sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Freeman Dyson

Faleceu hoje, aos 96 anos de idade, o físico inglês Freeman Dyson, que ficou conhecido por várias obras de divulgação científica e pelo seu trabalho em eletrodinâmica quântica, quando unificou as ideias de Sin-Itiro Tomonaga, Richard Feynman e Julian Schwinger.

Em sua obra Perturbando o Universo, Dyson mostra como ele se interessou pela ciência, ainda muito jovem, e enquanto o mundo se acabava numa guerra sem sentido ele resolveu estudar um livro de equações diferenciais, tendo ainda a tenra idade de 15 anos. Perturbando o Universo, aliás, é uma muito feliz tradução para o português do título original Disturbing the Universe. 'Perturbar' significa por um lado, incomodar, mexer com o que está quieto, mostrar que escolhas questionáveis do ponto de vista ético foram feitas; por outro lado, significa - para um físico como Dyson - realizar uma leve alteração num sistema físico e se obter um entendimento aproximado de um fenômeno complexo. Freeman Dyson, como cientista e como cidadão, incomodou e fez grandes descobertas.

Dyson realizou treinamento na Universidade de Cornell em 1947, quando ganhou uma bolsa de estudos para trabalhar com Hans Bethe durante 9 meses. No final deste treinamento, Dyson se aproximou de Richard Feynman e aprendeu com este a sua teoria da eletrodinâmica quântica. Nessa visão bastante particular de Feynman, repleta de representações pictóricas e cheia de intuições físicas diretas, "o elétron faz o que quiser. O elétron viaja no espaço e no tempo de todas as maneiras possíveis. Pode até voltar no tempo sempre que quiser" [1]. Na primavera de 1948 chegou às mãos de Bethe um artigo de S. Tomonaga, da Universidade de Toquio, "Sobre uma formulação relativisticamente invariante da teoria quântica dos campos de ondas", que expunha de uma maneira simples e lúcida, sem qualquer elaboração matemática - nas palavras do próprio Dyson - uma ideia geral sobre uma teoria quântica da eletrodinâmica.

Ao mesmo tempo, Julian Schwinger, da Universidade de Harvard, havia desenvolvido uma teoria matemática bem sofisticada do ponto de vista formal, que explicava o elétron sob a ótica de uma eletrodinâmica quântica. Por sorte, Freeman Dyson conseguiu um convite para participar no verão de 1948 de um curso na Universidade de Michigan, em Ann Arbor, no qual Schwinger exporia as suas ideias sobre a teoria recentemente inventada. Assim, Dyson teve a oportunidade de discutir detalhadamente o formalismo com o seu criador durante as cinco semanas do curso, após o qual percebeu que as teorias de Tomonaga, Feynman e Schwinger eram na verdade facetas diferentes da mesma concepção teórica. Ao terminar o curso de Schwinger e passar duas semanas sem pensar no problema, Dyson conta que "as imagens de Feynman e as equações de Schwinger começaram a se arrumar na minha mente com uma clareza que nunca tinham sido até então. Pela primeira vez, fui capaz de juntá-las. Durante uma hora ou duas, arrumei e rearrumei as partes. Agora sabia que elas combinavam. Não tinha lápis e papel, mas tudo estava tão claro, que não precisava anotar. Feynman e Schwinger estavam apenas vendo o mesmo conjunto de ideias de lados diferentes. Colocando os dois métodos juntos, era possível ter uma teoria da eletrodinâmica quântica que combinasse a precisão matemática de Schwinger e a flexibilidade de Feynman. E depois, finalmente, haveria uma teoria direta do campo intermediário. (...) Passei o resto do dia, enquanto olhava o sol se esconder na planície, delineando na cabeça o trabalho que escreveria quando chegasse a Princeton. O título seria "As teorias da radiação de Tomonaga, Schwinger e Feynman". Desse modo, estaria assegurando que Tomonaga teria a sua porção de glória" [1].

Após essa revelação, Dyson viajou para Princeton, para trabalhar com Robert Oppenheimer. Dyson conta que mostrou o trabalho para Oppenheimer, mas este passou várias semanas sem fazer nenhum comentário. "Eu esperava que ele fosse por o meu trabalho de lado, por ser meramente não-original, uma mera sombra de Schwinger e Feynman. Pelo contrário, ele o achou fundamentalmente no caminho errado. [...] Tinha de algum modo se convencido durante sua estada na Europa, de que a física estava precisando de ideias radicalmente novas, e que essa eletrodinâmica quântica de Schwinger e Feynman era apenas uma outra tentativa desorientada de remendar velhas ideias com que minha luta pelo reconhecimento seria muito mais interessante. Ao invés de discutir com Oppenheimer sobre os méritos duvidosos de meu próprio trabalho,, eu estaria lutando pelo programa inteiro da eletrodinâmica quântica - pelas ideias de Feynman, Schwinger e também as de Tomonaga."

Após convencer o grande Oppenheimer da validade de suas ideias, Freeman Dyson foi contratado pelo Instituto de Estudos Avançados de Princeton, no qual ficou até se aposentar, e mesmo depois. Dyson não ficou restrito à física teórica, mas trabalhou em vários problemas relacionados à matemática pura, à engenharia nuclear, à tecnologia, à astronáutica e à astronomia.

Para encerrar essas poucas linhas em homenagem à Dyson, reproduzimos a seguir uma pequena parte do último capítulo do seu Perturbando o Universo no qual ele, em 1979, discorre sobre a possibilidade de existir uma substância invisível mantendo as galáxias unidas tais como elas se nos apresentam aos telescópios. É interessante notar que nessa época não era comum se falar na possibilidade de existência de substâncias misteriosas como a matéria escura e a energia escura, que algumas décadas depois se tornariam temas centrais de investigação no ramo da astronomia. Eis o texto de Dyson: "Hoje dei uma palestra sobre matemática, somente para peritos. Sou um astrônomo teórico mais à vontade com lápis e papel que com um telescópio. Para mim, uma galáxia não é somente uma grande agregação de estrelas no céu; é um conjunto de equações diferenciais com soluções que se comportam de modos que ainda não entendemos. Falei hoje sobre as equações que se espera descrevam a dinâmica das galáxias. Há aqui um mistério. Quando resolvemos as equações num computador, as soluções mostram as estrelas caindo solidamente em padrões de movimento variáveis. Quando olhamos para verdadeiras galáxias no céu, não vemos estes padrões. Na ciência, uma discrepância deste tipo é sempre um indício importante; significa que algo essencial foi omitido, que alguma coisa nova espera ser descoberta. No caso das galáxias, a discrepância tem duas explicações possíveis. Ou nossa matemática está errada, ou as galáxias são mantidas fixas por alguma concentração enorme de matéria que é invisível aos nossos telescópios. Sustentava esta segunda alternativa. Creio que a matemática esteja certa e que a substância invisível deva estar lá" [1].

Referência:
[1] F. Dyson, Perturbando o Universo, Ed. Universidade de Brasília, Brasília: 1981.


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