quinta-feira, 22 de março de 2012

Titã: um mundo estranhamente familiar

Os satélites naturais dos planetas possuem muitas características interessantes do ponto de vista da Astronomia e da Geologia. A partir da observação do movimento dos satélites em órbita dos planetas, pode-se por exemplo, utilizando-se a terceira lei de Kepler, estimar a massa do planeta. A existência de outros satélites em planeta que não a Lua foi descoberta por Galileu Galilei ao apontar o seu telescópio na direção de Júpiter. Galileu descobriu que Júpiter possuía quatro grandes satélites: Ganimedes, Calisto, Io e Europa. Cada um destes satélites possui algumas características próprias [que discutiremos em outra postagem]. 

Saturno também possui um grande satélite natural, Titã, que foi descoberto em 1655 por Christiaan Huygens. De fato, embora Galileu tenha percebido que Saturno possuía anéis, não conseguiu enxergar com sua humilde luneta o maior satélite natural de Saturno, haja vista que sua magnitude está em torno de + 8,0. Titã foi sobrevoado por vários satélites terrestres, como a Pioneer 11, que confirmou a existência de uma densa atmosfera; a Voyager 1, que detectou na atmosfera a presença de hidrogênio, nitrogênio, argônio e metano. Posteriormente, em 2004-2005, a sonda Cassini/Huygens sobrevoou Titã e uma parte da sonda desceu na atmosfera do satélite, obtendo uma série de preciosas informações. 

O título desta postagem é a tradução livre do título do editorial do Journal of Physical Chemistry A, v. 113, n. 42 (22/10/2009) dedicado ao satélite Titã. Muitas informações são apresentadas nesse número, em particular com resultados das missões Cassini/Huygens. Há muito tempo acredita-se que Titã se assemelhe a uma versão primordial, mas bastante fria, do nosso planeta, em particular pelo fato da atmosfera deste satélite de Saturno possuir notáveis paralelos com a atmosfera da Terra. Com uma pressão de 1,4 bar na superfície, a atmosfera de Titã é composta principalmente por nitrogênio, uma pequena porcentagem de metano, traços de vários outras substâncias, mas pouquíssimo oxigênio. Em virtude da temperatura na superfície ser da ordem de 90 K (- 183 graus centígrados), existe um "ciclo metanológico", em analogia ao "ciclo hidrológico" da Terra. Isso significa que em Titã existem nuvens e chuva de metano. A estratosfera é bem mais quente do que a superfície graças a absorção de radiação solar pelas densas camadas de neblina que desempenham um papel semelhante ao desempenhado pelo ozônio na nossa atmosfera. Estas nuvens impediam a visualização da superfície de Titã até se conseguir imagens de infravermelho e de radar pela sonda Cassini e imagens no visível pela sonda Huygens. Além disso, descobriu-se a existência de dunas formadas por partículas oriundas das precipitações. Também se descobriu a existência de lagos de metano nas regiões polares, principalmente no norte e regiões secas em baixas latitudes. Modelos teóricos sugerem que a seca nas baixas latitudes seja o resultado do transporte de metano atmosférico nas latitudes médias e altas. Outro aspecto geológico de interesse é a existência de rios com profundidade considerável. No momento, diversos grupos de pesquisa tentam entender, além da composição química da atmosfera de Titã, a dinâmica química do ambiente. E com estes estudos, muitas questões surgiram e aguardam respostas: Qual é o estado físico do gelo de água em Titã? Qual é a estrutura dos aerosois de hidrocarbonetos puros potencialmente formados na atmosfera do satélite? Será possível a formação de moléculas biologicamente relevantes na atmosfera de Titã devido ao bombardeio de radiação solar? Qual é a dinâmica das reações e os produtos finais de diversos cátions com o benzeno nas condições da atmosfera do satélite? Quais são os produtos primários e os respectivos mecanismos na reação de átomos de nitrogênios excitados com metano?

É interessante destacar que a sonda Cassini continua a enviar informações a respeito de Titã. Baseado em dados obtidos em 2010, pesquisadores da Inglaterra descobriram a influência de tempestades sobre a topologia do satélite de Saturno. Imagens sugerem a existência de vários campos de dunas próximos ao equador do planeta. Estas imagens indicam que as dunas migram (ou no mínimo se alongam) de oeste para leste, o que sugeriria a existência de ventos superficiais nesta direção. Entretanto, as predições apontam para ventos se deslocando de leste para oeste, o que está em contradição com o movimento das dunas. Para superar esta contradição, os pesquisadores ingleses (Channey et al. 2015) sugeriram que raras tempestades de metano produziriam rápidas ventanias que se moveriam de oeste para leste, sendo determinantes para direcionar o movimento das dunas.

Sugestão de leituras técnicas adicionais:

C.C. Porco et al. Imaging of Titan from the Cassini spacecraft. Nature 434, 159 (2005).
L. Lebreton et al. An overview of the descent and landing of the Huygens probe on Titan, Nature 438, 758 (2005).
E. Stofan et al. The lakes of Titan. Nature 445, 61 (2007)
E.L. Schaller et al Storms in the tropics of Titan. Nature 460, 873 (2009).
E.P. Turtle et al. Rapid and extensive surface changes near Titan's equator: evidence of April showers. Science 331, 1414 (2011).
T. Schneider et al. Polar methane accumulation and rainstorms on Titan from simulations of the methane cycle.  Nature 481, 58 (2012).
C. Newman, Stormy origin of Titan's dunes. Nature Geoscience 8, 334 (2015).
B. Charnay et al., Methane storms as a driven of Titan's dune orientation. Nature Geoscience 8, 362 (2015).

  

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