A fossilização
é um processo no qual animais e plantas ficam preservados na forma de minerais
após milhões de anos. De uma forma geral, após a morte, o organismo fica
sujeito à atuação de uma grande variedade de processos microbiológicos, culminando
com a sua decomposição em um curto intervalo de tempo. Entretanto, em condições
especiais, como aquelas encontrados em ambientes com ausência de fungos e
bactérias, podem ocorrer outros processos nos quais o acúmulo gradual de
sedimentos induz a substituição de substâncias orgânicas do resto do ser vivo
por minerais diversos. Isso
permite que a forma do corpo seja preservada.
Os fósseis são encontrados
em diversas partes do mundo. O Brasil, em particular, possui uma das mais
importantes fontes de fósseis do Período Cretáceo, ou seja, o período geológico
que gira em torno de 100 milhões de anos atrás. Esses fósseis são encontrados
na Chapada do Araripe, uma região localizada ao sul do Ceará, compreendendo
também áreas dos estados de Pernambuco e do Piauí (Figura 1). Nos últimos 10 anos uma
série de estudos aplicando técnicas análise de materiais foi aplicada aos
fósseis da Chapada do Araripe, no Cariri, incluindo difração de raios-X,
espectroscopia infravermelho, espectroscopia Raman e fluorescência de raios-X. Outras
técnicas físicas também têm sido utilizadas, como a tomografia de raios-X, que
será resumidamente discutida mais abaixo (embora ainda não tenha sido utilizada na
análise de fósseis do Cariri).
Figura 1: Perfil da Chapada do Araripe, mostrando todas as formações geológicas constitutivas [1].
Difração de raios-X:
A difração de raios-X é uma
poderosa técnica experimental para se determinar o tipo de material que está sendo investigado. Consiste no envio de uma radiação (luz) com comprimento de onda
tipicamente da ordem de 0,01
a 0,1 nm sobre uma amostra e, após a interação desta
radiação com a matéria, o espalhamento da mesma em várias direções. A radiação
espalhada contém informação a respeito dos planos cristalinos do material.
Desta forma, indiretamente, pode-se determinar qual o material que está produzindo
o espalhamento da radiação (o fenômeno é denominado de ‘difração’ porque é como
se a radiação fosse difratada pelos planos cristalinos). Esta técnica possui
aplicação em várias áreas da ciência, incluindo aí a paleontologia.
Para
exemplificar a aplicação do uso da difração de raios-X no estudo de fósseis,
consideremos a análise por difração de raios-X do peixe Rhacolepis bucalis, cujas fotos
são apresentadas na Figura 2. A
Figura 3 apresenta uma fotografia do nódulo do qual o fóssil foi retirado, bem
como o padrão de difração das escamas extraídas do peixe fossilizado, que aparecem como picos. O padrão
de difração do CaCO3 (carbonato de cálcio) está
representado pelas barras verticais retiradas de um banco de dados de
difratômetros de raios-X. Essa comparação permite mostrar que existe uma boa
concordância entre o resultado experimental aqui apresentado e o padrão do
banco de dados, sugerindo que o carbonato de cálcio é a fase cristalina
predominante na escama. Entretanto, existe uma outra fase que está representada
pela setas que estão marcando picos de baixa intensidades. Tal fase que pode
ser considerada secundária, corresponde - novamente fazendo-se a comparação com
um banco de dados - a uma fase cristalina de fosfato de cálcio
hidróxido, Ca5(PO)4.(OH). Assim, pode-se considerar
que as escamas do peixe fossilizado são predominantemente formadas por carbonato
de cálcio e fosfato de cálcio hidróxido, indicando que o processo de
fossilização ocorreu principalmente por calcificação. Isso indica que o ambiente encontrado há cerca de 100 milhões de anos tinha caráter alcalino, o que propiciou a precipitação de carbonato de cálcio em torno das estruturas orgânicas.
Figura 2: Fotos do peixe Rhacolepis bucalis oriundo da Formação Romualdo, da Chapada do Araripe, no estado do Ceará.
Figura 3: Nódulo do qual foi extraído o fóssil do peixe Rhacolepis bucalis e difratograma de raios-X das escamas [8].
Um outro exemplo de estudo
no qual a difração de raios-X foi importante para determinar os constituintes
dos fósseis diz respeito a peixes da Formação Ipubi, também localizada na
Chapada do Araripe. Os fósseis correspondiam às espécies de Cladocylcus gardneri e Vinctifer comptoni. O estudo investigou
tanto os fósseis quanto as matrizes nos quais eles foram encontrados. Dos dados
de difração de raios-X observou-se no fóssil do Cladocylcus gardneri a presença de fases da calcita e da
hidroxiapatita, além de pequenos traços de pirita e de quartzo. Na matriz que
continha o fóssil foi observada a presença de calcita, quartzo e pirita. Em
relação ao fóssil de Vinctifer comptoni
observou-se predominantemente uma fase de hidroxiapatita, entquanto que na
matriz foi detectada a presença de gipsum, calcita, pirita e quartzo. É
interessante notar a diferença de fases dominantes das duas matrizes, o que
sugere que as fossilizações ocorreram em diferentes períodos climáticos. A
coloração mais clara da matriz do Vinctifer
comptoni sugere, entre outras possibilidades, a ocorrência de períodos de
seca durante o Cretáceo, o que resultou na evaporação de água causando a
mortalidade de peixes devido ao aumento da salinidade. Assim, uma possível
explicação para a morte dos peixes na Formação Ipubi seria essa mudança de
salinidade.
A espectroscopia Raman é
uma técnica espectroscópica na qual a luz monocromática de um laser interage
com a matéria e a luz espalhada devido à interação luz - matéria contém informação sobre as propriedades
vibracionais do material. Essa luz espalhada pode ser registrada e analisada por intermédio de um espectrômetro. A grande vantagem da espectroscopia Raman, além de ser uma técnica não destrutiva, é o fato de que cada material, cada substância, possui um espectro Raman característico, funcionando como uma impressão digital. Isso é muito importante para pessoas que trabalham com temas relacionados à Geologia, História, Ciências Forenses, Arqueologia e Paleontologia (a espectroscopia Raman também desempenha um papel muito importante na Física e na Química, mas esse ponto não será discutido aqui). No que diz respeito à arqueologia, por exemplo, é possível investigar substâncias diversas como cerâmicas [rochas artificiais obtidas da queima de diversos materiais], esmaltes [substratos contendo uma grande porcentagem de fase vítrea], vidros, tintas, resinas, pergaminhos, etc. No que diz respeito à geologia, os minerais que compõem as rochas podem ser inferidos. Quando a substância é pura, é fácil fazer a identificação comparando o seu espectro com um banco de dados. Entretanto, o problema pode ficar mais complexo: embora existam cerca de 4000 minerais, a quantidade de soluções sólidas, ou o número de composições possíveis é, teoricamente, infinito. Por exemplo, o
grupo da granada com estrutura Ca3Al2Si3O12 pode ter átomos substituídos por Fe2+,
Fe3+, Na2+, Mn2+, Mn3+, P5+,
Ti4+, Sn4+, V3+, Zn2+, entre
outros, fornecendo um imenso número de possibilidades.
Apesar das dificuldades, é possível realizar uma boa análise dos minerais. Os fósseis, como consequência, são potenciais materiais que podem ser investigados pela técnica de espectroscopia Raman. A técnica pode ser utilizada de uma forma analítica ou então como metodologia auxiliar a outras técnicas experimentais como a difração de raios-X. No caso dos fósseis, ao invés de se utilizar um sistema de análise dispersivo separando a luz espalhada pela amostra em análise através de uma grade de difração, usa-se um sistema de espectroscopia por transformada de Fourier com um laser emitindo no infravermelho (geralmente a linha 1064 nm de um laser de Nd:YAG) e um detector de Ge de alta sensibilidade refrigerado com nitrogênio líquido. O laser emitindo no infravermelho previne que moléculas ou átomos sejam excitados para seus mais baixos estados eletrônicos e produzam, devido à relaxação para os estados fundamentais, uma banda larga de fluorescência. Se tal banda de fluorescência é produzida, o sinal devido ao espalhamento Raman fica bastante difícil de ser observado, ou mesmo desaparece completamente.
Apesar das dificuldades, é possível realizar uma boa análise dos minerais. Os fósseis, como consequência, são potenciais materiais que podem ser investigados pela técnica de espectroscopia Raman. A técnica pode ser utilizada de uma forma analítica ou então como metodologia auxiliar a outras técnicas experimentais como a difração de raios-X. No caso dos fósseis, ao invés de se utilizar um sistema de análise dispersivo separando a luz espalhada pela amostra em análise através de uma grade de difração, usa-se um sistema de espectroscopia por transformada de Fourier com um laser emitindo no infravermelho (geralmente a linha 1064 nm de um laser de Nd:YAG) e um detector de Ge de alta sensibilidade refrigerado com nitrogênio líquido. O laser emitindo no infravermelho previne que moléculas ou átomos sejam excitados para seus mais baixos estados eletrônicos e produzam, devido à relaxação para os estados fundamentais, uma banda larga de fluorescência. Se tal banda de fluorescência é produzida, o sinal devido ao espalhamento Raman fica bastante difícil de ser observado, ou mesmo desaparece completamente.
Para exemplificar esta técnica, vamos considerar a análise de dois peixes fósseis de uma espécie extinta, o celacanto, recolhidos das formações Romualdo e Brejo Santo, ambas da Chapa do Araripe [7]. A Figura 6 apresenta os espectros Raman dos fósseis e matrizes das duas formações geológicas especificadas acima. No caso da Formação Romualdo observa-se que os espectros do fóssil e da matriz são muito similares. A diferença entre os dois espectros basicamente se resume a uma banda em 969 cm-1 ('centímetro a menos um' é uma unidade de energia usada pelos espectroscopistas) que foi identificada como originária de uma vibração de estiramento do grupo PO4 pertencente à substância hidroxiapatita.
Na
matriz do celacanto retirado da Formação Brejo Santo foram observados picos no
espectro Raman em 157, 468 e 1091 cm-1. O primeiro e o último estão
associados à calcita, mas o observado em 468 cm-1 não. Na verdade, fazendo-se uma busca
nos picos mais intensos de minerais mais prováveis de serem encontrados no solo
da referida formação geológica, descobre-se que este pico deve estar associado
com uma vibração da estrutura Si – O – Si. Contando também com a análise de
difração de raios-X (que não é discutida neste texto) descobre-se que a
vibração é oriunda de átomos do quartzo. No que diz respeito ao espectro do
fóssil do celacanto da Formação Brejo Santo propriamente dito, percebe-se que a
sua qualidade não é boa, apresentando um intenso espalhamento. Também é
possível observar um pico em 969 cm-1 que está associado à hidroxiapatita;
consequentemente, percebe-se que esta substância deve ser a principal
constituinte do fóssil encontrado na Formação Brejo Santo.
Figura 6: Espectros Raman de fósseis de celacanto do Período Cretáceo oriundos de duas formações geológicas da Chapada do Araripe [7].
Outro
interessante exemplo do uso da técnica de espectroscopia Raman no estudo de
fósseis é o da investigação dos constituintes de um fóssil Brachyphyllum castilhoi proveniente da Formação Ipubi da
Chapada do Araripe. A análise realizada através de espectroscopia infravermelha
mostrou a existência de uma vibração devido aos átomos Fe – S. Isso sugere
fortemente a presença de pirita, FeS2. Na Figura 5 é mostrada a
presença de bandas localizadas em 342 cm-1 e em 377 cm-1 que são exatamente devidas à vibração
do tipo S – S. Ora, se pirita está presente numa determinada amostra significa
é esperado que vibração do tipo Fe – S apareça nos espectros infravermelho e
vibrações do tipo S – S apareçam no espectro Raman. Assim, com esse resultado
descobriu-se que o fóssil de Brachyphyllum
castilhoi apresenta uma
quantidade razoável de pirita. Além disso, na parte do fóssil representada pela
letra C também é possível notar-se a presença de outras substâncias (que não
serão discutidas aqui) por causa da presença de outros picos. É interessante
lembrar também que a pirita é formada naturalmente, sob condições marinhas, em
ambientes com pH entre 6 e 9, e estando o ferro disponibilizado na forma de
óxido. Todos esses resultados, resumidamente, indicam que a piritização também
parece ter desempenhado um importante papel na fossilização de espécimes da
Bacia do Araripe, ou pelo menos, na Formação Ipubi. Além disso, a descoberta sugere um antigo ambiente com características marinhas, próprio de águas relativamente profundas.
Figura 7: Espectros Raman de várias partes de um fóssil de Brachiphyllum castilhoi tendo em destaque a região onde aparecem bandas associadas à vibrações da pirita [1].
Espectroscopia no infravermelho:
Também é possível realizar medidas de espectroscopia de infravermelho (IR). Entre vários métodos pode-se preparar as amostras produzindo pelotas de amostras e prensadas com KBr. Esse método tem a desvantagem de necessitar destruir a amostra (no caso, o fóssil) ou pelo menos subtrair um pequno pedaço. A amostra é colocada e dispersa numa matriz de KBr, que é transparente ao IR. Todo esse material é compactado para análise de absorção de transmissão no IR. Embora a compactação da amostra da amostra com KBr seja bastante prático para analisar pequenas quantidades de amostra, alguns problemas podem surgir, como aglomeração de partículas, absorção de água e efeitos de tamanho de partícula, entre outros. Esse problemas podem fazer com que a análise não seja quantitativamente confiável, como apontado por diversos autores. Obviamente, há várias maneiras de se minimizar esses inconvenientes, como a redução do tamanho das partículas para dimensões inferiores a 2 microns, a minimização da absorção de água pelo KBr aquecendo-o a temperaturas superiores a 110 graus Celsius e o cuidado na homogeneização da amostra e do KBr. Pode-se preferir também, para evitar tais dificuldades, utilizar-se métodos de reflectância, incluindo a espectroscopia por transformada de Fourier no infravermelho de reflectância difusa (DRIRFT) e espectroscopia de reflectância total atenuada de infravermelho (IR-ATR). Em um outro local discutiremos detalhadamente essas técnicas.
Tomografia de raios-X:
Um problema relacionado ao estudo de fósseis diz respeito à extração do exemplar das rochas que os contêm. A maneira convencional de se atacar esse problema é remover a rocha do fóssil, ou mecanicamente, utilizando agulhas metálicas e brocas, ou através de substâncias química, como o ácido acético que às vezes é utilizado para remover o carbonato de cálcio de fósseis com fosfatos. Obviamente, ambas as alternativas podem danificar os espécimes, em especial aqueles que possuem estruturas bem delicadas. O problema é que estas técnicas não permitem o estudo de anatomias internas. Para resolver esta dificuldade utiliza-se a tomografia que permite a criação de modelos tridimensionais a partir da superposição de uma sequência de imagens bidimensionais.
As reconstruções digitais de fósseis - os denominados fósseis virtuais - fornecem uma interessante maneira de estudar a morfologia dos espécimes. As vantagens em relação a modelos físicos tridimensionais é que podem ser vistos (utilizando-se softwares apropriados) a partir de qualquer posição, dissecados e serem coloridos para se escolher ou destacar determinadas estruturas. Tais reconstruções digitais são conseguidas exatamente com a técnica de tomografia de raios-X.
A tomografia de raios-X é uma técnica bastante interessante para estudar fósseis tridimensionais, especialmente aqueles cujas anatomias das partes moles foram preservadas. Essa técnica pode ser utilizada com tecnologias de varredura como metodologias auxiliares, incluindo a tomografia de nêutrons, imagens de ressonância magnética e tomografia computadorizada de raios-X. Embora existam muitos fósseis tridimensionais, a preservação de partes moles se dá em sua maioria, apenas nos depósitos langerstätten, isto é, depósitos com fósseis de excepcional preservação (Por exemplo, a chapada do Araripe é considerada um langerstätten para fósseis do Período Cretáceo). O problema com os fósseis que ainda contêm partes moles é o fato de que o acesso a essas partes deve superar a estrutura sólida que o contém. Isso pode ser feito por alguns métodos como a dissolução da matriz. Entretanto, mesmo assim, o interior da parte mole do fóssil continua inacessível e para se conseguir enxergar o seu interior é necessário utilizar a tomografia.
Figura 8: Reconstrução e restauração digital de um fóssil a partir de imagem obtida por tomografia de raios-X [2].
Referências:
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