As estrelas e principalmente os planetas aparentemente apresentam movimentos bastante complexos. Os antigos viam que Mercúrio e Vênus apareciam sempre após o por do sol ou antes da alvorada. Já Marte, Júpiter e Saturno podiam ser vistos a qualquer hora da noite, além de em alguns momentos do seu lento movimento darem um "laço" ao fundo das estrelas fixas. Estas últimas, na verdade, não eram fixas, visto que ao longo do ano elas se movimentavam em conjunto, mantendo sempre as distâncias entre elas. Como aparentemente os movimentos eram periódicos, assim como o era as fases da Lua, pensou-se que seria possível descobrir modelos que descrevessem os movimentos dos corpos celestes, em particular, o movimento dos planetas. A hipótese básica de quase todos os modelos era que a velocidade angular dos astros era constante (ver nesse blog O movimento dos planetas). Para fazer frente a essa hipótese incorreta, os modelos matemáticos, principalmente o modelo de Ptolomeu, exigiu uma quantidade bastante grande e sofisticada de engrenagens. O próprio modelo de Copérnico também era composto por um número imenso dessas engrenagens, as orbes. Quem primeiro percebeu que o movimento dos astros não se dava com a velocidade angular constante foi o astrônomo e matemático alemão Johannes Kepler, baseado em dados experimentais de grande qualidade. Assim, tendo em mãos ótimos dados experimentais e usando sua monstruosa capacidade de abstração, Kepler conseguiu determinar as leis que regem o movimento dos planetas, e que descreveremos de forma sucinta a seguir.
Kepler herdou as tabelas e dados minuciosamente obtidos ao longo da vida pelo astrônomo dinamarquês Tycho Brahe. Esses dados mostravam as posições dos planetas obtidas com instrumentos inventados pelo próprio Tycho com uma precisão de menos de meio minuto de arco. Isso é uma precisão fantástica (A título de comparação, o tamanho aparente da Lua é de aproximadamente 30 minutos de arco. Ou seja, dividindo o tamanho da Lua em 60 partes, 1 parte representa mais ou menos a precisão que Tycho tinha em suas medidas).
Kepler herdou as tabelas e dados minuciosamente obtidos ao longo da vida pelo astrônomo dinamarquês Tycho Brahe. Esses dados mostravam as posições dos planetas obtidas com instrumentos inventados pelo próprio Tycho com uma precisão de menos de meio minuto de arco. Isso é uma precisão fantástica (A título de comparação, o tamanho aparente da Lua é de aproximadamente 30 minutos de arco. Ou seja, dividindo o tamanho da Lua em 60 partes, 1 parte representa mais ou menos a precisão que Tycho tinha em suas medidas).
Pouco antes Copérnico havia postulado o sistema heliocêntrico e o próprio Tycho inventara um sitema em que a Lua, o Sol e as estrelas fixas giravam em torno da Terra e os cinco planetas conhecidos, em torno do Sol.
Kepler acreditava no sistema heliocêntrico mas ao tentar ajustar os dados do movimento de Marte com os dados de Tycho a uma órbita circular, descobriu uma diferença de 8 minutos de arco. Ora, este é um valor muito pequeno, que para um cientista de menor sagacidade poderia ser desprezado. Entretanto Kepler confiando nos dados experimentais de Tycho Brahe chegou a um dilema: (i) seriam as órbitas dos planetas, na verdade, não circulares? (ii) ou estaria errado o modelo heliocêntrico e, na verdade, correto o modelo geocêntrico de Ptolomeu com o seu complexo conjunto de ciclos e epiciclos?
Fazendo uma análise mais detalhada, Kepler chegou a uma conclusão que hoje é conhecia como Primeira Lei de Kepler: "As órbitas dos planetas são elípticas e o Sol ocupa um dos focos". A razão física para a existência dessa lei seria dada posteriormente por Newton.
Embora essa descoberta fosse inesperada e que a órbita dos planetas se apresentasse com muita simplicidade frente ao sofisticado modelo geocêntrico, Kepler não estava satisfeito pois com a primeira lei sabia-se a posição de um planeta em qualquer ponto de sua trajetória, mas não o tempo em que ele encontrava-se num determinado ponto particular.
Kepler gostaria de encontrar uma lei que relacionasse a velocidade de um planeta em qualquer posição de sua órbita com a velocidade em qualquer outra posição. Indo mais a fundo na interpretação dos dados obtidos por Brahe, Kepler com muito trabalho e bastante sagacidade, percebeu que uma tal lei existia. Esta é a Segunda Lei de Kepler: "Os planetas percorrem as suas trajetórias elípticas varrendo áreas em tempos iguais" (Figura 1) Tal lei é consequência de uma lei de conservação - do momento angular - que desempenha um papel profundo em todas as áreas da Física. Embora seja fácil mostrar a relação entre a Segunda Lei de Kepler e a conservação do momento angular, faremos isso em um outro espaço do Jangada Eletrônica. O importante é que com as duas leis seria possível, tomando intervalos bastante pequenos, determinar a velocidade e a posição dos planetas em qualquer instante de tempo.
Figura 1: Representação esquemática da segunda lei de Kepler [crédito da figura: Wikepedia].
Mesmo com estas duas leis, de acordo com alguns historiadores, Kepler encontrava-se insatisfeito porque não havia uma conexão entre o movimento dos diversos planetas. Num estudo obstinado sobre os dados de Brahe durante quase 17 anos, Kepler finalmente conseguiu chegar à sua Terceira Lei: "O tempo para um planeta completar uma revolução em torno do Sol (T) é proporcional à potência 3/2 do raio médio de sua órbita (R), ou, T2 = k R3, onde k é uma constante." O raio médio da órbita é definido como a metade da distância entre o perihélio e o afélio. Nas palavras do próprio Johannes Kepler a respeito da terceira lei, que unificava o movimento de todos os planetas do sistema solar, uma vez que o valor de k era o mesmo para todos eles:
"...ao final, a relação verdadeira superou como uma tempestade as sombras de minha mente, com uma tal plenitude de acordo entre os meus dezessete anos de trabalho sobre as observações de Brahe e minha fórmula atual que eu, a princípio, pensei que estivesse sonhando".
Foi, em suma, o triunfo da mente humana sobre o complexo movimento dos planetas do nosso sistema solar. Pela primeira vez um sistema orgânico com uma massa pouco inferior a 100 kg, o ser humano, conseguiu subjugar, pelo menos numa folha de papel, o movimento de um corpo como Júpiter, com uma massa da ordem de 1027 kilogramas, ou 1.000.000.000.000.000.000.000.000.000 kg. Uma das mais fantásticas páginas da história da ciência.
Contexto da descoberta
Kepler teve uma vida dura. No dizer de J.A. Connor: "Kepler foi um menino excêntrico, intenso mas retraído. Percebia com a clareza de uma criança que não era querido na sua família - os avós, sobrecarregados com um neto doente pelo próprio filho irresponsável, haviam cuidado dele muito mal; a mãe sempre foi uma mulher fria a vida inteira; o pai era distante e bruto. (...) Durante toda a sua vida, Kepler buscaria essa harmonia e, se não pudesse encontrá-la na terra, a encontraria no céu. Ele foi impelido a fazer isso, porque era essencial para a sua vida intelectual. Um menino que tinha crescido numa família caótica, num mundo onde cristãos pregavam o diabo uns sobre os outros de lados opostos da praça da cidade, onde mulheres idosas eram constantemente acusadas de bruxaria, e onde imperadores e príncipes mandavam exércitos invadir as terras alheias e ensanguentar os campos de trigo de camponeses inocentes, poderia perder totalmente a esperança de encontrar ordem e civilidade ou então passar a sua vida inteira procurando, como fez Kepler, um lugar onde o universo fosse uma melodia".
Nas palavras do próprio Kepler, escritas em novembro de 1597 [Connor]: "Essa pessoa nasceu destinada a passar a maior parte do seu tempo trabalhando nas coisas difíceis da quais os outros se esquivam. Quando menino, antes do seu tempo, já estudava prosódia e métrica poética. Ele tentava escrever comédias e escolhia os salmos mais longos para guardar na memória. Tentava aprender de cor todos os exemplos do livro de gramática de Crusius. Nos seus poemas, ele no início se preocupava com acrósticos, grifos e anagramas. Mais adiante, entretanto, quando a sua lógica em desenvolvimento lhe permitiu ver com desdém o verdadeiro significado dessas coisas, tentou formas ainda mais difíceis de lírica. Certa vez escreveu um melos pindárico, um coro grego. De outra vez, interessou-se por temas inusitados, como a imobilidade do sol, a criação dos rios e a observação da neblina do alto do monte Atlas. Ele apreciava enigmas e buscava as anedotas mais mordazes. Brincava com alegorias seguindo as pistas até os menores detalhes e então arrancava-as de lá pelos cabelos. Nas imitações, procurava ser fiel ao texto e em seguida aplicava-o a algo de sua autoria. Ao anotar os seus trabalhos, ele gostava de usar paradoxos; por exemplo, que se deveria aprender francês em vez de grego. Como um adversário [num debate], jamais dizia algo que não tivesse intenção. Ao escrever suas ideias, a versão final sempre continha mais alguma coisa além do rascunho. Mais do que todos os outros estudos, entretanto, ele amava a matemática. Em todos os tipos de aprendizado, mergulhava desafiando cada ideia, e interpretava de maneira crítica tudo que lia. Assim, ele se apegava a notas insignificantes que ele mesmo redigia e guardava com teimosia livros emprestados, como se pudessem lhe ser úteis mais tarde."
Kepler ouviu falar pela primeira vez da teoria de Copérnico por intermédio do seu professor de Astronomia na Universidade de Tübingen. "Em Tübingen, enquanto ouvia atento as aulas do famoso Magister Michael Mästlin, vi como havia se tornado inconveniente de muitos modos a noção costumeira da estrutura do universo. Fiquei encantado, portanto, com Copérnico, a quem Mästlin mencionava muitas vezes em suas conversas, e eu não só frquentemente promovia as suas ideias nos debates dos estudantes, mas também escrevia uma cuidadosa discussão concernente à tese de que o primeiro movimento [a revolução da esfera de estrelas fixas] vem da rotação da Terra. Também me pus a trabalhar atribuindo à Terra, com base na física, ou talvez na metafísica, o movimento do Sol cruzando o céu, assim como Copérnico havia feito com base na matemática. Com essa finalidade, reuni pedacinho por pedacinho - em parte das aulas de Mästlin e em parte das minhas próprias ideias - todas as vantagens matemáticas que Copérnico tem sobre Ptolomeu".
A introdução do modelo de Copérnico trouxe uma boa discussão ao círculo acadêmico europeu. Por um lado, a ideia de Copérnico parecia ser interessante e também ter algumas vantagens matemáticas. Por outro lado, o modelo geocêntrico de Ptolomeu não poderia ser simplesmente desprezado como se não fosse útil, uma vez que ele era bastante engenhoso e já durava mais de mil anos. Na época em que Kepler terminava os seus estudos superiores, existiam quatro diferentes modelos para explicar o movimento planetário. Segundo Connor: "O peso da observação vinha crescendo, semeando insatisfação entre vários astrônomos, mas essa mudança crucial exigiria uma riqueza de provas. O próprio Copérnico tivera medo de publicar antes de morrer. Na época de Kepler, havia pelo menos quatro modelos distintos do universo pairando na atmosfera intelectual, que eram sussurrados ou discutidos acaloradamente por estudantes aglomerados nos cantos escuros e fumacentos das cervejarias. Primeiro, havia o cosmo oficial, o universo finito, geocêntrico de Aristóteles e Ptolomeu, reiterado por São Tomás de Aquino. Depois, havia o cosmo infinito de Nicholas de Cusa, com Deus no eterno e onipresente centro. Terceiro, havia o universo 'heliostático' de Copérnico, no qual os planetas, inclusive a Terra, giravam em torno do Sol que estava fixo no lugar. E, finalmente, havia o modelo ressuscitado por Tycho Brahe, primeiro discutido por Heracleides Ponticus, aluno de Platão, no qual o Sol girava em torno da Terra e os planetas giravam em torno do Sol. Cada um desses sistemas tinha os seus defensores, e cada um os seus detratores."
Depois de graduado, Kepler foi ensinar matemática em Graz e a seguir, foi convidado por Tycho Brahe, para trabalhar com ele em Praga. Brahe possuía o mais completo conjunto de observação das estrelas e planetas, com medidas tão precisas como meio minuto de arco. Pegando o problema da órbita de Marte que estava sob a égide de um outro assistente de Tycho Brahe, Longomontanus, Kepler ficou trabalhando durante seis longos anos, entre 1599 a 1605, quando finalmente conseguiu entender, após vários períodos de depressão pela complexidade do problema, o movimento de Marte. Nas palavras de Connor: "O problema de Kepler o tempo todo foi a sua falta de um cálculo integral, que levaria mais de um século para ser inventado. Seus cálculos eram feitos segundo a geometria e a trigonometria ginasiana de Euclides. Kepler teve de inventar uma matemática para si mesmo baseada em antigos métodos para calcular o perímetro de um círculo usando triângulos isósceles cada vez menores, numa 'imitação dos antigos'. Em vez de triângulos, entretanto, Kepler usou formas ovais, porque tinha sido forçado a abandonar a hipótese aristotélica de que as órbitas eram circulares e, portanto, ele levantou a hipótese de que as órbitas poderiam ser calculadas considerando-se elipses sempre menores como uma aproximação, chegando assim à forma da órbita de Marte por meio de trabalhosos cálculos. Até se queixou aos leitores em seu texto, dizendo que, se achassem cansativo entender seu método, deveriam lembrar o pobre Kepler que teve de trabalhar com a matemática antiga, com mais de setenta cálculos a serem feitos a cada etapa do seu longo processo. O abandono dos círculos aristotélicos, então, veio em estágios, uma parte de cada vez, e com muito esforço. No fim, entretanto, em 1605, veio a recompensa, o grande lampejo de percepção, o vislumbre da mente de Deus, quando Kepler compreendeu que o Sol se colocava em um dos dois focos de uma elipse, e que a órbita de Marte, embora extremamente próxima de um círculo, desviava-se dele apenas o bastante para ser notada pela mente observadora. Quando Kepler terminou, uma parte da perfeição desapareceu do Universo, mas ao fazer isso o Universo ficou um pouco maior."
Na sua obra Astronomia Nova publicada mais ou menos na época do descobrimento da forma da órbita de Marte, Kepler faz uma crítica ao modelo planetário de Tycho Brahe, segundo o qual os planetas giram em torno do Sol e este em torno da Terra, e lança pela primeira vez uma ideia sobre a gravitação. No dizer novamente de Connor: "Descobriu que, ao formular uma noção preliminar de gravitação baseada no magnetismo, onde todos os objetos naturalmente atraem outros objetos, e emanando basicamente do Sol, poderia explicar o sistema planetário de um modo muito mais simples. E além disso, essa vis motoria, essa força vital, diminuía com o inverso da distância. Ele havia, portanto, chegado extremamente próximo da formulação da lei da gravitação posterior de Newton, que descreveu a força diminuindo inversamente com o quadrado da distância, que reduzia a força numa velocidade muito maior. Seus instintos estavam certos; era a sua matemática que não estava desenvolvida".
Kepler teve uma vida dura. No dizer de J.A. Connor: "Kepler foi um menino excêntrico, intenso mas retraído. Percebia com a clareza de uma criança que não era querido na sua família - os avós, sobrecarregados com um neto doente pelo próprio filho irresponsável, haviam cuidado dele muito mal; a mãe sempre foi uma mulher fria a vida inteira; o pai era distante e bruto. (...) Durante toda a sua vida, Kepler buscaria essa harmonia e, se não pudesse encontrá-la na terra, a encontraria no céu. Ele foi impelido a fazer isso, porque era essencial para a sua vida intelectual. Um menino que tinha crescido numa família caótica, num mundo onde cristãos pregavam o diabo uns sobre os outros de lados opostos da praça da cidade, onde mulheres idosas eram constantemente acusadas de bruxaria, e onde imperadores e príncipes mandavam exércitos invadir as terras alheias e ensanguentar os campos de trigo de camponeses inocentes, poderia perder totalmente a esperança de encontrar ordem e civilidade ou então passar a sua vida inteira procurando, como fez Kepler, um lugar onde o universo fosse uma melodia".
Nas palavras do próprio Kepler, escritas em novembro de 1597 [Connor]: "Essa pessoa nasceu destinada a passar a maior parte do seu tempo trabalhando nas coisas difíceis da quais os outros se esquivam. Quando menino, antes do seu tempo, já estudava prosódia e métrica poética. Ele tentava escrever comédias e escolhia os salmos mais longos para guardar na memória. Tentava aprender de cor todos os exemplos do livro de gramática de Crusius. Nos seus poemas, ele no início se preocupava com acrósticos, grifos e anagramas. Mais adiante, entretanto, quando a sua lógica em desenvolvimento lhe permitiu ver com desdém o verdadeiro significado dessas coisas, tentou formas ainda mais difíceis de lírica. Certa vez escreveu um melos pindárico, um coro grego. De outra vez, interessou-se por temas inusitados, como a imobilidade do sol, a criação dos rios e a observação da neblina do alto do monte Atlas. Ele apreciava enigmas e buscava as anedotas mais mordazes. Brincava com alegorias seguindo as pistas até os menores detalhes e então arrancava-as de lá pelos cabelos. Nas imitações, procurava ser fiel ao texto e em seguida aplicava-o a algo de sua autoria. Ao anotar os seus trabalhos, ele gostava de usar paradoxos; por exemplo, que se deveria aprender francês em vez de grego. Como um adversário [num debate], jamais dizia algo que não tivesse intenção. Ao escrever suas ideias, a versão final sempre continha mais alguma coisa além do rascunho. Mais do que todos os outros estudos, entretanto, ele amava a matemática. Em todos os tipos de aprendizado, mergulhava desafiando cada ideia, e interpretava de maneira crítica tudo que lia. Assim, ele se apegava a notas insignificantes que ele mesmo redigia e guardava com teimosia livros emprestados, como se pudessem lhe ser úteis mais tarde."
Kepler ouviu falar pela primeira vez da teoria de Copérnico por intermédio do seu professor de Astronomia na Universidade de Tübingen. "Em Tübingen, enquanto ouvia atento as aulas do famoso Magister Michael Mästlin, vi como havia se tornado inconveniente de muitos modos a noção costumeira da estrutura do universo. Fiquei encantado, portanto, com Copérnico, a quem Mästlin mencionava muitas vezes em suas conversas, e eu não só frquentemente promovia as suas ideias nos debates dos estudantes, mas também escrevia uma cuidadosa discussão concernente à tese de que o primeiro movimento [a revolução da esfera de estrelas fixas] vem da rotação da Terra. Também me pus a trabalhar atribuindo à Terra, com base na física, ou talvez na metafísica, o movimento do Sol cruzando o céu, assim como Copérnico havia feito com base na matemática. Com essa finalidade, reuni pedacinho por pedacinho - em parte das aulas de Mästlin e em parte das minhas próprias ideias - todas as vantagens matemáticas que Copérnico tem sobre Ptolomeu".
A introdução do modelo de Copérnico trouxe uma boa discussão ao círculo acadêmico europeu. Por um lado, a ideia de Copérnico parecia ser interessante e também ter algumas vantagens matemáticas. Por outro lado, o modelo geocêntrico de Ptolomeu não poderia ser simplesmente desprezado como se não fosse útil, uma vez que ele era bastante engenhoso e já durava mais de mil anos. Na época em que Kepler terminava os seus estudos superiores, existiam quatro diferentes modelos para explicar o movimento planetário. Segundo Connor: "O peso da observação vinha crescendo, semeando insatisfação entre vários astrônomos, mas essa mudança crucial exigiria uma riqueza de provas. O próprio Copérnico tivera medo de publicar antes de morrer. Na época de Kepler, havia pelo menos quatro modelos distintos do universo pairando na atmosfera intelectual, que eram sussurrados ou discutidos acaloradamente por estudantes aglomerados nos cantos escuros e fumacentos das cervejarias. Primeiro, havia o cosmo oficial, o universo finito, geocêntrico de Aristóteles e Ptolomeu, reiterado por São Tomás de Aquino. Depois, havia o cosmo infinito de Nicholas de Cusa, com Deus no eterno e onipresente centro. Terceiro, havia o universo 'heliostático' de Copérnico, no qual os planetas, inclusive a Terra, giravam em torno do Sol que estava fixo no lugar. E, finalmente, havia o modelo ressuscitado por Tycho Brahe, primeiro discutido por Heracleides Ponticus, aluno de Platão, no qual o Sol girava em torno da Terra e os planetas giravam em torno do Sol. Cada um desses sistemas tinha os seus defensores, e cada um os seus detratores."
Depois de graduado, Kepler foi ensinar matemática em Graz e a seguir, foi convidado por Tycho Brahe, para trabalhar com ele em Praga. Brahe possuía o mais completo conjunto de observação das estrelas e planetas, com medidas tão precisas como meio minuto de arco. Pegando o problema da órbita de Marte que estava sob a égide de um outro assistente de Tycho Brahe, Longomontanus, Kepler ficou trabalhando durante seis longos anos, entre 1599 a 1605, quando finalmente conseguiu entender, após vários períodos de depressão pela complexidade do problema, o movimento de Marte. Nas palavras de Connor: "O problema de Kepler o tempo todo foi a sua falta de um cálculo integral, que levaria mais de um século para ser inventado. Seus cálculos eram feitos segundo a geometria e a trigonometria ginasiana de Euclides. Kepler teve de inventar uma matemática para si mesmo baseada em antigos métodos para calcular o perímetro de um círculo usando triângulos isósceles cada vez menores, numa 'imitação dos antigos'. Em vez de triângulos, entretanto, Kepler usou formas ovais, porque tinha sido forçado a abandonar a hipótese aristotélica de que as órbitas eram circulares e, portanto, ele levantou a hipótese de que as órbitas poderiam ser calculadas considerando-se elipses sempre menores como uma aproximação, chegando assim à forma da órbita de Marte por meio de trabalhosos cálculos. Até se queixou aos leitores em seu texto, dizendo que, se achassem cansativo entender seu método, deveriam lembrar o pobre Kepler que teve de trabalhar com a matemática antiga, com mais de setenta cálculos a serem feitos a cada etapa do seu longo processo. O abandono dos círculos aristotélicos, então, veio em estágios, uma parte de cada vez, e com muito esforço. No fim, entretanto, em 1605, veio a recompensa, o grande lampejo de percepção, o vislumbre da mente de Deus, quando Kepler compreendeu que o Sol se colocava em um dos dois focos de uma elipse, e que a órbita de Marte, embora extremamente próxima de um círculo, desviava-se dele apenas o bastante para ser notada pela mente observadora. Quando Kepler terminou, uma parte da perfeição desapareceu do Universo, mas ao fazer isso o Universo ficou um pouco maior."
Na sua obra Astronomia Nova publicada mais ou menos na época do descobrimento da forma da órbita de Marte, Kepler faz uma crítica ao modelo planetário de Tycho Brahe, segundo o qual os planetas giram em torno do Sol e este em torno da Terra, e lança pela primeira vez uma ideia sobre a gravitação. No dizer novamente de Connor: "Descobriu que, ao formular uma noção preliminar de gravitação baseada no magnetismo, onde todos os objetos naturalmente atraem outros objetos, e emanando basicamente do Sol, poderia explicar o sistema planetário de um modo muito mais simples. E além disso, essa vis motoria, essa força vital, diminuía com o inverso da distância. Ele havia, portanto, chegado extremamente próximo da formulação da lei da gravitação posterior de Newton, que descreveu a força diminuindo inversamente com o quadrado da distância, que reduzia a força numa velocidade muito maior. Seus instintos estavam certos; era a sua matemática que não estava desenvolvida".
Leitura adicional sugerida:
A.B. Arons, Development of concepts of Physics. Addison-Wesley, Reading: 1965.
J.A. Connor, A bruxa de Kepler, Tradução de T.M. Rodrigues, Rocco, Rio de Janeiro: 2005.
A.B. Arons, Development of concepts of Physics. Addison-Wesley, Reading: 1965.
J.A. Connor, A bruxa de Kepler, Tradução de T.M. Rodrigues, Rocco, Rio de Janeiro: 2005.