sexta-feira, 23 de julho de 2021

Oumuamua

Oumuamua na língua dos havaianos significa "batedor", ou seja, aquele que vai à frente averiguando a estrada e abrindo caminho para os companheiros que vêm logo atrás. Esse foi o nome escolhido para se batizar um objeto, que à princípio parecia ser um cometa, mas posteriormente foi reclassificado como um asteróide, e finalmente como um objeto interestelar. Ele foi descoberto por Robert Weryk em 19 de outubro de 2017 utilizando o telescópio Panoramic Survey Telescope and Rapid Response System (Pan-STARRS) quando ele se encontrava a cerca de 30 milhões de quilômetros da Terra. Ele tem como característica apresentar uma órbita altamente hiperbólica, com excentricidade de 1,2, o que significa que com certeza é um objeto oriundo de fora do Sistema Solar. Por conta disso ele foi classificado como asteróide hiperbólico, sendo o primeiro dessa nova classe de objetos celestes (um segundo objeto com órbita hiperbólica [e=3,36] foi descoberto em 2019, 2I/Borisov, sendo claramente identificado como um cometa devido a expulsão de gases CN).

Outra característica interessante do Oumuamua é a sua velocidade relativamente elevada de ~ 26 km/s no espaço interestelar e que aumenta para mais de 80 km/s no ponto de maior aproximação do Sol. De acordo com as primeiras observações, o objeto teria o formato de um charuto com 400 metros de comprimento e aproximadamente 40 metros de largura. Os cálculos posteriormente indicaram que ele pode ser menor. De qualquer forma, observou-se que a razão entre o comprimento e a largura, a razão entre os eixos, pode estar compreendida entre 5:1 a 10:1. Essa razão é maior do que a de qualquer objeto conhecido do sistema solar, sendo uma possível justificativa para esse dado a erosão ao longo do tempo. A hipótese inicial mais provável, ou pelo menos a que a maioria dos astrônomos acreditava, é que se tratava de um pedaço de cometa. Mas um mistério adicional é qual seria a composição do gelo para fornecer a força suficiente para explicar a aceleração não gravitacional devido à sublimação, ao mesmo tempo em que nenhum gás ejetado era detectado. Entretanto, um artigo publicado por astrônomos da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, sugeriu uma diferente origem para o Oumuamua, na verdade sugeriu uma origem artificial para ele, e um estudo mais recente ainda sugere que seja o pedaço de um exoplaneta. 

1. Pedaço de um cometa/ iceberg de gelo: 

A hipótese de que Oumuamua seria um pedaço de cometa é devido ao fato de ter sido detectado aceleração não gravitacional associada ao objeto. Essa aceleração normalmente está associada com atividades cometárias. Ocorre que não foi observada nenhuma cauda característica de cometas, nenhuma linha de absorção ou emissão de gases [1, 2]. Uma hipótese similar é que Oumuamua fosse um iceberg de hidrogênio, uma vez que gelo H2 poderia ser formado em nuvens moleculares, embora essa nuvens deveriam ter alta densidade de gás. De fato, baseado em dados sobre a composição e a magnitude da aceleração não gravitacional, entre outros, os autores da Ref. [3] sugeriram que Oumuamua seria um cometa composto por gelo de hidrogênio molecular com o formato oblato e dimensões de 115 m x 111 m x 19 m. Contra essa hipótese está o fato de que cálculos mostram que um corpo constituído por hidrogênio experimentaria uma rápida erosão durante a sua viagem no meio interestelar. Sendo formado apenas por hidrogênio, e mesmo tendo ele uma dimensão de vários quilômetros de diâmetro, ele sofreria uma erosão completa num tempo inferior a 100 milhões de anos.

2. Sonda alienígena:

Percebendo que os estudos iniciais, tanto teóricos quanto observacionais, mostravam de uma forma clara que Oumuamua não se tratava de um cometa ativo, os autores da Ref. [4] sugeriram a possibilidade do excesso de aceleração ser o resultado da pressão de radiação solar. Nesse trabalho os autores fazem um cálculo e descobrem que se o objeto tiver uma relação massa/área da ordem de 0,1 g/cm2, seria possível a fabricação de uma sonda extremamente fina, entre 0,3 e 0,9 mm, que teria a vantagem de poder sobreviver a viagens interestelares a distâncias de até 5 kpc, resistindo a colisões com moléculas de gás, grãos de poeira e a tensões rotacionais e forças de maré. Em outras palavras, os autores sugerem que o objeto seja artificial, construído por uma civilização alienígena, enviada especificamente para investigar o sistema solar [5]. Para fortalecer ainda mais as suas suposições, discorrendo com mais detalhes a ideia do veleiro solar leve (light sail), um dos autores da Ref. [4] lançou em janeiro de 2021 o livro "Extraterrestrial: The First Sign of Intelligent Life beyond Earth" [5], que poderia ser traduzido para 'Extraterrestre: O Primeiro Sinal de Vida Inteligente além da Terra'. 

O livro de Loeb é para um amplo público. Ele começa poeticamente da seguinte forma: "Bem antes de sabermos de sua existência, o objeto estava viajando ao nosso encontro vindo da direção de Vega, uma estrela distante apenas vinte e cinco anos luz. Ele interceptou o plano orbital, no qual todos os planetas em nosso sistema solar se movimentam em torno do Sol, em 6 de setembro de 2017. Mas a trajetória extremamente hiperbólica do objeto garantiu que ele apenas visitaria, não ficaria. Em 9 de setembro de 2017, o visitante atingiu o seu perihélio, o ponto em que sua trajetória chega mais próximo do Sol. Depois disso ele começou a sair do sistema solar; sua velocidade - relativa à nossa estrela, era de cerca de 94.700 quilômetros por hora - mais do que o suficiente para escapar da gravidade solar. Ele passou pela distância orbital de Vênus ao Sol em 29 de setembro e pela distância orbital da Terra ao Sol em 7 de outubro, movendo-se rapidamente em direção à constelação de Pegasus e à escuridão além."

A possibilidade de uma sonda direcionada não pode ser descartada, é instigante, mas há outra possibilidade ainda.

3. Pedaço de um exoplaneta: 

Num artigo publicado esse ano, os autores argumentam que Oumuamua trata-se de parte de um planeta semelhante a Plutão, mas só que de um outro sistema planetário. Quando ele se aproximou do Sol, o corpo gelado do objeto se evaporou, fazendo com que ele se acelerasse, num efeito similar àquele do combustível de um foguete [6, 7]. 

Os autores da Ref. [6] realizaram cálculos da aceleração não gravitacional que seria experimentada por corpos compostos por uma gama de diferentes tipos de gelo e demonstraram que um corpo composto por gelo de nitrogênio, N2, satisfaria as restrições na aceleração não gravitacional, tamanho, albedo e falta de emissão detectável de CO, CO2 ou poeira. De acordo com os autores, Oumuamua tinha dimensões de 45 m x 44 m x 7,5 m quando observado a 1,42 unidades astronômicas do Sol,com um albedo de 0,64. Esse albedo é consistente com as superfícies ricas em N2 como Plutão e Tritão. Os autores ainda fazem uma estimativa de que Oumuamua foi expulso há cerca de 400 a 500 milhões de anos de um jovem sistema estelar, possivelmente do braço de Pegasus. Objetos como esse poderiam servir para se investigar diretamente as composições da superfície de um tipo novo de exoplaneta não observado: os exoplutões.

Os autores da Ref. [6] lembram ainda que mais de 98% da superfície de Plutão é coberta de gelo de N2 (nitrogênio), com CH4 e CO constituindo o restante do material da superfície. A quantidade de gelo na Planície Sputnik em Plutão é equivalente a uma camada global de 200 a 300 m de espessura desse tipo de gelo. Já a superfície de Tritão, acredita-se, possua uma camada de gelo de N2 com espessura entre 1 e 2 km. Isso sugere que é muito provável que outros planetas fora do sistema solar também possuam uma superfície rica em nitrogênio. Isso seria uma das justificativas para a hipótese de Oumuamua ser um corpo fundamentalmente composto por nitrogênio sólido.

Os cálculos apresentados na Ref. [6] são interessantes e relativamente sofisticados. Levando em consideração o formato do objeto, as dimensões, bem como o albedo, além de transformar esse último parâmetro para um raio médio do objeto, assumindo o formato 6:6:1, os autores fazem uma predição para a aceleração não gravitacional devido à sublimação e à ejeção de matéria, admitindo-se o corpo sendo constituído por um desses compostos: CO2, NH3, O2, N2, CO, CH4 e Ne. Os dados experimentais são compatíveis com N2.

Adicionalmente, os autores da Ref. [6] acreditam que talvez, surpreendetemente como eles mesmos afirmam, um fragmento de gelo N2 possa sobreviver à passagem pelo perihélio a uma distância de apenas 0,255 ua (cerca de 38,25 milhões de quilômetros), em parte porque o resfriamento evaporativo mantém a superfície com uma temperatura inferior a 50 K. Ou seja, apesar de Oumuamua ter passado mais perto do Sol do que a órbita de Mercúrio, a superfície do objeto manteve-se tão baixa como aquela de Plutão. Contudo, a volatilidade do N2 levou a uma significativa perda de massa segundo os autores da Ref. [6]: sua passagem pelo sistema solar o deixou com apenas 8% da massa que ele possuía ao chegar. Isso explicaria também o aspecto exótico do seu formato.

Essas são as hipóteses mais discutidas nos últimos anos sobre o que Oumuamua realmente seja. Mais estudos certamente poderão ajudar a entender melhor o que seja esse interessante objeto astronômico, principalmente se um outro com características semelhantes adentrar no sistema solar e puder ser estudado com mais cuidado. 

[1] Knight, M. M., Protopapa, S., Kelley, M. S. P., et al. 2017, ApJL, 851, L31.

[2] Jewitt, D., Luu, J., Rajagopal, J., et al. 2017, ApJL, 850, L36.

[3] D. Seligman, G. Laughlin, Acta Pathologica Japonica, 896(1), L8. https://doi.org/10.3847/2041-8213/ab963f. 

[4] S. Bialy, A. Loeb, 2018, ApJL, 868:L1

[5] A. Loeb, "Extraterrestrial: The First Sign of Intelligent Life beyond Earth", Houghton Mifflin Harcourt: Boston, New York, 2021.

[6] A.P. Jackson, S.J. Desch, JGR Planets, 10.1029/2020JE006706.

[7] A.P. Jackson, S.J. Desch, JGR Planets, 10.1029/2020JE006807.

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