quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Superfície de Marte

       Existem diversas evidências de que grandes modificações na superfície do planeta Marte sejam devidas ao movimento de gelo ou materiais contendo gelo, principalmente em médias latitudes. Estudos realizados há algum tempo pela nave orbital Viking identificaram formas geomórficas que foram interpretadas como sendo oriundas de fluxo viscoso de materiais ricos em gelo. Supõe-se inclusive que deva existir gelo quase puro, sem muita impureza, debaixo de detritos [1]. 

       Para continuar a discussão é interessante citar os principais períodos geológicos de Marte, quais sejam, Pre-Noachian, Noachin, Hesperian e Amazônico (que ainda é subdividido em Recente, Médio e Antigo). O período Amazônico é o período atual e se estende até cerca de 3 bilhões de anos atrás. Esse período tem o seu nome originado da Planície Amazônia (Amazonis Planitia), que é uma região da superfície marciana com um número pequeno de crateras. 

          Acredita-se que o grau de preservação de depósitos de gelo variem nas latitudes médias de acordo com a própria latitude, a elevação e a topografia. No artigo da Ref. [1], por exemplo, os autores investigam Detalhes de Fluxo Viscoso (Viscous Flow Features, VFF) na parte noroeste do Nereidum Montes, que fica localizado em latitudes médias do hemisfério sul. Os autores procuram entender quatro aspectos principais: (1) o porquê dessa região possuir uma grande concentração de VFF; (2) qual é a concentração de gelo; (3) quando e como eles foram formados; (4) como esses VFF podem ser comparados com aqueles de outras regiões.

Figura 1: Vista da planície Argyre e dos Nereidum Montes (coloração artificial, Ref. [1]).

         O Nereidum Montes é um arco montanhoso com elevações que chegam até 4000 m. No trabalho da Ref. [1] os autores utilizaram diversos equipamentos, como o High Resolution Imaging  Science Experiment (HiRISE) para imagens detalhadas do mapeamento geomorfológico; o MRO Shallow Radar (SHARAD) para análise da subsuperfície e o MGS, o MOLA e o DEM para análise topográficas. Os estudos por mapeamento e radar indicam que o Nereidum Montes pode ser uma das regiões mais ricas em gelo nas latitudes médias marcianas no hemisfério sul Modelos sugerem que a deposição de gelo no Nereidum Montes provavelmente ocorreu na Época Amazônica Recente (Late Amazonian) durante período de alta obliquidade, enquanto que o seu escorregamento, que deixou marcas VFF no terreno, ocorreu há poucos milhões de anos. Os autores da Ref. [1] acreditam que devido ao grande número dessas marcas na região do Nereidum Montes, ele contenha uma provisão de gelo potencialmente maior do que em outras regiões de altas concentrações.

           Muitos esforços já foram realizados para se obter um entendimento acerca do planeta Marte de uma forma mais aprofundada. Em 1971 a espaçonave Mariner 9 orbitou o planeta. Em 1975, através das missões Viking, um equipamento foi colocado na superfície do planeta. Em 2018, existiam seis diferentes satélites orbitando o planeta (Mars Reconnaissance Orbiter, Mars Express, Mars Odyssy, Mars Atmosphere and Volatile Evolution, Mars Orbiter Mission and ExoMars Trace Gas Orbiter). Para obter dados sobre o planeta vermelho foram enviados veículos robôs (rovers) que coletaram uma grande gama de imagens e informações. Um deles foi o Spirit, que pousou na cratera Gusev e ficou ativo entre 03 de janeiro de 2004 e 22 de março de 2010. Outro foi o Opportunity, que aterrisou no Meridiani Planum em 25 de janeiro de 2004 e ficou ativo até 10/06/2018, quando ficou encoberto por uma tempestade de poeira, danificando as suas baterias. O terceiro foi o Mars Science Laboratory Curiosity (que pousou na cratera Gale e operou entre 2012 e 2019), todos da Nasa. À propósito, diversas belas imagens da superfície do planeta obtidas pelo Opportunity e pelo Curiosity podem ser vistas no YouTube, utilizando-se o seguinte endereço: https://www.youtube.com/watch?v=ZEyAs3NWH4A.   

           No artigo da Ref. [2] os autores fazem uma revisão dos estudos sobre o clima de Marte próximo à superfície, com ênfase nos ciclos de poeira, CO2 e água e o impacto sobre as condições termodinâmicas próximas da superfície. Alguns dos parâmetros fornecidos: opacidade da atmosfera, pressão atmosférica, temperatura do ar próximo à superfície, temperatura do solo, velocidade e direção do vento próximo à superfície, humidade relativa do ar próximo à superfície e quantidade de vapor d'água. Numa escala global, a circulação atmosférica marciana sofre forte influência da sublimação e deposição sazonal de gás carbônico a altas latitudes. A inclinação do planeta (25,2 graus) e a grande excentricidade (e=0,0934) da órbita faz com que o hemisfério sul tenha verões mais quentes e curtos e invernos mais frios e longos do que o do hemisfério norte. Além do ciclo do CO2, o ciclo de poeira tem um forte impacto na atmosfera marciana. Grandes quantidades de poeira são transportadas na atmosfera de Marte. As tempestades de poeira mais fortes ocorrem durante a primavera e o verão do hemisfério sul [3]. Acrescenta-se que eventos regionais de poeira também acontecem durante a primavera e o verão do hemisfério norte, mas eles são menos eficientes no aumento da opacidade de poeira do que os seus equivalentes do hemisfério norte. Marte também apresenta um forte ciclo H2O sazonal no qual a água é trocada entre a superfície e a atmosfera através de diversos processos, e então redistribuído na atmosfera. Os reservatórios de água sazonal incluem gelo de água nas calotas polares, gelo superficial ou subsuperficial em regiões de altas latitudes e possivelmente soluções salinas líquidas sob a superfície.

        No que diz respeito à pressão atmosférica de Marte, os pesquisadores apontam que muitos processos definem as variações da pressão em sua superfície. Em escalas de tempos longas, denominadas escalas sazonais, variações na massa atmosférica devido à condensação e sublimação sazonal das calotas polares, composta principalmente por CO2, produz grande variação de pressão [2]. Em escala de dias a meses, a circulação tropical e ondas estacionárias são fatores dominantes na variação desse parâmetro. Há também modificações na pressão em escalas de tempo diurna e em escalas de tempo variando entre uns poucos segundos a alguns minutos. O valor da pressão atmosférica em Marte varia entre 650 e 1050 Pa [2], ou seja, cerca de 1% da pressão atmosférica da Terra (101,3 kPa). No que diz respeito à água, há grandes reservatórios dessa substância como gelo e vapor em Marte, embora água líquida pura seja improvável de ser encontrada sobre a superfície do planeta. Entretanto, a presença de gelo de água sob a superfície em latitudes médias e em regiões polares e também a existência de percloratos nos solos polares e equatoriais pode permitir que ele liquefaça o gelo marciano em algumas situações, produzindo água salgada líquida [2].

          Essas e muitas outras informações foram obtidas a respeito da superfície de Marte com o uso de diversos equipamentos colocados na sua superfície, como comentado anteriormente, bem como de dados obtidos por diversos satélites que circulam em órbita do planeta. Brevemente, novos dados estarão disponíveis através da missão Perseverance. Hoje, 18/02/2020, chegou à Marte, mais precisamente na cratera Jezero - que possui 40 km de diâmetro e 500 m de profundidade - o rover Perseverance, que foi lançado da Terra em 30/07/3030. Esse equipamento fornecerá informações ainda mais precisas sobre a constituição do planeta, em particular fazendo testes delicados sobre a existência ou não de vida. Entre os equipamentos, estará um espectrômetro Raman, que fará análise do solo e tentará encontrar evidências de matéria orgânica sob a superfície do planeta. A primeira foto da superfície, tirada há poucos minutos, é apresentada abaixo.


Figura 2: Primeira foto da superfície marciana tirada pela Perseverance, há poucos minutos (18/02/2021). [Hello, world. My first look at my forever home. #CountdownToMars].


[1] D.C. Berman, F.C. Chuang, I.B. Smith, D.A. Crown, Ice-rich landforms of the southern mid-latitudes of Mars: A case study in Nereidum Montes, Icarus 355, 114170 (2021).

[2] G.M. Martínez et al., The modern near-surface Martian climate: a review of in-situ meteorological data from Viking to Curiosity, Space Science Reviews 212, 295 - 338 (2017).

[3] L. Montabone, F. Forget, E. Millour, R.J. Wilson, S.R. Lewis, D. Kass, A. Kleinboehl, M.T. Lemmon, M.D. Smith, M.J. Wolff, Eight-year climatology of dust optical depth on Mars. Icarus 251, 65–95 (2015).


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