A mecânica quântica continua a
revelar aspectos interessantes da natureza, como os trabalhos que deram origem
ao prêmio Nobel de Física de 2012 mostraram. Relendo um dos capítulos do livro
de Werner Heisenberg,” A parte e o Todo”, vi uma interessante passagem sobre a
primeira discussão ocorrida entre ele, Heisenberg, o formulador da mecânica
matricial, e Erwin Schrödinger, o formulador da mecânica ondulatória. Apenas
contextualizando, o fato relatado a seguir ocorreu alguns meses depois dos dois
grandes físicos terem formulado as teorias matemáticas que são o suporte da mecânica
quântica. Poucos anos depois os dois ganharão o prêmio Nobel por estes
trabalhos seminais. Mas no momento em que ocorreu o encontro, a interpretação dos
resultados não era clara; a hoje tradicional interpretação de Max Born para a função de
onda ainda era desconhecida. O debate entre os dois gigantes se dá exatamente
em relação à esta interpretação. (Após o relato desse primeiro debate entre os
dois a Niels Bohr, este convida Schrödinger a visitar Copenhagen para uma
discussão sobre a teoria. Nessa visita
Schrödinger e Bohr, durante vários dias, tiveram discussões que se iniciavam bem
cedinho e terminavam a altas horas da noite. Foi um embate tão desgastante que Schrödinger caiu doente, mas as discussões continuaram com Bohr ao pé da cama
mesmo nessa circunstância). Enfim, abaixo, o breve relato da discussão
Heisenberg - Schrödinger, na versão do primeiro, que se constituiu numa das belas páginas da história da criatividade
humana:
“No fim do período letivo de
verão do ano de 1926, Sommerfeld convidou Schrodinger a fazer uma palestra no
seminário de Munique. Tive então a primeira oportunidade de discutir a nova concepção. Eu estivera novamente trabalhando em Copenhague e me havia familiarizado com os métodos de Schrödinger, aplicando-os ao estudo do átomo de hélio. Concluíra esse trabalho durante um curto período de férias no lago Mjösa, na Noruega, enfiara o manuscrito na mochila e partira de Gudbrandsdal por trilhas ainda não percorridas, passando por várias cordilheiras e indo até o fiorde de Sogne. Após uma breve parada em Copenhague, finalmente seguira para Munique, onde pretendia passar o resto das férias com meus pais. Por isso pude estar presente na palestra de Schrödinger. A plateia incluía o diretor do Instituto de Física
Experimental da Universidade de Munique, Wilhelm Wien, que era extremamente
cético em relação à atomística de Sommerfeld. Antes de mais nada, Schrodinger
explicou os princípios matemáticos da mecânica ondulatória, usando como exemplo
o átomo de hidrogênio. Tivemos imenso prazer em ver sua solução concisa e
simples, através de métodos convencionais, para um problema que Wolfgang Pauli
só com grande dificuldade conseguira solucionar através da mecânica matricial.
No final, Schrodinger discutiu sua própria interpretação da mecânica
ondulatória, mas seus argumentos não me convenceram. No debate subsequente, levantei
algumas objeções e, em particular, assinalei que sua concepção não ajudaria a
explicar nem mesmo a lei da radiação de Planck. Wilhelm Wien se opôs a mim,
dizendo em tom áspero que, embora compreendesse meu pesar pelo fato de a
mecânica matricial estar acabada e, com ela, toda aquela história absurda de
saltos quânticos etc, as dificuldades que eu mencionara seriam solucionadas por
Schrodinger, sem dúvida, em futuro muito próximo. O próprio Schrodinger não foi
tão seguro em sua resposta, mas também mostrou-se convencido de que a superação
de minhas objeções era uma questão de tempo. Meus argumentos não impressionaram
ninguém; até Sommerfeld, que era afetuoso comigo, sucumbiu à força persuasiva
da matemática de Schrodinger.”
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