sábado, 15 de dezembro de 2012

Kepler e os primórdios da teoria da gravitação

   As estrelas e principalmente os planetas aparentemente apresentam movimentos bastante complexos. Os antigos viam que Mercúrio e Vênus apareciam sempre após o por do sol ou antes da alvorada. Já Marte, Júpiter e Saturno podiam ser vistos a qualquer hora da noite, além de em alguns momentos do seu lento movimento darem um "laço" ao fundo das estrelas fixas. Estas últimas, na verdade, não eram fixas, visto que ao longo do ano elas se movimentavam em conjunto, mantendo sempre as distâncias entre elas. Como aparentemente os movimentos eram periódicos, assim como o era as fases da Lua, pensou-se que seria possível descobrir modelos que descrevessem os movimentos dos corpos celestes, em particular, o movimento dos planetas. A hipótese básica de quase todos os modelos era que a velocidade angular dos astros era constante (ver nesse blog O movimento dos planetas). Para fazer frente a essa hipótese incorreta, os modelos matemáticos, principalmente o modelo de Ptolomeu, exigiu uma quantidade bastante grande e sofisticada de engrenagens. O próprio modelo de Copérnico também era composto por um número imenso dessas engrenagens, as orbes. Quem primeiro percebeu que o movimento dos astros não se dava com a velocidade angular constante foi o astrônomo e matemático alemão Johannes Kepler, baseado em dados experimentais de grande qualidade. Assim, tendo em mãos ótimos dados experimentais e usando sua monstruosa capacidade de abstração, Kepler conseguiu determinar as leis que regem o movimento dos planetas, e que descreveremos de forma sucinta a seguir.
 
   Kepler herdou as tabelas e dados minuciosamente obtidos ao longo da vida pelo astrônomo dinamarquês Tycho Brahe. Esses dados mostravam as posições dos planetas obtidas com instrumentos inventados pelo próprio Tycho com uma precisão de menos de meio minuto de arco. Isso é uma precisão fantástica (A título de comparação, o tamanho aparente da Lua é de aproximadamente 30 minutos de arco. Ou seja, dividindo o tamanho da Lua em 60 partes, 1 parte representa mais ou menos a precisão que Tycho tinha em suas medidas).
    Pouco antes Copérnico havia postulado o sistema heliocêntrico e o próprio Tycho inventara um sitema em que a Lua, o Sol e as estrelas fixas giravam em torno da Terra e os cinco planetas conhecidos, em torno do Sol.
    Kepler acreditava no sistema heliocêntrico mas ao tentar ajustar os dados do movimento de Marte com os dados de Tycho a uma órbita circular, descobriu uma diferença de 8 minutos de arco. Ora, este é um valor muito pequeno, que para um cientista de menor sagacidade poderia ser desprezado. Entretanto Kepler confiando nos dados experimentais de Tycho Brahe chegou a um dilema: (i) seriam as órbitas dos planetas, na verdade, não circulares? (ii) ou estaria errado o modelo heliocêntrico e, na verdade, correto o modelo geocêntrico de Ptolomeu com o seu complexo conjunto de ciclos e epiciclos?
    Fazendo uma análise mais detalhada, Kepler chegou a uma conclusão que hoje é conhecia como Primeira Lei de Kepler: "As órbitas dos planetas são elípticas e o Sol ocupa um dos focos". A razão física para a existência dessa lei seria dada posteriormente por Newton.
   Embora essa descoberta fosse inesperada e que a órbita dos planetas se apresentasse com muita simplicidade frente ao sofisticado modelo geocêntrico, Kepler não estava satisfeito pois com a primeira lei sabia-se a posição de um planeta em qualquer ponto de sua trajetória, mas não o tempo em que ele encontrava-se num determinado ponto particular.
    Kepler gostaria de encontrar uma lei que relacionasse a velocidade de um planeta em qualquer posição de sua órbita com a velocidade em qualquer outra posição. Indo mais a fundo na interpretação dos dados obtidos por Brahe, Kepler com muito trabalho e bastante sagacidade, percebeu que uma tal lei existia. Esta é a Segunda Lei de Kepler: "Os planetas percorrem as suas trajetórias elípticas varrendo áreas em tempos iguais" (Figura 1)  Tal lei é consequência de uma lei de conservação - do momento angular - que desempenha um papel profundo em todas as áreas da Física. Embora seja fácil mostrar a relação entre a Segunda Lei de Kepler e a conservação do momento angular, faremos isso em um outro espaço do Jangada Eletrônica. O importante é que com as duas leis seria possível, tomando intervalos bastante pequenos, determinar a velocidade e a posição dos planetas em qualquer instante de tempo.

 
Figura 1: Representação esquemática da segunda lei de Kepler [crédito da figura: Wikepedia].

    Mesmo com estas duas leis, de acordo com alguns historiadores, Kepler encontrava-se insatisfeito porque não havia uma conexão entre o movimento dos diversos planetas. Num estudo obstinado sobre os dados de Brahe durante quase 17 anos, Kepler finalmente conseguiu chegar à sua Terceira Lei: "O tempo para um planeta completar uma revolução em torno do Sol (T) é proporcional à potência 3/2 do raio médio de sua órbita (R), ou, T2 = k R3, onde k é uma constante." O raio médio da órbita é definido como a metade da distância entre o perihélio e o afélio. Nas palavras do próprio Johannes Kepler a respeito da terceira lei, que unificava o movimento de todos os planetas do sistema solar, uma vez que o valor de k era o mesmo para todos eles:

"...ao final, a relação verdadeira superou como uma tempestade as sombras de minha mente, com uma tal plenitude de acordo entre os meus dezessete anos de trabalho sobre as observações de Brahe e minha fórmula atual que eu, a princípio, pensei que estivesse sonhando".

    Foi, em suma, o triunfo da mente humana sobre o complexo movimento dos planetas do nosso sistema solar. Pela primeira vez um sistema orgânico com uma massa pouco inferior a 100 kg, o ser humano, conseguiu subjugar, pelo menos numa folha de papel, o movimento de um corpo como Júpiter, com uma massa da ordem de 1027 kilogramas, ou 1.000.000.000.000.000.000.000.000.000 kg. Uma das mais fantásticas páginas da história da ciência.

Contexto da descoberta

    Kepler teve uma vida dura. No dizer de J.A. Connor: "Kepler foi um menino excêntrico, intenso mas retraído. Percebia com a clareza de uma criança que não era querido na sua família - os avós, sobrecarregados com um neto doente pelo próprio filho irresponsável, haviam cuidado dele muito mal; a mãe sempre foi uma mulher fria a vida inteira; o pai era distante e bruto. (...) Durante toda a sua vida, Kepler buscaria essa harmonia e, se não pudesse encontrá-la na terra, a encontraria no céu. Ele foi impelido a fazer isso, porque era essencial para a sua vida intelectual. Um menino que tinha crescido numa família caótica, num mundo onde cristãos pregavam o diabo uns sobre os outros de lados opostos da praça da cidade, onde mulheres idosas eram constantemente acusadas de bruxaria, e onde imperadores e príncipes mandavam exércitos invadir as terras alheias e ensanguentar os campos de trigo de camponeses inocentes, poderia perder totalmente a esperança de encontrar ordem e civilidade ou então passar a sua vida inteira procurando, como fez Kepler, um lugar onde o universo fosse uma melodia".

    Nas palavras do próprio Kepler, escritas em novembro de 1597 [Connor]: "Essa pessoa nasceu destinada a passar a maior parte do seu tempo trabalhando nas coisas difíceis da quais os outros se esquivam. Quando menino, antes do seu tempo, já estudava prosódia e métrica poética. Ele tentava escrever comédias e escolhia os salmos mais longos para guardar na memória. Tentava aprender de cor todos os exemplos do livro de gramática de Crusius. Nos seus poemas, ele no início se preocupava com acrósticos, grifos e anagramas. Mais adiante, entretanto, quando a sua lógica em desenvolvimento lhe permitiu ver com desdém o verdadeiro significado dessas coisas, tentou formas ainda mais difíceis de lírica. Certa vez escreveu um melos pindárico, um coro grego. De outra vez, interessou-se por temas inusitados, como a imobilidade do sol, a criação dos rios e a observação da neblina do alto do monte Atlas. Ele apreciava enigmas e buscava as anedotas mais mordazes. Brincava com alegorias seguindo as pistas até os menores detalhes e então arrancava-as de lá pelos cabelos. Nas imitações, procurava ser fiel ao texto e em seguida aplicava-o a algo de sua autoria. Ao anotar os seus trabalhos, ele gostava de usar paradoxos; por exemplo, que se deveria aprender francês em vez de grego. Como um adversário [num debate], jamais dizia algo que não tivesse intenção. Ao escrever suas ideias, a versão final sempre continha mais alguma coisa além do rascunho. Mais do que todos os outros estudos, entretanto, ele amava a matemática. Em todos os tipos de aprendizado, mergulhava desafiando cada ideia, e interpretava de maneira crítica tudo que lia. Assim, ele se apegava a notas insignificantes que ele mesmo redigia e guardava com teimosia livros emprestados, como se pudessem lhe ser úteis mais tarde."

     Kepler ouviu falar pela primeira vez da teoria de Copérnico por intermédio do seu professor de Astronomia na Universidade de Tübingen. "Em Tübingen, enquanto ouvia atento as aulas do famoso Magister Michael Mästlin, vi como havia se tornado inconveniente de muitos modos a noção costumeira da estrutura do universo. Fiquei encantado, portanto, com Copérnico, a quem Mästlin mencionava muitas vezes em suas conversas, e eu não só frquentemente promovia as suas ideias nos debates dos estudantes, mas também escrevia uma cuidadosa discussão concernente à tese de que o primeiro movimento [a revolução da esfera de estrelas fixas] vem da rotação da Terra. Também me pus a trabalhar atribuindo à Terra, com base na física, ou talvez na metafísica, o movimento do Sol cruzando o céu, assim como Copérnico havia feito com base na matemática. Com essa finalidade, reuni pedacinho por pedacinho - em parte das aulas de Mästlin e em parte das minhas próprias ideias - todas as vantagens matemáticas que Copérnico tem sobre Ptolomeu".

      A introdução do modelo de Copérnico trouxe uma boa discussão ao círculo acadêmico europeu. Por um lado, a ideia de Copérnico parecia ser interessante e também ter algumas vantagens matemáticas. Por outro lado, o modelo geocêntrico de Ptolomeu não poderia ser simplesmente desprezado como se não fosse útil, uma vez que ele era bastante engenhoso e já durava mais de mil anos. Na época em que Kepler terminava os seus estudos superiores, existiam quatro diferentes modelos para explicar o movimento planetário. Segundo Connor: "O peso da observação vinha crescendo, semeando insatisfação entre vários astrônomos, mas essa mudança crucial exigiria uma riqueza de provas. O próprio Copérnico tivera medo de publicar antes de morrer. Na época de Kepler, havia pelo menos quatro modelos distintos do universo pairando na atmosfera intelectual, que eram sussurrados ou discutidos acaloradamente por estudantes aglomerados nos cantos escuros e fumacentos das cervejarias. Primeiro, havia o cosmo oficial, o universo finito, geocêntrico de Aristóteles e Ptolomeu, reiterado por São Tomás de Aquino. Depois, havia o cosmo infinito de Nicholas de Cusa, com Deus no eterno e onipresente centro. Terceiro, havia o universo 'heliostático' de Copérnico, no qual os planetas, inclusive a Terra, giravam em torno do Sol que estava fixo no lugar. E, finalmente, havia o modelo ressuscitado por Tycho Brahe, primeiro discutido por Heracleides Ponticus, aluno de Platão, no qual o Sol girava em torno da Terra e os planetas giravam em torno do Sol. Cada um desses sistemas tinha os seus defensores, e cada um os seus detratores." 

    Depois de graduado, Kepler foi ensinar matemática em Graz e a seguir, foi convidado por Tycho Brahe, para trabalhar com ele em Praga. Brahe possuía o mais completo conjunto de observação das estrelas e planetas, com medidas tão precisas como meio minuto de arco. Pegando o problema da órbita de Marte que estava sob a égide de um outro assistente de Tycho Brahe, Longomontanus, Kepler ficou trabalhando durante seis longos anos, entre 1599 a 1605, quando finalmente conseguiu entender, após vários períodos de depressão pela complexidade do problema, o movimento de Marte. Nas palavras de Connor: "O problema de Kepler o tempo todo foi a sua falta de um cálculo integral, que levaria mais de um século para ser inventado. Seus cálculos eram feitos segundo a geometria e a trigonometria ginasiana de Euclides. Kepler teve de inventar uma matemática para si mesmo baseada em antigos métodos para calcular o perímetro de um círculo usando triângulos isósceles cada vez menores, numa 'imitação dos antigos'. Em vez de triângulos, entretanto, Kepler usou formas ovais, porque tinha sido forçado a abandonar a hipótese aristotélica de que as órbitas eram circulares e, portanto, ele levantou a hipótese de que as órbitas poderiam ser calculadas considerando-se elipses sempre menores como uma aproximação, chegando assim à forma da órbita de Marte por meio de trabalhosos cálculos. Até se queixou aos leitores em seu texto, dizendo que, se achassem cansativo entender seu método, deveriam lembrar o pobre Kepler que teve de trabalhar com a matemática antiga, com mais de setenta cálculos a serem feitos a cada etapa do seu longo processo. O abandono dos círculos aristotélicos, então, veio em estágios, uma parte de cada vez, e com muito esforço. No fim, entretanto, em 1605, veio a recompensa, o grande lampejo de percepção, o vislumbre da mente de Deus, quando Kepler compreendeu que o Sol se colocava em um dos dois focos de uma elipse, e que a órbita de Marte, embora extremamente próxima de um círculo, desviava-se dele apenas o bastante para ser notada pela mente observadora. Quando Kepler terminou, uma parte da perfeição desapareceu do Universo, mas ao fazer isso o Universo ficou um pouco maior."

      Na sua obra Astronomia Nova publicada mais ou menos na época do descobrimento da forma da órbita de Marte, Kepler faz uma crítica ao modelo planetário de Tycho Brahe, segundo o qual os planetas giram em torno do Sol e este em torno da Terra, e lança pela primeira vez uma ideia sobre a gravitação. No dizer novamente de Connor: "Descobriu que, ao formular uma noção preliminar de gravitação baseada no magnetismo, onde todos os objetos naturalmente atraem outros objetos, e emanando basicamente do Sol, poderia explicar o sistema planetário de um modo muito mais simples. E além disso, essa vis motoria, essa força vital, diminuía com o inverso da distância. Ele havia, portanto, chegado extremamente próximo da formulação da lei da gravitação posterior de Newton, que descreveu a força diminuindo inversamente com o quadrado da distância, que reduzia a força numa velocidade muito maior. Seus instintos estavam certos; era a sua matemática que não estava desenvolvida".


Leitura adicional sugerida:
A.B. Arons, Development of concepts of Physics. Addison-Wesley, Reading: 1965.
J.A. Connor, A bruxa de Kepler, Tradução de T.M. Rodrigues, Rocco, Rio de Janeiro: 2005.


sábado, 24 de novembro de 2012

Qual a origem da teoria quântica?


          Wolfgang Pauli numa de suas muitas discussões sobre a teoria quântica, como citado por Heisenberg em sua obra "A parte e o todo", explanou o que ele entendia por compreender os fenômenos da natureza.:

“compreender a natureza significa examinar mais de perto suas conexões, ter certeza de seu funcionamento interno; provavelmente, significa estar de posse de representações e conceitos necessários para reconhecer que uma multidão de fenômenos diferentes faz parte de um todo coerente”.
 
            A mecânica quântica pode ser vista como um conjunto de idéias e representações matemáticas que permitem a uma pessoa possuir a mais próxima compreensão da realidade física ao nível atômico, tal como ela se nos apresenta em laboratórios. Ela é mais do que uma simples representação da realidade, uma vez que com os seus postulados e as suas leis foi possível fazer-se previsões de fenômenos anteriormente não conhecidos. Com esta compreensão, construída ao longo de quase cinco décadas através de interessantes experimentos e um grande conjunto de construções teóricas, produziu-se praticamente toda a tecnologia do mundo moderno, aparelhos eletrônicos, computadores e máquinas diversas.
           O problema é que muitos dos grandes resultados experimentais no final do século XIX e início do século XX não encontravam uma explicação à luz da física clássica, ou seja, não era possível apenas com a mecânica newtoniana e o eletromagnetismo clássico explicar os resultados que freneticamente eram obtidos nos laboratórios. Podem-se citar como exemplos de problemas insolúveis, no contexto da época, a radiação do corpo negro e a estabilidade do átomo constituído por um elétron acelerado em órbita de um núcleo. A tentativa de se explicar estes fenômenos por parte dos grandes físicos teóricos de então (Bohr, Heisenberg, Jordan, Born, Schrödinger e Dirac, apenas para citar uns poucos) levou a uma quebra de paradigma com a física tradicional, culminando com a formulação da teoria quântica.
        Sabe-se da física clássica que uma carga acelerada emite radiação. A aceleração de cargas próximo à superfície de um corpo produz o fenômeno de todo corpo a uma temperatura superior a 0 K emitir radiação térmica. Um corpo qualquer está emitindo em vários comprimentos de onda, visto ter várias cargas diversamente aceleradas. Stefan deduziu em 1879 que:

                                                                                        (1.1)

ou seja, que a radiação térmica emitida por um corpo em todas as freqüências por segundo e por cm2 é proporcional a quarta potência da temperatura, e a constante de proporcionalidade apresenta um valor igual para todos os corpos, s, que é a constante de Stefan-Boltzmann (0,567.10-4 erg/s cm2 K4) e um fator que depende da natureza da superfície emissora, o poder de emissão e.
             Kirchhoff, em 1895, deduziu a partir de hipótese sobre o equilíbrio térmico de superfícies de natureza diferentes que estão trocando energia (nada especificado sobre os processos de emissão ou absorção) que o poder de emissão é igual ao poder de absorção a, ou seja,

              e = a       ,                                                                                       (1.2)

onde o poder de absorção é a energia absorvida sobre a energia incidente sobre o corpo.
            Um corpo negro é aquele que absorve toda a energia sobre ele incidente, ou seja, a = 1 e, conseqüentemente, a lei de Stefen para um corpo negro fica IT = eT4. De fato, de argumentos termodinâmicos aplicados a dois corpos negros em equilíbrio mostra-se que as propriedades da radiação emitida pelos mesmos dependem apenas da temperatura e não de sua natureza particular. Boltzmann fez um estudo profundo sobre a radiação de tais objetos e descobriu a mesma relação de Stefen a partir de argumentos da termodinâmica clássica.
      A função distribuição espectral de um corpo negro é definida como sendo tal que  
seja a radiação emitida por cm2 por segundo à temperatura T de comprimento de onda entre .Suponhamos um corpo com uma cavidade possuindo uma pequena abertura que o comunica com o exterior. Uma radiação incidindo pela cavidade será refletida várias vezes e apenas uma pequena quantidade fugirá do corpo. Logo, para a abertura a = 1 e ela poderá ser considerada a superfície de um corpo negro. Suponhamos também que as paredes da cavidade estejam a uma temperatura T e, portanto, emitindo radiação térmica para a cavidade. Uma pequena fração desta radiação fugir[a pela abertura e como esta parede pode ser considerada a superfície de um corpo negro, a radiação sra a de um corpo negro. Isto implica que a radiação no interior da cavidade tem o espectro de um corpo negro e, portanto,a paredes da cavidade tam´bem se comportam como a superfície de um corpo negro. O espectro emitido pela abertura é dado por  embora seja mais conveniente especificar em termos da densidade de energia que é definida como sendo tal que  é a energia em 1 cm3 da cavidade no intervalo de ; o importante é que  é proporcional a .
            Usando alguns argumentos de Boltzmann e outros, Wien em 1893 descobriu a forma funcional geral para a distribuição espectral da radiação do corpo negro:

           
                                                                           (1.3)


            Rayleigh e Jeans descobriram, baseados nas idéias da física clássica, uma forma para a função de lT e, conseqüentemente, a forma geral de rT(l):

           
                                                                                         (1.4)

Esta relação ficou conhecida como lei de Rayleigh-Jeans. Fazendo-se o gráfico da distribuição de Rayleigh-Jeans têm-se que quando , como era conhecido experimentalmente. Entretanto, quando , o que discordava radicalmente da experiência. Esta discrepância entre a lei de Rayleigh-Jeans e os resultados experimentais ficou conhecida como catástrofe do ultravioleta.
            Analisando a distribuição de Rayleigh-Jeans, Max Planck desconfiou que a forma da energia média utilizada estava incorreta. Mais especificamente ele supôs que a energia da partícula oscilante fosse quantizada e, em conseqüência, as ondas eletromagnéticas dentro da cavidade. Seu postulado, portanto, dizia que a energia era uma variável discreta e proporcional à freqüência da radiação:

            ,                                                                              (1.5)

com n = 0, 1, 2, ... A partir desta relação, que destruía o paradigma de que a energia do sistema oscilante poderia assumir qualquer valor contínuo, Planck chegou à seguinte equação:

           
             ,                                         (1.6)

que é a distribuição espectral correta da radiação do corpo negro.

            O outro problema, o da estabilidade do átomo, foi solucionado parcialmente por Niels Bohr. Do eletromagnetismo clássico sabe-se que uma carga acelerada perde energia e, desta forma, o elétron que está girando em torno do núcleo deveria perder rapidamente energia e tornar o átomo instável. Para contornar este problema Bohr usou dois conceitos conflitantes: o clássico, de que um elétron identificável está em uma órbita identificável em torno de um núcleo, semelhantemente ao sistema planetário, e o quântico, segundo o qual ele está em estado estacionário e não continuamente despendendo energia estados enquanto circulando em órbita. As várias freqüências observadas emitidas de uma amostra de átomos de hidrogênio excitado foram interpretadas como correspondentes à transição permitida entre estacionários. O postulado de Bohr de que o elétron não perderia energia pela radiação estando numa determinada órbita, mas somente em transição de uma órbita para outra, foi necessário para salvar o átomo de um colapso gradual com a emissão de uma linha espectral de freqüência continuamente em mudança.
Na verdade, na sua busca profunda por fundamentos para a antítese entre as concepções teóricas quânticas e clássicas, Bohr introduziu a concepção revolucionária de estados estacionários, indicando assim que eles formam um tipo de lugar de espera entre os quais ocorre a emissão de energia correspondente às várias linhas espectrais. Para tentar conciliar a mecânica clássica com a mecânica quântica, Bohr concebeu o princípio da correspondência segundo o qual para átomos suficientemente grandes e circuitos suficientemente pequenos, uma coincidência ou correspondência é obtida a partir das duas teorias. Mostrou-se que a correspondência falhava em alguns casos. De qualquer forma, o novo conceito de estados estacionários ia de encontro ao que era bastante bem estabelecido até aquele ponto, mostrando mais uma vez, que uma nova teoria seria necessária.
            A nova teoria que solucionou estes problemas e com a qual novas e admiráveis previsões foram realizadas (e confirmadas) é exatamente a mecânica quântica que inicialmente apareceu através de dois diferentes formalismos. O primeiro deles era uma abordagem algébrica, enfatizando a descontinuidade através da concepção básica de corpúsculo (formalismo de Heisenberg ou mecânica das matrizes). O segundo era uma abordagem analítica, enfatizando a continuidade através da concepção básica de onda (formalismo de Schrödinger ou mecânica ondulatória). Pouco depois estes formalismos foram generalizados por Paul Dirac construindo entidades matemáticas abstratas que representavam grandezas físicas num espaço vetorial complexo.


sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Densidade

         Nesta postagem será discutida uma importante propriedade que tem sido utilizada para caracterizar diversas substâncias, que é a densidade. Para falar de densidade vamos inicialmente fazer referência à massa. O conceito de massa, na física, não é dos mais simples de ser explicado de uma maneira rigorosa. Entretanto, todos têm intuitivamente a noção de que uma caixa cheia de metal possui mais massa do que se ela estivesse cheia de algodão, por exemplo. Na verdade, a maioria das pessoas diria que a caixa com metal é mais pesada do que a caixa com algodão. Peso e massa são conceitos bastante distintos, mas para o desenvolvimento da idéia de densidade dos materiais, o conceito de massa será bem mais importante.
            A massa foi descrita de uma forma precisa primeiramente pelo físico inglês Isaac Newton no século XVII. Esta grandeza apareceu nas suas leis de movimento e estava relacionada com a inércia de um material. O que significa isso?
            Para responder a esta questão seremos reportado aos conceitos de força e de velocidade. Força e velocidade, em física, são consideradas grandezas vetoriais, ou seja, para sua completa determinação precisamos definir uma direção, um sentido e um valor (módulo). Mas para a discussão que se segue, vamos considerar uma simplificação na qual a força atua na mesma direção, digamos ao longo do eixo-x, e no mesmo sentido. Assim, nesta situação bem simples apenas os módulos da força (denominado de F) e da velocidade (denominado de v) serão levados em consideração.
Vamos imaginar que a aplicação de uma força F sobre um objeto, que atua durante um certo intervalo de tempo dt, produz uma variação de velocidade dv. Se forças iguais forem aplicadas a objetos diferentes, valores diferentes para a velocidade serão obtidos. Assim, se forças iguais durante o mesmo intervalo de tempo forem aplicadas a uma bola e a uma geladeira, por exemplo, verificaremos que a variação de velocidade da geladeira será menor.
 Por causa da observação mais geral de que corpos maiores ganham menos velocidade do que corpos menores é conveniente expressar a proporcionalidade entre (Ft) e (v) sob a forma:

F t = m v                                                                                        (Eq. 1)    .

Na equação 1 a constante de proporcionalidade m depende do objeto que está sofrendo a ação da força. Para objetos feitos da mesma substância, verifica-se que o valor de m aumenta com o aumento do tamanho do objeto.
            Neste ponto já deve estar claro para a maioria dos leitores que a constante de proporcionalidade m nada mais é do que a massa, ou mais especificamente, a massa inercial do objeto. A equação 1 pode ser reescrita de modo que a massa possa ser escrita como:

            m = F t / v                                                                                     (Eq. 2)    .

Entretanto, v / t  é a aceleração, ou a taxa de variação da velocidade do corpo na direção da força. Assim,

            m = F / a                                                                                             (Eq. 3)    .

Como conseqüência, quanto maior a força necessária para produzir uma dada aceleração, maior será a massa do corpo. Experimentos diversos mostram que a massa inercial não depende da forma ou da natureza química do objeto estudado. Ou seja, a massa aumenta proporcionalmente à quantidade de substância do objeto e quando diferentes objetos se juntam, as massas se somam, apesar das diferentes formas e das diferentes naturezas das substâncias químicas envolvidas.
            Neste ponto já temos uma noção razoável do que seja massa. Mas a massa, por si só, não serve para caracterizar uma determinada substância. Assim, poderemos ter um quilograma de ferro, um quilograma de ouro, um quilograma de acetona, etc., sendo muito difícil distinguir uma substância da outro. Entretanto, existe uma grandeza envolvendo a massa que é característica de cada substância.
            Para chegar a esta grandeza, lembremos do conceito de volume. O volume de um corpo pode ser visto como a porção do espaço ocupada pelo mesmo. Alguns corpos ocupam o espaço do recipiente no qual ele está colocado e outros corpos possuem a forma prévia com a qual ele foi fabricado. Quando a substância está na fase líquida, o material manterá o volume constante, mas assumirá a forma do recipiente que o contém. Nas condições normais de temperatura e de pressão na superfície terrestre, encontram-se na fase líquida a água, o mercúrio, substâncias orgânicas como a acetona e o álcool, a gasolina, entre outros. Por outro lado, se o material estiver no estado sólido, ele manterá a sua forma. O importante é que sólido ou líquido, o corpo ou a substância ocupará um volume específico, dependendo da quantidade de material existente.
          Imaginemos agora um bloco de ferro e um pedaço de madeira com as mesmas dimensões do bloco. Ao se pegar os dois objetos é bastante claro o fato de que o bloco de ferro é mais pesado do que a madeira. Isto acontece por dois motivos. O primeiro é que os átomos que compõem o bloco existem átomos de ferro, que são mais “pesados” do que os átomos de carbono, oxigênio e hidrogênio que compõem a madeira (observe-se que um átomo ser mais pesado do que outro significa que ele possui no seu núcleo uma maior quantidade de prótons e nêutrons). O segundo motivo é mais sutil, mas também fácil de ser entendido: os átomos que compõem o bloco estão, em média, mais próximos entre si que os átomos da madeira e, assim, num mesmo espaço mais átomos de ferro podem ser colocados. Resumindo esses dois pontos, vemos que o bloco pesa mais do que o pedaço de madeira, embora os dois objetos tenham as mesmas dimensões.
            De posse do conceito de massa e de volume pode-se definir uma grandeza física que mede a quantidade de material existente num dado volume. Trata-se da densidade, que é definida como a massa de um corpo dividida pelo seu volume. Simbolizando a densidade por r, a massa por m e o volume por V, pode-se expressar a densidade pela fórmula matemática: 

           r = m / V                                                           (Eq. 4)    .

Na tabela 1 fornece-se a densidade de algumas substâncias simples encontradas na natureza.   

Tabela 1: Densidade de algumas substâncias (Física Viva, 2006).
Substância
Densidade (gramas/ centímetro cúbico)
Diamante
3,5
ouro
19,3
chumbo
11,3
ferro
7,9
Madeira (pinho)
0,5



         Um dos métodos práticos para se determinar a densidade de um sólido é colocá-lo dentro de um líquido e verificar o volume que ele ocupa. Mas quando um corpo é parcial ou totalmente imerso em um líquido em equilíbrio, o líquido exerce pressão em todos os pontos da superfície do corpo que esteja em contato com ele.
        Mas, o que se entende por pressão? Para responder a esta pergunta vamos nos reportar a uma situação do dia-a-dia. Quando se enche um pneu de um carro, está se colocando ar no interior do pneu. As moléculas que compõem o ar estão constantemente se chocando com a superfície interna do pneu. Na realidade, o pneu exerce uma força sobre as moléculas do ar, obrigando-as mudar de direção. Isso significa, pela lei de ação e reação de Newton, que as moléculas exercem uma força sobre o pneu e esta força é a responsável pela pressão. Assim, podemos definir a pressão como a força dividida pela área na qual ela é exercida. Preferindo-se expressar através de uma fórmula matemática simples:

            Pressão = força / área , ou     P = F / A                                                (Eq. 5)    .

No sistema de unidades MKS, a força é expressa em newton, a área em metro quadrado e a pressão, consequentemente, newton por metro quadrado. Por ser bastante utilizada, a unidade de pressão é denominada de pascal (Pa), ou seja, 1 Pa é igual a um newton por metro quadrado.
        Retornando ao caso do objeto mergulhado no líquido, como a pressão é maior nas partes imersas mais profundas, haverá uma força resultante na direção vertical para cima, denominada de empuxo. Este fato foi descoberto experimentalmente por Arquimedes, centenas de anos antes de serem estabelecidas as leis básicas da mecânica, que foram formalizadas apenas no século XVII. O enunciado deste princípio, atualmente denominado de princípio de Arquimedes, diz o seguinte: “Todo corpo total ou parcialmente imerso em um líquido, sofre a ação de uma força vertical, dirigida par cima, de módulo igual ao peso do líquido deslocado”. Graças ao empuxo, é mais fácil levantar um objeto que esteja imerso na água do que no ar. Isto porque a força necessária para levantar o objeto na água é igual ao seu peso menos a força de empuxo, que pelo princípio acima, é igual ao peso da água deslocada.
          O princípio de Arquimedes explica também vários outros fenômenos da natureza. Por exemplo, ele explica porque alguns corpos flutuam na água e outros, ao contrário, afundam. Nas situações em que o peso do corpo é maior do que o da água deslocada, a resultante da força que age sobre o corpo é para baixo e o corpo afunda. Se, ao invés, o peso do corpo é menor do que o peso da água deslocada, a resultante é para cima e o corpo é empurrado para cima. Corpos com densidades maiores que a da água afundam, enquanto corpos cuja densidade é menor do que a água flutuam. Uma curiosidade é que o planeta Saturno tem uma densidade de 0.69 g/cm3; isto significa que se existisse uma piscina suficientemente grande para colocá-lo dentro, ele flutuaria!
Outros fenômenos como o fato de balões de ar quente flutuarem no ar também são explicados pelo princípio de Arquimedes. Nestes tipos de balões o ar é aquecido para que se expanda, ficando com uma densidade menor que a do ar do lado de fora do balão. Alternativamente também podem ser utilizados gases mais leves do que o ar, como o hélio, de tal modo que a densidade média seja menor do que a do ar.


Referências:

Física Viva, Uma introdução à Física Conceitual, J. Trefil, R.M. Hazen, volume 1, LTC, São Paulo: 2006.

Física na prática: contextualizando experimentos de mecânica, Henrique B. Cardoso, Edições Demócrito Rocha, Fortaleza: 2003.

Física, Parte II (Physical Science Study Committee), UnB, Brasília: 1964.

Física, Parte 3 (Physical Science Study Committee), Edart, São Paulo: 1976.

 

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Índice de refração


            Uma importante característica dos materiais é o seu índice de refração. Antes de discutir mais pormenorizadamente este tópico vamos dar uma ligeira introdução sobre a entidade física utilizada neste tipo de medidas, ou seja, a luz.
            Para isso, lembremos que o Sol e as estrelas estão bastante distantes de nós (o Sol, em particular, encontra-se a cerca de 150 milhões de quilômetros da Terra), mas se conhece muito bem os elementos químicos que o compõem analisando-se a luz que dele chega ao nosso planeta. A luz atravessa o espaço vazio que separa o Sol da Terra numa velocidade muito grande, levando apenas pouco mais de 8 minutos para percorrer a gigantesca distância entre os dois astros. Esta característica, entretanto, é universal, ou seja, a luz percorre o espaço entre as galáxias na mesma velocidade, bem como consegue se propagar no espaço vazio sem necessidade de nenhum meio material para conduzi-la. Este fenômeno da luz, que pode ser vista como uma onda eletromagnética, é bem diferente do que ocorre, por exemplo, com o som, que necessita obrigatoriamente de um meio para se propagar (o ar, a água, um metal, entre outros).
            A luz, portanto, propaga-se no espaço vazio, mas também pode se propagar em outros meios. Por exemplo, quando se olha o exterior de uma casa ou de um ambiente através de uma janela de vidro bastante limpa, quase não se percebe que um objeto – o vidro – está separando o observador do exterior. Isto ocorre porque a luz foi transmitida através do vidro da janela, e dizemos que ele é um material transparente. Sob determinadas condições, o vidro também pode refletir a luz. Por exemplo, à noite, quando o exterior está escuro ou com pouca luminosidade e o interior do ambiente está iluminado com luz artificial (de uma lâmpada), é possível observar-se a luz da lâmpada refletida no vidro. Em outras palavras, o vidro também pode refletir a luz. Um outro fenômeno ocorre com a luz se a janela for feita de um vidro bastante espesso. Neste caso as imagens que vêm do exterior chegam menos nítidas ou embasadas, o mesmo acontecendo se a pessoa olhasse através de um plástico com certa espessura. Tal fenômeno é conseqüência do fato de que a luz também pode ser absorvida pelo meio material (o vidro, no caso específico do nosso exemplo).
            Além de poder ser absorvida, de ser transmitida e de ser refletida, a luz também pode sofrer outro fenômeno chamado de refração. Para exemplificar este fenômeno, normalmente sugere-se que seja colocada uma vareta ou um lápis dentro de um copo de água. Percebe-se com este simples ato que após a vareta ser colocada na água, aparentemente ela dobra no ponto em que ela penetra na água. Esta aparente dobra é resultado do fenômeno da refração da luz. Outros fenômenos podem ainda ocorrer com a luz quando ela interage com os materiais, por exemplo, um vidro vermelho ao ser colocado na trajetória de uma luz branca permitirá que apenas a luz vermelha seja por ele transmitida; a luz também pode ser espalhada, que é um fenômeno que será explicado mais adiante.
O que nos interessa no momento, entretanto, é o fato de que a luz apresenta o fenômeno de refração, ou seja, a luz muda de direção se um feixe de luz passa de um material para outro. Para discutir as leis físicas associadas ao fenômeno de refração, vamos considerar a Figura 1. Nela existem dois meios diferentes, o superior (em cor azul) que pode representar, por exemplo, o ar, e o inferior (em cor lilás), que pode representar outro meio, como a água ou vidro. Na figura também encontra-se representado um raio incidente, que faz um ângulo i com a normal e um raio refratado, que faz um ângulo r com a normal. O ângulo i é denominado de ângulo de incidência e o ângulo r é denominado de ângulo de refração. Através de uma série de experimentos, com diferentes ângulos de incidência e com diferentes materiais, descobre-se o seguinte importante resultado, que denominaremos de primeira lei da refração: O raio incidente, o raio refratado e a normal à superfície encontram-se todos no mesmo plano.

Figura 1: Geometria da refração, onde i representa o ângulo do raio incidente, r representa o ângulo do raio refratado em relação à normal.


            Fazendo-se uma série de experiências com diferentes ângulos de incidência da luz (num laboratório, geralmente utiliza-se a luz de um laser) e medindo-se para cada um deles, o ângulo de refração observa-se o seguinte resultado: o ângulo de refração para a luz que passa do ar para a água é sempre menor que o ângulo de incidência, com exceção do caso no qual o ângulo de incidência é 0o.
            Uma pergunta que poderia perfeitamente ser feita é a seguinte: e se em vez de água, o experimento tivesse sido feito com vidro, como seriam os comportamentos dos ângulos de incidência e de refração? A resposta também deve ser dada fazendo-se o referido experimento no laboratório. É possível descobrir-se que para o vidro também é verificado o fato de que o ângulo de refração para a luz que passa do ar para o vidro é sempre menor que o ângulo de incidência, com exceção novamente do caso no qual o ângulo de incidência é 0o. Em geral isto é verdadeiro para qualquer material transparente ou aproximadamente transparente, seja ele água, vidro, plástico, etc.
            Vamos, então, imaginar que um experimento é feito medindo-se diferentes ângulos de incidência e seus respectivos ângulos de refração quando a luz passa do ar para o vidro. Um resultado obtido da Ref. (PSSC, 1964) é apresentado na Tabela 1.

Tabela 1: Relação entre o ângulo de incidência i e o ângulo de refração r num experimento no qual a luz passa do ar para o vidro (PSSC, 1964).

Ângulo de incidência (o)
Ângulo de refração (o)
relação i/r
0
0
Indeterminada
10
6,7
1,5
20
13,3
1,50
30
19,6
1,53
40
25,2
1,59
50
30,7
1,63
60
35,1
1,71
70
38,6
1,81
80
40,6
1,97


            A partir desta tabela pode-se construir um gráfico com os pontos experimentais (bolas negras) e uma curva aproximada ligando estes pontos (em cor vermelha); tal gráfico é apresentado na Figura 2.


Figura 2: Geometria da refração, onde i representa o ângulo do raio incidente, r representa o ângulo do raio refratado em relação à normal.

            Uma coisa interessante é que a partir do gráfico da Figura 2 é possível prever qual seria o ângulo de refração para qualquer ângulo de incidência do sistema ar – vidro. Embora ele seja útil para descobrirmos qualquer valor de ângulos de incidência e refração do sistema ar – vidro, para outro material teríamos que ter outro gráfico. Ou seja, para cada par de materiais, existe um gráfico ângulo de refração versus ângulo de incidência bastante característico.
            A questão que levantamos é a seguinte: não existiria uma lei simples que nos fornecesse rapidamente o valor de um determinado ângulo de refração, sabendo-se o ângulo de incidência e os materiais que compõem o sistema? A resposta a esta pergunta é que existe uma tal lei, embora tenham sido levados centenas de anos para que ela fosse descoberta. Ptolomeu, o astrônomo grego que desenvolveu o sofisticado sistema geocêntrico com os seus ciclos e epiciclos, juntou vários dados relativos à refração de diversos materiais. Entretanto, ele não foi capaz de descobrir a lei relacionada à refração, que só foi obtida apenas em 1621 pelo físico W. Snell. Snell percebeu que existe uma relação simples entre seno do ângulo de incidência da luz e o seno do ângulo de refração, que depende apenas dos dois materiais que compõem o sistema. Mais precisamente, Snell descobriu que:

                        sen i / sen r = constante                                                            (Eq. 1)    .
           
No caso discutido anteriormente, em que um raio de luz sai do ar e penetra no vidro, têm-se que:

                        sen i / sen r = 1,50                                                                   (Eq. 2)    .

            O que é interessante é que esta relação dependerá do tipo de substância da qual a luz penetra após vir do ar. De uma forma mais rigorosa, a relação fornecida pela Eq. 2 representa o índice de refração do vidro em relação ao ar. Se em vez do ar, a luz antes de penetrar no vidro viesse do vácuo, a relação fornecida pela equação 2 seria ligeiramente diferente, embora não seja possível em experimentos simples verificar esta diferença. Isto porque, enquanto com o ar sen i/ sen r = 1,50000 (observe-se a grande quantidade de casas decimais), no vácuo teríamos sen i/ sen r = 1,50044. Nesta última situação, índice de refração no vácuo, dizemos que       se trata do índice de refração absoluto.
            Na prática, o índice de refração no ar é tão próximo do índice de refração no vácuo, que em poucas situações há a necessidade de distingui-los. O importante, nessa discussão é que o índice de refração é característico da substância que está em contato com o ar. Para exemplificar alguns índices de refração, apresentamos a Tabela 2.

Tabela 2: Índice de refração de alguns materiais (PSSC, 1964).

Material
Índice de refração
Vidro (diferentes composições)
Entre 1,5 e 1,9
Diamante
2,42
Quartzo fundido
1,46
Água
1,33
Glicerina
1,47
Álcool etílico
1,36


Referências:
Física Viva, Uma introdução à Física Conceitual, J. Trefil, R.M. Hazen, volume 1, LTC, São Paulo: 2006.
Física, Parte II (Physical Science Study Committee), UnB, Brasília: 1964.
Física, Parte 3 (Physical Science Study Committee), Edart, São Paulo: 1976.