domingo, 25 de dezembro de 2022

Parabéns, Newton!

Hoje é comemorado os 380 anos de nascimento do matemático inglês Isaac Newton, inventor das leis da mecânica e descobridor da lei da gravitação universal, além de importantes estudos sobre a ótica.

Newton é mundialmente conhecido porque desde quando começamos os estudos de física no ensino fundamental ou no ensino médio nos deparamos com as suas leis do movimento. Em particular, a segunda lei (F = ma) é tão importante para a descrição do movimento no mundo macroscópico que o prêmio Nobel de Física Frank Wilczek a denomina de 'alma da mecânica clássica'. Desde os gregos até chegar ao século XVII, muitos pesquisadores em vários locais da Europa, Ásia e África, tentaram entender o movimento e descrevê-lo de uma forma que pudesse ser entendida por outros estudiosos. Aí podemos citar, numa lista não exaustiva, Estradão, John Philoponus, Ibn Bajja (Avempace), Ibn Rushd (Averroe), Ibn Sina (Avicena), John Buridan, Thomas Bradwardine, Nicholas Oresme, Galileu Galilei, até chegar finalmente a Isaac Newton (por coincidência, Galileu morreu no ano em que este último nasceu).

Em seu livro "Principia Matemática da Filosofia Natural" - considerada uma das obras mais importantes da literatura científica de todos os tempos, encontrando um lugar no mais alto pedestal da ciência ao lado dos "Elementos", de Euclides - Newton estabelece as leis básicas do movimento, que são usadas até hoje. Entre os vários axiomas, definições e deduções encontra-se a definição 4, que afirma que uma força impressa é uma ação exercida num corpo que muda seu estado de repouso ou seu estado de movimento retilíneo uniforme. Entre os axiomas está a segunda lei que afirma que "uma mudança no movimento é proporcional à força motriz impressa e se dá ao longo da linha reta na qual a força é impressa".

Uma discussão importantíssima no Principia é a gravitação. Kepler havia avançado bastante a respeito do entendimento do movimento dos planetas em torno do Sol, em particular que as órbitas eram elípticas. Kepler acreditava que o Sol exercia uma força sobre os planetas, cuja intensidade diminuía com a distância. Entretanto, ele não possuía matemática suficiente para apontar como seria quantitativamente essa força. Posteriormente, Robert Hooke (1605 - 1703), fez a suposição de que a Terra e os demais corpos celestes exerciam uma atração apontando para os seus centros, e que a intensidade dessa força variava de acordo com a distância. Em janeiro de 1684, num encontro em Londres, Robert Hooke, Edmond Halley (1656 - 1742) e Christopher Wren (1632 - 1723) debateram sobre a natureza das órbitas planetárias e sobre a possibilidade delas serem explicadas por um lei do tipo inverso do quadrado. Halley confessara que tentara calcular segundo esse pressuposto e falhara. Hooke afirmara que conseguira, mas nunca mostrou esses cálculos.

Halley levou o problema para Newton, que vivia em Cambridge e esse falou que um corpo atraído por outro por uma lei do inverso do quadrado da distância terá uma órbita elíptica com o corpo central em um dos focos, tal como estabelecido por Képler. Newton foi mais além, afirmando que as ações de todos eles são exercidas sobre os outros. Em dezembro de 1686, Newton publica o Principia, obtendo as leis de Képler, fazendo o teste da Lua e mostrando que a força que a Terra exerce sobre o seu satélite é da mesma natureza com que o Sol exerce sobre os planetas e, finalmente, que a gravidade existe universalmente em todos os corpos, sendo dependente da massa desses corpos e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre seus centros.


Figura: Cópia antiga do livro Principia, de Newton.


Newton teve vários desafetos ao longo de sua vida, o principal deles sendo o colega de Academia, Robert Hooke. Em parte isso se deveu ao fato de que na época, a divulgação das principais ideias se dava principalmente por meio de livros, comunicações orais ou cartas a outros cientistas. Não havia ainda os periódicos científicos como existem hoje em que se pode publicar uma pesquisa e ali ela fica registrada. Como escrito anteriormente, acredita-se que Hooke desconfiasse que a Terra possuía um poder gravitante apontando para o seu centro e que atraía outros corpos com uma força que variava de acordo com a distância. Mas Hooke não possuía matemática suficiente para colocar essas ideias numa lei simples tal como conseguido por Newton, em particular mostrar que a força aponta para o centro dos planetas. O importante é que Newton conseguiu descobrir a lei da gravitação universal e, de fato, ele foi o primeiro a entender que a lei possui um caráter 'universal', ou seja, vale para qualquer par de massas no universo. Parabéns, Newton! 


terça-feira, 4 de outubro de 2022

Prêmio Nobel de Física 2022


A mecânica quântica, quase 100 anos após a sua invenção por Schrödinger, Dirac e Heisenberg, entre outros, continua a nos surpreender. Nos últimos anos os chamados estados emaranhados se estabeleceram de forma definitiva no dia a dia dos laboratórios e da pesquisa. Por conta disso, a Real Academia Sueca de Ciências decidiu conceder o Prêmio Nobel de Física de 2022 a Alain Aspect, John F. Clauser e Anton Zeilinger “por experimentos com fótons emaranhados, estabelecendo a violação das desigualdades de Bell e pioneira na ciência da informação quântica”.

Alain Aspect, John Clauser e Anton Zeilinger conduziram experimentos inovadores usando estados quânticos emaranhados, onde duas partículas se comportam como uma única unidade, mesmo quando separadas. Seus resultados abriram caminho para novas tecnologias baseadas em informações quânticas. Como consequência desses estudos, existe agora um grande campo de pesquisa que inclui computadores quânticos, redes quânticas e comunicação criptografada quântica segura.

Um fator-chave nesse desenvolvimento é como a mecânica quântica permite que duas ou mais partículas existam no que é chamado de estado emaranhado. O que acontece com uma das partículas em um par emaranhado determina o que acontece com a outra partícula, mesmo que estejam distantes.

Por muito tempo, a questão era se a correlação era porque as partículas em um par emaranhado continham variáveis ​​ocultas, instruções que lhes diziam qual resultado deveriam dar em um experimento. Na década de 1960, John Stewart Bell desenvolveu a desigualdade matemática que leva seu nome. Segundo Bell, se houver variáveis ​​ocultas, a correlação entre os resultados de um grande número de medições nunca excederá um determinado valor. No entanto, a mecânica quântica prevê que um certo tipo de experimento violará a desigualdade de Bell, resultando em uma correlação mais forte do que seria possível.

John Clauser desenvolveu as ideias de John Bell, levando a um experimento prático. Quando ele fez as medições, elas apoiaram a mecânica quântica violando claramente uma desigualdade de Bell. Isso significa que a mecânica quântica não pode ser substituída por uma teoria que usa variáveis ​​ocultas. Algumas brechas permaneceram após o experimento de John Clauser. Alain Aspect desenvolveu um experimento no qual ele foi capaz de mudar as configurações de medição depois que um par emaranhado deixou sua fonte, de modo que a configuração que existia quando eles foram emitidos não poderia afetar o resultado. Usando ferramentas refinadas e uma longa série de experimentos, Anton Zeilinger começou a usar estados quânticos emaranhados. Entre outras coisas, seu grupo de pesquisa demonstrou um fenômeno chamado teletransporte quântico, que possibilita mover um estado quântico de uma partícula para outra à distância.

Tornou-se cada vez mais claro que um novo tipo de tecnologia quântica está surgindo. Podemos ver que o trabalho dos laureados com estados emaranhados é de grande importância, mesmo além das questões fundamentais sobre a interpretação da mecânica quântica", afirma Anders Irbäck, presidente do Comitê Nobel de Física.

Fonte: Página oficial do Facebook do Prêmio Nobel.

quarta-feira, 6 de julho de 2022

O espetacular eclipse de 06/07/1982

A Astronomia nos mostra nossa insignificância diante da imensidão do universo. Somos viajantes que chegaram há pouco tempo e em breve teremos que partir. Ou nas palavras de Shakespeare, somos como "um ator que treme e freme o seu papel no palco; as luzes serão apagadas, as cortinas cerradas e tudo estará em silêncio novamente." Nesse átimo de tempo, eventualmente, teremos a sorte de enxergar algumas das maravilhas da natureza. Os eclipses lunares, certamente, estão entre esses fatos espetaculares.

No dia 06 de julho de 1982, portanto há exatamente 40 anos, ocorria aquele que foi considerado como um dos mais belos eclipses do século XX. Como tive a sorte de observá-lo e de fazer alguns registros, reproduzo-os a seguir. A equipe era composta, além de mim, por Francisco Antônio Gomes, Hélio Freire e Silva e Helder Emanuel Freire. As observações foram realizadas com um telescópio Tasco 60 x 700 mm, com uma ocular de 20 mm. Para se conseguir algumas fotografias, como a que aparece na Figura 1, utilizou-se um adaptador no local da ocular, que acoplava-se a uma máquina fotográfica reflex Pentax. Como não sabíamos exatamente o tempo de exposição a ser utilizado nas fotos, elas foram tiradas com diferentes valores. Muitas delas ficaram superexpostas, mas isso só foi percebido no dia posterior quando as mesmas foram reveladas (nessa época não havia fotografia digital, ou pelo menos, elas não eram disponíveis comercialmente). O primeiro contato da sombra foi registrado às 5 h 31 min 30 s (TU), estando a visibilidade regular, com algumas nuvens esparsas. O segundo contato da sombra deu-se às 6 h 40 min 11 s, com a visibilidade já estando boa, sem nenhuma nuvem para atrapalhar a observação. Ao longo da madrugada foi possível registrar a entrada na sombra (primeiro e segundo contatos) das seguintes crateras: Riccioli, Grimaldi, Kepler, Aristarchus, Schickard, Copernicus, Eratostenes, Tycho, Plato, Proclus e Cleomedes. Na escala de Danjon encontramos para a coloração da Lua 2,5, visto que ela apresentava-se com uma cor entre o vermelho ferruginoso e um vermelho tijolo. As observações prosseguiram até às 08 h 20 min (TU), quando já não tínhamos mais horizonte para observação (essas informações foram publicadas no Boletim Zodíaco da Sociedade Brasileira dos Amigos da Astronomia, no número de Agosto de 1982)



Figura 1: Foto da Lua durante o eclipse de 06/07/1982, obtida com um telescópio refrator com objetiva de 60 mm com uma câmera Pentax reflex adaptada ao telescópio (Boletim Zodíaco da Sociedade Brasileira dos Amigos da Astronomia, Agosto/1982).


Figura 2: Coloração da Lua na fase máxima do eclipse, ou seja, 7 h 10 min (UT), mostrando o polo norte lunar imerso numa coloração mais escura, enquanto que o polo sul, um vermelho ferruginoso forte. Essa imagem contribuiu para a fabricação do mapa compósito da Lua, coordenado pelo Prof. Rubens de Azevedo, e que contou com a colaboração de mais dez outros observadores em Fortaleza.


No total, em Fortaleza, foram utilizados 11 telescópios em oito diferentes locais da cidade. Houve uma interessante preparação para se realizar as observações. No número de julho de 1982 do Boletim Zodíaco, que foi distribuído aos sócios da Sociedade Brasileira dos Amigos da Astronomia antes do fenômeno, foi publicada uma tradução do trabalho do Dr. Ignácio Ferrín, da Associação Venezuelana de Astronomia e do Centro de Investigaciones de Astronomia da Venezuela, "Como observar um eclípse total da Lua", que fornecia interessantes sugestões para os observadores. Participaram das observações em Fortaleza, além dos 4 já citados (com os detalhes da observação descritos no parágrafo anterior), Marcos Antônio Alves, José George Campelo de Albuquerque, Ferruccio Ginelli, Manoel Luciano Pedrosa de Souza, Francisco Coelho Filho, Dermeval Carneiro Neto, Rubens de Azevedo, Lineto de Araújo Chaves e Augusto Barros Penteado Filho. Esse grupo de 13 observadores eram estudantes, professores, um torneiro mecânico, um engenheiro, um contador, um contínuo, entre outros, todos amadores no sentido astronômico do termo. Eles conseguiram escrever um pequeno manuscrito sobre o eclipse, que foi submetido à conceituada revista Sky & Telescope; entretanto, por um motivo técnico, relacionado ao mapa compósito com as cores da Lua no auge do fenômeno, o trabalho não foi publicado. De qualquer forma, a experiência de todos aqueles que participaram é algo que eles consideraram como indescritível: um momento para marcar os participantes por décadas e décadas.


sexta-feira, 22 de abril de 2022

Titan e sua atmosfera

Com exceção da Terra, Titan é o único corpo no sistema solar que possui uma atmosfera de nitrogênio metálico (N2) e apresenta líquidos sobre a sua superfície. A primeira sugestão de que Titan possuísse uma atmosfera foi feita por José Comas Solá, que num artigo intitulado “Observations des satellites principaux de Jupiter et de Titan”, de 1908, sugeriu que o escurecimento do limbo do satélite poderia ser um indicativo dessa existência. Posteriormente, em 1944, Gerard Kuiper descobriu a existência de metano (CH4) em torno do satélite de Saturno, indicando agora conclusivamente que o mesmo possuía atmosfera.

A química da atmosfera de Titan produz materiais que são depositados em sua superfície e posteriormente alterados pelas interações atmosfera-superfície através de processos eólicos e fluviais, dando origem a campos de dunas, lagos e mares. A existência de moléculas orgânicas e a sua interação com a água em um oceano subterrâneo e metano e etano nos lagos e mares, implica que Titan é um potencial laboratório para se verificar a química prebiótica [1, 2].

Observações realizadas da Terra por infravermelho indicaram que a existência de CH4 seria apenas marginal. As naves Voyager 1 e 2 quando se aproximaram de Titan no começo da década de 1980 mostraram que a sua atmosfera possuía uma pressão superficial de cerca de 1,5 vezes a da Terra e uma temperatura em sua superfície de 94 K. Além disso, os espectros de infravermelho revelaram a presença de várias moléculas orgânicas como metano (CH4), hidrogênio molecular (H2), etano (C2H6), acetileno (C2H2), etileno (C2H4), cianido de hidrogênio (HCN), metilacetileno (C3H4), propano (C3H8), diacetileno (C4H2), cianoacetileno (HC3N), cianogeno (C2N2), e dióxido de carbono (CO2), entre outros [2, 3]. 

A superfície do satélite saturniano não foi enxergada pelas Voyagers mas esse problema foi superado com a chegada da sonda orbital Cassini e a sonda Huygens em 2004. As descobertas realizadas pelo sistema Cassini-Huygens incluem a forte conexão entre a atmosfera e a superfície de Titan. O material orgânico existente sobre a superfície do satélite foi formado por processos químicos e físicos ocorridos em sua atmosfera.

Os estudos realizados (i) a partir de observações da Terra, (ii) do sensoriamento remoto de sondas orbitais, (iii) de sondas na superfície, (iv) de experimentos em laboratório e (v) de modelos teóricos, permitiram que se conseguisse uma boa compreensão da atmosfera de Titan. Sabe-se que os principais constituintes são o N2 e o metano (CH4), que é o alcano mais simples. Por receber apenas 1% da energia solar que chega à Terra, Titan tem uma temperatura de 94 K em sua superfície, como comentado acima. Aliado ao fato de que a pressão é de aproximadamente 1,5 bar, isso significa que na superfície as condições são tais que o ambiente está pouco acima do ponto triplo do metano, permitindo a existência de gás na atmosfera e líquido na superfície. Em outras palavras, existe um ciclo "metanológico" em Titan, similar ao ciclo hidrológico na Terra [2].

Devido à menor gravidade de Titan, comparada à do nosso planeta, a atmosfera do satélite se estende por uma maior altura [2]. Para facilitar o entendimento, a atmosfera de Titan é separada em quatro principais extratos, assim como a da Terra: troposfera, estratosfera, mesosfera e termosfera. Não foi observada nenhuma correlação entre temperatura e latitude,indicando que a influência da energia solar é pequena para definir esse parâmetro no satélite de Saturno. Por outro lado, quando Titan encontra-se dentro da magnetosfera de Saturno, suas temperaturas são maiores, e menores quando encontra-se fora.

A radiação ultravioleta do Sol é responsável pela dissociação e ionização do N2 e do CH4, dando origem a reações químicas que resultam na destruição irreversível do CH4, levando à formação do H2 e outras moléculas orgânicas como os hidrocarbonetos e nitrilos:

                 CH4 + h𝜈 → CH3 + H;  CH4 + h𝜈 → CH2 + H2;  CH4 + h𝜈 → CH + H2 + H.

A agregação dessas moléculas e a produção de aerosóis fornece a cor laranja característica da atmosfera de Titan. Na verdade, existem várias fontes de ionização e dissociação nessa atmosfera; além da radiação ultravioleta e ultravioleta extremo (EUV), também estão disponíveis elétrons da magnetosfera de Saturno, fotoelétrons (oriundos de elétrons de fótons EUV e de raios-X solares), íons energéticos (prótons, oxigênio), íons metálicos e raios cósmicos galácticos [2]. A radiação solar é a energia dominante para levar a cabo as reações químicas na atmosfera de Titan, p.ex., sendo responsável por cerca de 90% da destruição do N2. A molécula de C2H2 é particularmente importante porque absorve acima de 5,17 ev (240 nm), que é uma região com um bom fluxo de energia. O C2H2 e C4H2 absorvem fótons com energias mais baixas do que CH4 e dissociam formando C2H ou C4H, que então reagem com o metano para produzir radicais metil (CH3) e C2H2 e C4H2, que funcionam como substâncias catlíticas para a destruição do metano, utilizando fótons que o metano não absorve:

                                              C2H2 + h𝜈 → C2H + H

                                        C2H + CH4 → CH3 + C2H2.

Muitos modelos fotoquímicos têm sido utilizados para tentar reproduzir a abundância das menores moléculas (tipicamente < 100 Da) na atmosfera de Titan. A Fig. 1 apresenta um resumo com as 10 moléculas mais abundantes geradas fotoquimicamente na estratosfra de Titan.

Figure 1: As 10 moléculas mais abundantes geradas eletroquimicamente na estratosfera de Titan na ordem decrescente de abundância, as reações dominantes e os mecanismos de percas [2].

Imagens e medidas de polarização obtidas pelas sondas Pioneer 11 e Voyager 1 e 2, juntamente com modelos teóricos sugeriram que os aerosóis da atmosfera de Titan seriam compostos por matéria orgânica com agregados fractais [4]. É interessante que foi observada uma assimetria norte-sul nas hazes (haze significando partículas não voláteis geradas fotoquimicamente). Atualmente, sabe-se que as partículas haze estão presentes desde a superfície de Titan até a ionosfera. Os hazes são as fontes dominantes para a opacidade de radiação com comprimentos de onda menores do que 5 micras, acreditando-se que ele contribua para esfriar a superfície e aquecer a estratosfera [2]. Resultados obtidos por ocultação de estrelas observadas por luz ultravioleta através do Cassini Ultra-violet Imaging Spectrograph (UVIS) mostraram a existência de partículas em até incríveis 1000 km de altura e aerosóis em até 850 km [5]. Por sua vez, medidas realizadas através do Cassini Visible and Infrared Mapping Spectrometer (VIMS) indicaram a presença de CH4, C2H6, CH3CN, C5H12, C6H12 e C6H14 como seus possíveis constituintes entre 60 e 500 km.

As observações apontam para a existência de íons pesados e partículas na termosfera/ionosfera de Titan, ou seja, numa região da atmosfera localizda tipicamente entre 1000 e 1400 km de altura. Acredita-se que moléculas de HCN, C2H2 e C2H4, entre outras, são produzidas principalmente na ionosfera, em vez de serem produzidas na estratosfera (~ 200 km). Acredita-se também que na ionosfera são formadas partículas nanoscópicas a partir de uma dimensão de 0,35 nm de raio. À medida que a densidade da atmosfera aumenta, principalmente entre 500 e 650 km, os aerosóis crescem por agregação. Já entre 500 e 400 km, os aerosóis reagem diretamente com a fase gasosa de alguns radicais como o HCCN, que desempenha um papel importante em várias reações químicas [2].

Referências:

[1] V.A. Krasnopolsky, Icarus 201, 226 - 256 (2009).

[2] S.M. Hörst, J. Geophys. Res.: Planets 122, 432 - 482 (2017).

[3] R. Hanel et al., Science 212, 192 (1981).

[4] R.A. Wste, P.H. Smith, Icarus 90, 330 - 333 (1991).

[5] T.T. Kosninem et al., Icarus 216, 507 - 534 (2011). 

sexta-feira, 18 de março de 2022

Limpando o ambiente com rejeitos

Resíduos de mineração são um dos maiores contaminantes do meio ambiente. Eles podem se constituir em (i) lama, resíduos químicos e material arenoso gerados durante a concentração do minério são armazenados principalmente em barragens de rejeitos e em (ii) resíduos de terra (rochas, solo e/ou sedimentos) removidos durante o processo de escavação para acessar o minério, que se acumulam em pontas de entulho (ou pilhas de despejo). Na região amazônica a extração da bauxita é um problema particularmente sério. Assim, a possibilidade de conseguir alguma aplicação para os rejeitos da bauxita possui um importante apelo.

A bauxita é composta por alguns óxidos de alumínio, gibbsita Al(OH)3, boehmite γ-AlOOH e o diásporo α-AlO(OH), misturado com os óxidos de ferro goethita e hematita, além de caulinita, argila mineral e pequenas quantidades de anatase, que é o óxido  de titânio. No trabalho de Ref. [1] apresenta-se um estudo no qual os resíduos de lavagem de bauxita - que constituem-se em rejeitos de mineração - da região amazônica brasileira foram explorados como precursores de baixo custo para a preparação de hidróxidos duplos do tipo piroaurita (Mg - Fe - Al - NO3) para ser utilizado como nanoadsorbente. O material obtido, após uma série de caracterização de suas propriedades físico-químicas, foi testado quanto à remoção de eritrosina B de soluções aquosas. 

Os efeitos nocivos causados pelos rejeitos de mineração vão desde metais ressuspensos no ar, como poeira de produtos químicos do processamento do minério, até a contaminação do solo por metais pesados e a eventual ruptura de barragens de rejeitos, como em Mariana e Brumadinho. Portanto, a reutilização ou reconversão de rejeitos de mineração em materiais de alto valor agregado têm sido buscado nos últimos tempos. Entre os inúmeros tipos de rejeitos de mineração gerados a cada ano, os resíduos da lavagem da bauxita foram considerados, juntamente com a lama vermelha proveniente do processamento de bauxita em alumina usando o processo Bayer, como potenciais candidatos para reutilização em larga escala devido ao enorme impacto ambiental causado pela extensa mineração em todo o mundo. Os resíduos da lavagem da bauxita são subprodutos do refino do mineral de alumínio decorrente da desagregação de materiais secundários (por exemplo, argila) e separação granulométrica durante o processo de beneficiamento mineral. O alto teor de Fe, Al, sílica e, em menor grau, o Ti, permite que materiais como a lama vermelha possuam propriedades únicas (superfície de alta especificidade, porosidade, etc.) a serem sintetizados a partir de tais rejeitos.

No trabalho da Ref. [1] estudou-se a adsorção da eritrosina B (EB) por resíduos da bauxita. Este composto foi escolhido entre diferentes corantes para ser adsorvido por várias razões. Primeiramente, o EB é empregado para colorir uma ampla gama de produtos como tecidos (lã, seda e nylon), farmacêuticos, cosméticos, alimentos, etc. Apesar de seu uso quase onipresente, são conhecidos diversos efeitos prejudiciais da EB na saúde humana (suspeita de carcinogenicidade, liberação de iodo afetando a atividade da tireóide, reação alérgica nos olhos, etc). Em segundo lugar, o EB pertence a uma classe de corantes (os corantes xantenos) que são notoriamente recalcitrantes (principalmente devido à sua alta solubilidade em água) para tratamentos convencionais de águas residuais (por exemplo, lodo ativado biológico). Assim, a investigação da adsorção da EB com material nanoestruturado oriundo do resíduo da bauxita pode ser uma interessante alternativa para limpeza do ambiente contaminado com esse tipo de corante.

[1] From mining waste to environmetal remediation: a nanoadsorbent from Amazon bauxite tailings for the removal of erythrosine B dye, R.S. Nascimento, J.A.M. Corrêa, B.A.M. Figueira, P.A. Pinheiro, J.H. Silva, P.T.C. Freire, S. Quaranta, Applied Clay Science 222, 106482 (2022).


quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Estudando fósseis com raios-X

Os fósseis são objetos de grande interesse geológico e biológico devido ao fato de fornecerem informações sobre como era a vida no nosso planeta há milhões de anos. Existem diversas maneiras de se estudar esse tipo de material. Entre as várias metodologias há a possibilidade de se estudar essas amostras utilizando técnicas de caracterização físico-químicas (uma postagem que já discutiu os fósseis nesse blog foi publicada em 11/10/2016). Aqui, em particular, relembramos um trabalho apresentado há 15 anos por um grupo de pesquisadores do Ceará, do Maranhão e de São Paulo, no qual se mostrou que é possível investigar algumas características dos fósseis através de técnicas experimentais de absorção no infra-vermelho e difração de raios-X. Reproduzimos abaixo uma figura de um fóssil da Bacia do Araripe (período Cretáceo) e o resumo da comunicação científica apresentada no LASMAC2007, 1o. Simpósio Latino Americano sobre Métodos Físicos e Químicos em Arqueologia, Arte e Conservação de Patrimônio Cultural, que ocorreu em São Paulo, SP, Brasil, 11 a 16 de julho de 2007, no MASP – Museu de Arte de São Paulo “Assis Chateaubriand”.


Após alguns anos, muitos estudos em fósseis têm utilizado as mesmas técnicas. Um exemplo curioso é o trabalho apresentado na Ref. [1] em que foram investigados coprólitos (fezes fossilizadas) coletadas em dois diferentes locais pertencentes ao Permiano da Era Paleozóica. O primeiro é da Formação Pedra do Fogo, da Bacia do Parnaíba e o segundo é da Formação Rio do Rastro, da Bacia do Paraná. A pesquisa contou com a colaboração de pesquisadores do Maranhão, Piauí, Ceará e Rio Grande do Sul. Nela, forma utilizadas além das técnicas de difração de raios-X e espectroscopia no infravermelho, as espectroscopias Raman e de energia dispersiva. O objetivo do trabalho foi entender os processos de fossilização e tentar discutir aspectos relacionados aos hábitos alimentares dos animais que geraram os referidos coprólitos, provavelmente peixes cartilaginosos. O estudo mostra que embora os fósseis sejam de formações geológicas que se encontram a cerca de 3000 km uma da outra, as fases cristalinas majoritárias e a análise de elementos são semelhantes. As principais fases encontradas foram a hidroxiapatita, a calcita, a sílica e a hematita, indicando que a fossilização aconteceu sob condições similares via processos de silicificação e calcinação.

Figura 1: Coprólitos da (a) Formação Pedra do Fogo e (b) Formação Rio do Rastro [1].

Outro estudo com fósseis da Formação Pedra do Fogo foi realizado com troncos de plantas gimnorpermas [2]. Na região da Formação Pedra do Fogo existem muitos fósseis de plantas que foram preservados na posição de vida. Os troncos fossilizados foram analisados por espectroscopia vibracional (Raman e infravermelho), microscopia eletrônica de varredura (SEM/EDS) e difração de raios-X. Amostras de diferentes localidades foram escolhidas para se identificar e caracterizar compostos dos materiais fossilizados. Os estudos indicaram a presença dominante de sílica e confirmaram que o principal processo de fossilização é a silicificação por quartzo com contribuição adicional do carbono amorfo.
Figura 2: Fósseis de troncos de gimnospermas da Formação Pedra do Fogo [2].

Para encerrar essa rápida discussão sobre o uso dos raios-X no estudo de fósseis, registramos também o trabalho apresentado na Ref. [3]. Nele foram estudados diversos ossos do Eoceno (Período Paleoceno, Era Cenozóica) encontrados na Gruta do Urso Fóssil, no Parque Nacional de Ubajara, Serra da Ibiapaba, no interior do estado do Ceará. Nessa investigação, além das técnicas de difração de raios-X e espectroscopia infravermelho, também foi utilizada a técnica de fluorescência de raios-X. Com essa última metodologia experimental é possível determinar a quantidade dos elementos químicos presentes nas amostras, enquanto que com as outras duas técnicas é possível identificar as substâncias químicas existentes, como já demonstrado.  

Referências:
[1] Physicochemical analysis of Permian coprolites from Brazil, M.I.C. Rodrigues, J.H. da Silva, F.E.P. Santos, P. Dentzien-Dias, J.C. Cisneros, A.S. de Menezes, P.T.C. Freire, B.C. Viana, Spectrochimica Acta A 189, 93 – 99 (2018).
[2] Spectroscopic studies on Permian plant fóssil in the Pedra de Fogo Formation from the Parnaíba Basin, Brazil, D.M. da Conceição, J.H. da Silva, J.C. Cisneros, R. Iannuzzi, B.C. Viana, G.D. Saraiva, J.P. Sousa, P.T.C. Freire, Journal of King Saud University – Science 30, 483-488 (2018).
[3] Spectroscopic characterization of Eoholocene bones found in a cave in Northest Brazil, P.V. Oliveira, M.S.S. Viana, O.A. Barros, P.T.C. Freire, F.I. Bezerra, S.B.S. Gusmão, B.C. Viana, J.H. Silva, Journal of Spectroscopy 2018, Article ID 5039198 (2018).