J.C. Lima, P.T.C. Freire, J.M. Sasaki, A.A.F. Saraiva, S. Lanfredi, M.A.L. Nobre, Estudo de coprólito da bacia sedimentar do Araripe por meios de espectroscopia FT-IR e difração de raios-X, Química Nova 30, 1956 – 1958 (2007).