Existe um tipo de material composto por substâncias orgânicas e inorgânicas que tem um grande potencial de aplicação em diversos ramos da tecnologia, como em LEDs, dispositivos optoeletrônicos, fotodetectores, armazenamento de gás, catálise, carregador de drogas, anodos de bateria de lítio, etc. Trata-se das estruturas metal-orgânica (MOF, em inglês, metal-organic framework), algumas das quais consistindo em cristais tridimensionais e outras, em estruturas bidimensionais, como as perovskitas de haleto-orgânico.
Adicionalmente, muitas estruturas metal-orgânicas apresentam a importante característica de serem multiferróicas, ou seja, materiais que apresentam ordem elétrica e magnética simultaneamente. Entre estes grupos destacam-se as esturturas construídas por octaedros MO6 conectados por grupos formatos, uma vez que esses grupos permitem a síntese de compostos com distâncias entre os íons magnéticos relativamente curtas, induzindo ordenamento a baixas temperaturas. Por exemplo, a ordem elétrica foi reportada para foratos dimelamônio-metal com fórmula [(CH3)2NH2][M(HCOO)3], onde o M representa algum dos seguintes íons: Co,Fe, Mg, Mn, Ni, Zn. Também já foram anunciadas propriedades ferroelétricas no formato [NH4][M(HCOO)3]; foi demonstrado que esse material apresenta ordenamento elétrico nas temperaturas entre 191 e 255 K. Adicionalmente, mostrou-se que o [NH4][Zn(HCOO)3] apresenta compressibilidade negativa. De grande interesse, também, é o fato de que variando-se a temperatura ou a pressão, alguns dos materiais sofrem transição de fase estrutural, ou seja, modificam a sua estrutura. O estudo das transições de fase, de uma maneira geral, é interessante porque ele mostra os mecanismos que permitem que uma determinada estrutura seja modificada. Esse tipo de estudo, na verdade, é uma importante área da física.
No caso específico do [NH4][Zn(HCOO)3], percebeu-se que a dinâmica rotacional dos íons NH4+ desempenhan um papel de primeira linha na mudança estrutural, embora um entendimento completo do fenômeno envolva outros aspectos. De fato, qunado uma estrutura cristalina apresenta ligações de hidrogênio, a substituição isotópica (substituição de hidrogênios por deutérios) pode desempenhar um importante papel na elucidação dos fenômenos físicos apresentados pelo material [1-3]. Com a ideia de estudar sistemas isotópicos para se entender os mecanismos de transições de fase etruturais, investigou-se o [NH4][Zn(HCOO)3] e o [ND4][Zn(DHCOO)3], onde o D representa um deutério (um átomo de hidrogênio com um próton e um nêutron no núcleo) [4] A investigação mostrou que o efeito da deuteração na transição de fase é pequeno, o que exclui o movimento dos prótons e deutério ao longo da ligação N-H...O (ou N-D...O) como a origem da transição de fase. Outra possibilidade, então, é que as mudanças ocorram como consequência dos cárions aminas nas cavidades da estrutura. Estudos com cátions metil-amônio [5] e outras substâncias orgânicas também foram realizados, mostrando aspectos físicos de relevância para torná-los materiais funcionais.
De interessa também são as estruturas bidimensionais que englobam uma série de materiais, em particular, as perovskitas em camadas (fases Aurivillius, Dion-Jacobson, Ruddlesden-Popper, etc). Essas estruturas cristalizam-se em camadas com a estrutura perovskita ABO3 separadas por camadas finas de materiais intrusivos. Alguns desses materiais apresentam propriedades ferroelétricas, ou seja, quando se constrói um gráfico da polarização do material em função do campo elétrico, observa-se uma curva de histerese. Tais materiais possuem a vantagem de serem ferroelétricos produzidos com baixo custo, com um fácil processo de síntese, com baixo peso - o que é importante para as aplicações - e com uma grande diversidade estrutural.
De fato, no que diz respeito às moléculas de inclusão, a diversidade é oriunda da grande quantidade de componentes orgânicos que pode ser utilizada, como aminas alifáticas, aminas aromáticas, entre outras. Essas moléculas orgânicas adotam um arranjo direcional polar, produzindo ordem ferroelétrica. Tal fato potencializa o uso em dispositivos optoeletrônicos.
Figura 1: Vista da estrutura cristalina do [IM]Mn(H2POO)3 ao longo do eixo-b [6].
Além disso, do ponto de vista da ciência básica, perovskitas orgânica-inorgânica bidimensional se constituem numa ótima plataforma para se estudar o comportamento de tensão-deformação de camadas duras e suaves, geralmente a camada inorgânica fazendo o papel da camada dura e a mole sendo a camada orgânica. As camadas inorgânicas serviriam como suporte para o comportamento de mola das camadas moleculares, o que fornece ao material alta resistência à deformação e alta resistência à fratura.
Referências:
[1] J.M. de Souza, P.T.C. Freire, H.N. Bordallo et al., J. Phys. Chem. B 111, 5034 (2007).
[2] J.M. de Souza, P.T.C. Freire, D.N. Argyriou et al., ChemPhysChem 10, 3337 (2009).
[3] R.O. Gonçalves, P.T.C. Freire, H.N. Bordallo et al., J. Raman Spectrosc. 40, 958 (2009).
[4] M. Maczka, P. Kadlubanski, P.T.C. Freire et al., Inor. Chem. 53, 9615 (2014).
[5] A. Ciupa, M. Ptak, M. Maczka, J.G.S. Filho, P.T.C. Freire, J. Raman Spectrosc. 48, 972 (2017).
[6] M. Mączka, D.L.M. Vasconcelos, P.T.C. Freire, Spectr. Acta A 298, 122768 (2023).