domingo, 22 de junho de 2025

Chalconas

Uma chalcona é uma estrutura química simples presente em muitos compostos naturais, em particular encontrada em vegetais, como em frutas e em chás. A palavra “chalcona” deriva do grego “chalcos”, que significa “bronze”, em referência à coloração da maioria das chalconas naturais. Os compostos de chalcona possuem uma estrutura química comum de 1,3-diaril-2-propen-1-ona, também conhecida como chalconoide, que existe nas formas isoméricas trans e cis, sendo a forma trans termodinamicamente mais estável. 

 A família das chalconas tem despertado grande interesse não apenas ao que diz respeito à sua síntese, mas também devido às suas amplas e interessantes atividades biológicas. As aplicações terapêuticas das chalconas remontam a milhares de anos, por meio do uso de plantas e ervas no tratamento de diversos distúrbios médicos, incluindo-se aí inflamações, câncer, diabetes, entre outros. Diversos compostos à base de chalcona já foram aprovados para uso clínico. Para citar apenas dois exemplos, a metochalcona foi comercializada como um fármaco colerético, enquanto a sofalcona foi utilizada anteriormente como um medicamento antiúlcera e mucoprotetor [1].

As chalconas são o núcleo de muitos compostos biologicamente interessantes provenientes de fontes naturais. Mas quando se refere a ela é preciso um certo cuidado porque na literatura científica o termo “chalcona” é usado genericamente para se referir a compostos com um sistema cetona α,β-insaturado. Assim, a família das chalconas apresenta uma diversidade estrutural ampla e pode ser classificada, de forma geral, em duas categorias: chalconas simples/clássicas e chalconas híbridas, ambas com a estrutura central de 1,3-diaril-2-propen-1-ona. Estima-se que existam milhares de chalconas naturais, mas o seu número exato não é conhecido.


Fig. 1: Estrutura química das chalconas.

PROPRIEDADE FLUORESCENTE. Devido ao seu sistema conjugado, chalconas com grupos funcionais doadores e atratores de elétrons adequados nos anéis benzênicos podem ser fluorescentes, o que as torna potenciais sondas químicas para investigações e aplicações em imagem/diagnóstico. Como compostos fluorescentes, os parâmetros fotofísicos — que incluem os comprimentos de onda de absorção (Abs λm) e emissão (Emi λm), o coeficiente de extinção (ε) e o rendimento quântico (ϕ), são fundamentais para aplicações biológicas. A faixa dinâmica de detecção é determinada pelos valores de Abs λm e Emi λm. O brilho da fluorescência, que é o produto de ε e ϕ no comprimento de onda de absorção máxima, está associado à sensibilidade da detecção. Alguns fatores não estruturais também são cruciais para a intensidade fluorescente, como os solventes e os componentes/aditivos biológicos [1].

Para se entender as propriedades físicas das chalconas é de interesse entender as suas propriedades estruturais e vibracionais. Assim, uma série de estudos tem sido realizado com o objetivo de elucidar estas propriedades [2-4]. 


[1] C. Zhuang et al. Chalcone: A Privileged Structure in Medicinal Chemistry, Chem. Rev. 117, 7762 (2017).
[2] M.C. Romeu, P.T.C. Freire, A.P. Ayala, A.C.H. Barreto, L.S. Oliveira, P.N. Bandeira, H.S. Santos, A.M.R. Teixeira, D.L.M. Vasconcelos, Synthesis, crystal structure, ATR-FTIR, FT-Raman and UV spectra, structural and spectroscopic analysis of   (3E)4[4(dimethylamine)phenyl]but3en2one,  J. Mol. Struct. 1264, 133222 (2022).
[3]  M.C. Romeu, P.T.C. Freire, A.P. Ayala, A.C.H. Barreto, L.S. Oliveira, M.R. Oliveira, P.N. Bandeira, H.S. Santos,  A.M.R.Teixeira, D.L.M. Vasconcelos, Synthesis, crystal structure and ATR-FTIR, FT-Raman and UV-Vis spectroscopic analysis of dihydrochalcone (3R)-3-(4-chlorophenyl)-3-hydroxy-1-(2-hydroxyphenyl)propan-1-one, J. Mol. Struct. 1266, 133516 (2022).
[4] M.A. Ribeiro, I.F. Farias, P.T.C. Freire, A.P. Ayala, G.A.F. Melo, D.L.M. Vasconcelos, A.C.H. Barreto, F.W.Q. Almeida-Neto, D.H.A. Brito, P.N. Bandeira, H.S. Santos, T.L.G. Lemos, A.M.R. Teixeira, J. Mol. Struct. 1294, 136410 (2023).

sábado, 8 de março de 2025

E a teoria de Schrödinger se consolida...

Excertos do capítulo 18 do nosso livro “Ecos longínquos de ondas... de universos: História da Física Quântica”, publicado pela editora Dialética.

“A mecânica ondulatória se consolidava no mundo acadêmico. No final de 1926, Schrödinger viajou com sua esposa Anny para os Estados Unidos para dar uma série de palestras. A viagem ao outro lado do Atlântico o ajudou a divulgar a teoria, não apenas nesse novo país, mas também no velho continente, embora de forma fortuita.

Periodicamente, na Bélgica, acontecia um importantíssimo encontro de cientistas das áreas da física e da química, financiados por uma indústria de produtos químicos, a Solvay. Mas era um encontro reservado, onde apenas os principais cientistas da época recebiam convites, como vimos no caso de Maurice de Broglie, para discutirem as pesquisas de ponta. O tema escolhido para o ano de 1927 foi “A teoria quântica e as teorias de radiação”. No comitê científico da conferência encontravam-se nomes como Albert Einstein, Hendrik Lorentz, Paul Langevin e Marie Curie, entre outros, o que significava que a seleção dos palestrantes era bem criteriosa. Entre os expositores, à princípio, estavam elencados Lawrence Bragg, Charles Wilson, Arthur Compton, Louis de Broglie, Hans Kramers, Werner Heisenberg, e o próprio Einstein, que poderia falar sobre a aplicação da estatística aos quanta, ou seja, sobre a sua recentemente descoberta estatística de Bose-Einstein.

Einstein, entretanto, não se sentia muito confortável para falar em um congresso dedicado ao novo desenvolvimento da teoria atômica e sugeriu que Schrödinger fosse convidado em seu lugar. Inicialmente, Lorentz mostrou certa relutância em convidar aquele último porque não se achava suficientemente convencido do método de Schrödinger. Mas na mesma época em que o vienense encontrava-se nos Estados Unidos, Lorentz ministrava um curso no California Instituto of Technology, o famoso Caltech, tendo a oportunidade de conversar sossegadamente com Schrödinger sobre o seu modelo. Lorentz se convenceu sobre a validade da mecânica ondulatória e concordou, finalmente, em se fazer o convite para se discutir a mecânica ondulatória no próximo mês de outubro.

Enquanto isso, Heisenberg trabalhava desesperadamente para mostrar que a sua mecânica matricial era superior à mecânica ondulatória, e Bohr tentava produzir uma versão que unificasse a visão de partícula e a imagem de ondas dos elétrons, mantendo os saltos quânticos e carregando simultaneamente as ondas em seu bojo. Uma tarefa de dimensão astronômica, a bem da verdade. Por conta dos interesses diversos, a estadia de Heisenberg em Copenhague durante o segundo semestre de 1926 foi um grande período de tensão entre os dois sábios. Para completar a complexa equação, durante a mesma época encontrava-se no instituto, o físico sueco Oskar Klein (1894 – 1977), com o qual Heisenberg teve algumas rusgas. De qualquer forma, os diálogos com o mestre dinamarquês plantaram as sementes do que viria a ser denominado de princípio da incerteza, que falaremos no próximo capítulo.

(...)

Em junho de 1927, a lista de palestrantes da conferência Solvay ficou pronta e Schrödinger foi informado por Lorentz que ele era um deles (Dirac e Pauli também acabaram sendo convidados, embora como delegados, ou seja, poderiam assistir às palestras e participar das discussões, mas não ministrariam nenhum seminário). Lorentz pedia também que os palestrantes enviassem um resumo até o começo de setembro, mas Schrödinger acabara de se mudar para Berlim para ocupar o lugar de Planck. Por conta disso, ele encontrava-se bastante ocupado com a mudança e a preparação dos cursos a serem ministrados durante aquele semestre. As múltiplas atividades retiraram do físico vienense tempo para continuar as suas pesquisas em mecânica ondulatória. O sucesso o estava impedindo, naquele momento, de continuar as investigações na física, que era o que ele mais apreciava. Mas o trabalho de fôlego de Schrödinger já estava concluído.

A conferência aconteceu entre os dias 24 e 29 de outubro de 1927. Schrödinger ministrou uma das principais palestras, La Mécanique des Ondes. Novamente, como ocorrera em Munique, ele expôs o formalismo matemático da teoria e lembrou que o sistema físico representado por pontos materiais não existe, a realidade é composta por algo que preenche todo o espaço continuamente, sendo descrito pela função de onda. Mostra, então, que o quadrado da função de onda, representava uma imagem do sistema clássico em todos os seus estados possíveis, ponderados pelo número ψψ*. Como destacado na Ref. [69], tal interpretação era quase similar àquela fornecida por Born, com exceção do fato de que para a turma de Göttingen e Copenhague, ‘sistema clássico de ponto material’ era um absurdo conceitual. Após a exposição de Schrödinger, houve uma discussão na qual principalmente Born e Heisenberg levantaram fortes objeções. Por aquela época, um consenso sobre o significado da teoria ainda jazia num tempo indefinido no futuro.

A honra de palestrar na Quinta Conferência Solvay se constituiria apenas em um dos primeiros reconhecimentos da grandeza da descoberta de Schrödinger.”