sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Cem anos de Física Quântica

Em 2025 a mecânica quântica completará 100 anos. Com a ideia de relembrar a história dessa verdadeira saga, que foi a construção da teoria, escrevemos um pequeno livro "Ecos longínquos de onda... de universos: História da física quântica", que acabou de ser publicado pela Editora Dialética. A física quântica se constitui num conjunto fabuloso de ideias e modelos matemáticos que moldaram o mundo a partir da sua descoberta. Como comentamos na apresentação da obra, pode-se considerar que toda a tecnologia moderna é teoria quântica aplicada. "Ecos longínquos..." mostra os esforços de dezenas de cientistas para construir essa estrutura teórica que, podemos dizer, sustenta o modo de vida da nossa civilização. Podemos nos comunicar com qualquer pessoa no planeta quase que instantaneamente, viajar com segurança utilizando os sofisticados sistemas de transportes, ter disponibilidade de energia e alimentos por meio de processos requintados, obter imagens diagnósticas para viver com mais saúde: tudo isso vem da física quântica. É relatada a história dos cientistas construtores da teoria quântica, pesquisadores que possuíam muita curiosidade, ambição, além de um conhecimento profundo da física. Alguns eram reservados, havia os que gostavam do confronto, os que publicavam rapidamente quando possuíam resultados que consideravam satisfatórios, os que publicavam apenas quando o assunto estivesse absolutamente entendido, os que trabalhavam durante o dia, os que eram boêmios e utilizavam as manhãs para os descansos, os que trabalhavam na madrugada. Uma história emocionante de trabalho árduo, engenhosidades, perseguições, fugas, insights e descobertas grandiosas: uma aventura da mente humana. O livro pode ser adquirido diretamente no site da editora Dialética. 


O título, na verdade, é tomado emprestado de um verso da poetisa portuguesa Florbela Espanca, "Ecos longínquos de ondas... de universos. Ecos dum Mundo... dum distante Além, Donde eu trouxe a magia dos meus versos!" do poema "Sou eu!", publicado no livro Charneca em Flor, de 1930. Não sei se após apenas quatro anos da publicação dos trabalhos da mecânica ondulatória, Florbela tivesse conhecimento da teoria e tenha apreendido com muita maestria a ideia central de um universo distante aos nossos olhos, composto por ondas. Se ela não conhecia, foi uma feliz coincidência. No que diz respeito ao desenho da capa, ela faz referência ao símbolo ΨΨ*, que na mecânica ondulatória representa uma densidade de probabilidade. O cacto representando a letra psi (Ψ) e o sol representando a estrela (*) era o símbolo do antigo Encontro de Físicos do Nordeste, que foi substituído por outra insígnia completamente diferente. Então, para recuperar o antigo simbolismo da terra árida e também representar o fato de quem escreveu o livro estudou mecânica quântica no Nordeste do Brasil, resolvemos utilizar os cactos e o sol. Para completar o simbolismo, os cactos jazem sobre ondas, que é exatamente como um elétron pode ser representado por um dos formalismos da teoria.

quinta-feira, 11 de julho de 2024

César Lattes - 100 anos

Hoje é celebrado os 100 anos de nascimento de César Lattes, um dos maiores físicos brasileiros, que deu uma contribuição de primeira grandeza para a descoberta do méson pi. De fato, juntamente com Giuseppe Occhialini e Cecil Powell, da Universidade de Bristol, César Lattes determinou experimentalmente pela primeira vez a existência dessa partícula subatômica.

O méson foi proposto por Hideki Yukawa em 1935 como sendo a partícula portadora da força forte. Pela prvisão e pela descoberta, Yukawa e Powell receberam o Prêmio Nobel de Física (Lattes, que aperfeiçoara o sistema de detecção, que permitiu a descoberta, não foi agraciado). O méson pi (na verdade, são três espécies, o pi-zero, o pi-mais e o pi-menos) é composto por um quark e um anti-quark, ou seja uma das partículas (e sua anti-partícula) formadora do próton. Posteriormente, juntamente com o físico Eugene Gardner, Lattes também descobriu o méson pi oriundo de colisões artificiais produzidas em síncrotron.

César Lattes nasceu exatamente há cem anos, em Curitiba, vindo a falecer em Campinas, em 08 de março de 2005. Ele foi um dos principais responsável pela criação do CNPq, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia responsável pelo financiamento de boa parte das pesquisas no Brasil. Por conta disso, o CNPq o homenageou denominando a sua plataforma de curricula como Plataforma Lattes, que congrega milhões de curricula de pesquisadores, professores, estudantes e cientistas de todas as áreas do conhecimento. Lattes também trabalhou no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas e foi um dos fundadores do Instituto de Física Gleb Wataghin, onde aceitou um cargo de professor titular em 1967.

Assim, parabenizamos hoje, 11/07/2024, o físico César Lattes, figura de grande importância para o desenvolvimento da física no Brasil.


César Lattes (1924 - 2005) numa fotografia de 1949.

sexta-feira, 5 de julho de 2024

Estruturas metal-orgânico (MOFs)

Existe um tipo de material composto por substâncias orgânicas e inorgânicas que tem um grande potencial de aplicação em diversos ramos da tecnologia, como em LEDs, dispositivos optoeletrônicos, fotodetectores, armazenamento de gás, catálise, carregador de drogas, anodos de bateria de lítio, etc. Trata-se das estruturas metal-orgânica (MOF, em inglês, metal-organic framework), algumas das quais consistindo em cristais tridimensionais e outras, em estruturas bidimensionais, como as perovskitas de haleto-orgânico. 

Adicionalmente, muitas estruturas metal-orgânicas apresentam a importante característica de serem multiferróicas, ou seja, materiais que apresentam ordem elétrica e magnética simultaneamente. Entre estes grupos destacam-se as esturturas construídas por octaedros MO6 conectados por grupos formatos, uma vez que esses grupos permitem a síntese de compostos com distâncias entre os íons magnéticos relativamente curtas, induzindo ordenamento a baixas temperaturas. Por exemplo, a ordem elétrica foi reportada para foratos dimelamônio-metal com fórmula [(CH3)2NH2][M(HCOO)3], onde o M representa algum dos seguintes íons: Co,Fe, Mg, Mn, Ni, Zn. Também já foram anunciadas propriedades ferroelétricas no formato [NH4][M(HCOO)3]; foi demonstrado que esse material apresenta ordenamento elétrico nas temperaturas entre 191 e 255 K. Adicionalmente, mostrou-se que o [NH4][Zn(HCOO)3] apresenta compressibilidade negativa. De grande interesse, também, é o fato de que variando-se a temperatura ou a pressão, alguns dos materiais sofrem transição de fase estrutural, ou seja, modificam a sua estrutura. O estudo das transições de fase, de uma maneira geral, é interessante porque ele mostra os mecanismos que permitem que uma determinada estrutura seja modificada. Esse tipo de estudo, na verdade, é uma importante área da física.

No caso específico do [NH4][Zn(HCOO)3], percebeu-se que a dinâmica rotacional dos íons NH4+ desempenhan um papel de primeira linha na mudança estrutural, embora um entendimento completo do fenômeno envolva outros aspectos. De fato, qunado uma estrutura cristalina apresenta ligações de hidrogênio, a substituição isotópica (substituição de hidrogênios por deutérios) pode desempenhar um importante papel na elucidação dos fenômenos físicos apresentados pelo material [1-3]. Com a ideia de estudar sistemas isotópicos para se entender os mecanismos de transições de fase etruturais, investigou-se o [NH4][Zn(HCOO)3] e o [ND4][Zn(DHCOO)3], onde o D representa um deutério (um átomo de hidrogênio com um próton e um nêutron no núcleo) [4] A investigação mostrou que o efeito da deuteração na transição de fase é pequeno, o que exclui o movimento dos prótons e deutério ao longo da ligação N-H...O (ou N-D...O) como a origem da transição de fase. Outra possibilidade, então, é que as mudanças ocorram como consequência dos cárions aminas nas cavidades da estrutura. Estudos com cátions metil-amônio [5] e outras substâncias orgânicas também foram realizados, mostrando aspectos físicos de relevância para torná-los materiais funcionais.

De interessa também são as estruturas bidimensionais que englobam uma série de materiais, em particular, as perovskitas em camadas (fases Aurivillius, Dion-Jacobson, Ruddlesden-Popper, etc). Essas estruturas cristalizam-se em camadas com a estrutura perovskita ABO3 separadas por camadas finas de materiais intrusivos. Alguns desses materiais apresentam propriedades ferroelétricas, ou seja, quando se constrói um gráfico da polarização do material em função do campo elétrico, observa-se uma curva de histerese. Tais materiais possuem a vantagem de serem ferroelétricos produzidos com baixo custo, com um fácil processo de síntese, com baixo peso - o que é importante para as aplicações - e com uma grande diversidade estrutural.

De fato, no que diz respeito às moléculas de inclusão, a diversidade é oriunda da grande quantidade de componentes orgânicos que pode ser utilizada, como aminas alifáticas, aminas aromáticas, entre outras. Essas moléculas orgânicas adotam um arranjo direcional polar, produzindo ordem ferroelétrica. Tal fato potencializa o uso em dispositivos optoeletrônicos.


Figura 1: Vista da estrutura cristalina do [IM]Mn(H2POO)3 ao longo do eixo-b [6].

Além disso, do ponto de vista da ciência básica, perovskitas orgânica-inorgânica bidimensional se constituem numa ótima plataforma para se estudar o comportamento de tensão-deformação de camadas duras e suaves, geralmente a camada inorgânica fazendo o papel da camada dura e a mole sendo a camada orgânica. As camadas inorgânicas serviriam como suporte para o comportamento de mola das camadas moleculares, o que fornece ao material alta resistência à deformação e alta resistência à fratura.

Referências:

[1] J.M. de Souza, P.T.C. Freire, H.N. Bordallo et al., J. Phys. Chem. B 111, 5034 (2007).

[2] J.M. de Souza, P.T.C. Freire, D.N. Argyriou et al., ChemPhysChem 10, 3337 (2009).

[3] R.O. Gonçalves, P.T.C. Freire, H.N. Bordallo et al., J. Raman Spectrosc. 40, 958 (2009).

[4] M. Maczka, P. Kadlubanski, P.T.C. Freire et al., Inor. Chem. 53, 9615 (2014).

[5] A. Ciupa, M. Ptak, M. Maczka, J.G.S. Filho, P.T.C. Freire, J. Raman Spectrosc. 48, 972 (2017). 

[6] M. Mączka, D.L.M. Vasconcelos, P.T.C. Freire, Spectr. Acta A 298, 122768 (2023).


quarta-feira, 13 de março de 2024

Evariste Galois

Uma equação algébrica de até quarto grau, ax4 + bx3 + cx2 + dx + e = 0 pode ser resolvida algebricamente. Isso significa que através de um número finito de operações de soma, subtração, multiplicação, divisão, potencialização inteira e radiciação aplicadas aos seus coeficientes, pode-se obter suas raízes. Para se chegar a esse conhecimento, muitos matemáticos deram importantes contribuições como, numa lista não exaustiva: Nicolò Fontana Tartaglia, Girolano Cardano, Ludovico Ferrari, François Viète, Friedrich Gauss, etc.

Embora em algumas situações particulares seja possível descobrir-se expressões para equações algébricas de quinta ordem ou superiores, de uma forma geral não existem soluções algébricas para equações desse tipo. Isso foi provado por dois matemáticos que tiveram vidas breves e mortes trágicas: Niels Henrik Abel (1802 - 1829) e Évarist Galois (1811 - 1832). Em outra postagem falaremos de Abel, autor da obra "Mémoire sur les équations albébriques au on démontre l'impossibilité de la resolution de l'equation général du cinquiènne dégré". Por enquanto ficaremos restrito a falar de Galois.



Evarist Galóis nasceu em 25 de outubro de 1811 em Bourg-la-Reine. Como estudante estava apenas interessado em matemática e bem novo estudou obras de Euler, Gauss e Jacobi. Em 1828 tentou entrar na École Polytechnique, mas foi reprovado. No dia primeiro de abril de 1829 pubu nos Annales de Gergonne, "Demonstração de um teorema sobre as frações contínuas periódicas". Em 25 de maio apresentou na Academia de Ciências de Paris, "Pesquisas sobre equações algébricas de grau primo". Cauchy foi designado como relator e disse a Galóis que precisaria resumir o trabalho para a Academia. Em 1829 foi reprovado pela segunda vez na admissão à Escola Politécnica e alguns dias depois seu pai se suicidou.

No outono de 1829 foi admitido na École Normale Supérieure e no primeiro semestre de 1830 publicou três trabalhos no Bulletin de Ferrussac: "Análise de uma memória sobre a resolução algébrica de equações"; "Resolução de equações numéricas" e "Teoria dos números". Quanto ao trabalho, Cauchy acabou não lendo na Academia, mas sugeriu que Galois fizesse algumas modificações e o submetesse ao Grande Prêmio de Matemática da Academia que seria anunciado em 1830. Mas o manuscrito perdeu-se e Galois teve que reescrevê-lo de memória e escreveu uma obra mais ampla intitulada: "Memória sobre as condições de solubilidade das equações por radicais". Então, Fourier foi dessa vez designado para ler o trabalho na Academia, mas morreu e o manuscrito novamente sumiu e Galois não chegou nem a concorrer. Em 17 de janeiro de 1831, por incentivo de Poisson, Galois apresentou pela terceira vez o seu artigo à Academia. Devido a suas posições políticas foi preso entre 14/07/31 a 16/03/32. Na prisão, soube que Poisson lera à Academia o seu relatório, desaprovando o trabalho. Da prisão começou a escrever o trabalho "Duas Memórias de Análise Pura" e escreveu um artigo "Nota sobre Abel" mostrando que a demonstração daquele e a sua, apresentando a impossibilidade de se resolver algebricamente equações de quinta ordem ou superiores eram diferentes. No ano seguinte, conheceu uma mulher e num episódio confuso, por causa dela, foi desafiado para um duelo com um antigo camarada de lutas políticas. Na noite anterior, sabendo que iria morrer, escreveu uma carta a um amigo, onde deixa o seu testamento científico. No duelo, recebeu uma bala no abdômen e faleceu no dia seguinte, a 31 de maio de 1832.

Para seus companheiros de lutas políticas escreveu: "Meus amigos, fui desafiado por dois patriotas... Foi-me difícil recusar. Eu morro vítima de uma infame leviana e de dois tolos desta leviana. É dentro de um miserável mexerico que se extingue minha vida." E para Auguste Chevalier, que considerava o seu melhor amigo, escreveu o seu testamento científico, varando a madrugada que antecedeu o  duelo e que ele sabia que seria derrotado: "Meu querido amigo, eu fiz em análise várias coisas novas. Umas concernentes à teoria das equações; outras concernentes às funções integrais". Então Galòis escreve dezenas de páginas explicando  a teoria das equações, vários teoremas demonstrando a teoria de grupos, melhorou a memória que fora reprovada por Poisson. Acrescentou: "Várias vezes em minha vida eu me arrisquei a avançar proposições das quais eu não estava seguro. Mas tudo o que acabo de escrever está em minha cabeça há bastante tempo e é de meu interesse não me enganar para que não suspeitem que enunciei teoremas dos quais eu não teria a demonstração completa. Você deve pedir publicamente a Jacobi ou Gauss para que opinem não sobre a veracidade mas sobre a importância destes teoremas." Essa última carta foi publicada na Revue Encyclopédique. Em 1846, Joseph Liouville publicou os trabalhos matemáticos dessa última noite no Journal de Mathématiques Pures et Appliquées, com o título "Obras Matemáticas de Évariste Galois", em 1846. Finalmente, Camille Jordan, no seu "Tratado das Substituições e das Equações Algébricas", de 1870, inclui as teorias de Galois e em 1895, Sophus Lie escreveu "Influência de Galois sobre o Desenvolvimento da Matemática". Agora Galois tinha o seu trabalho definitivamente reconhecido.