quinta-feira, 11 de julho de 2024

César Lattes - 100 anos

Hoje é celebrado os 100 anos de nascimento de César Lattes, um dos maiores físicos brasileiros, que deu uma contribuição de primeira grandeza para a descoberta do méson pi. De fato, juntamente com Giuseppe Occhialini e Cecil Powell, da Universidade de Bristol, César Lattes determinou experimentalmente pela primeira vez a existência dessa partícula subatômica.

O méson foi proposto por Hideki Yukawa em 1935 como sendo a partícula portadora da força forte. Pela prvisão e pela descoberta, Yukawa e Powell receberam o Prêmio Nobel de Física (Lattes, que aperfeiçoara o sistema de detecção, que permitiu a descoberta, não foi agraciado). O méson pi (na verdade, são três espécies, o pi-zero, o pi-mais e o pi-menos) é composto por um quark e um anti-quark, ou seja uma das partículas (e sua anti-partícula) formadora do próton. Posteriormente, juntamente com o físico Eugene Gardner, Lattes também descobriu o méson pi oriundo de colisões artificiais produzidas em síncrotron.

César Lattes nasceu exatamente há cem anos, em Curitiba, vindo a falecer em Campinas, em 08 de março de 2005. Ele foi um dos principais responsável pela criação do CNPq, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia responsável pelo financiamento de boa parte das pesquisas no Brasil. Por conta disso, o CNPq o homenageou denominando a sua plataforma de curricula como Plataforma Lattes, que congrega milhões de curricula de pesquisadores, professores, estudantes e cientistas de todas as áreas do conhecimento. Lattes também trabalhou no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas e foi um dos fundadores do Instituto de Física Gleb Wataghin, onde aceitou um cargo de professor titular em 1967.

Assim, parabenizamos hoje, 11/07/2024, o físico César Lattes, figura de grande importância para o desenvolvimento da física no Brasil.


César Lattes (1924 - 2005) numa fotografia de 1949.

sexta-feira, 5 de julho de 2024

Estruturas metal-orgânico (MOFs)

Existe um tipo de material composto por substâncias orgânicas e inorgânicas que tem um grande potencial de aplicação em diversos ramos da tecnologia, como em LEDs, dispositivos optoeletrônicos, fotodetectores, armazenamento de gás, catálise, carregador de drogas, anodos de bateria de lítio, etc. Trata-se das estruturas metal-orgânica (MOF, em inglês, metal-organic framework), algumas das quais consistindo em cristais tridimensionais e outras, em estruturas bidimensionais, como as perovskitas de haleto-orgânico. 

Adicionalmente, muitas estruturas metal-orgânicas apresentam a importante característica de serem multiferróicas, ou seja, materiais que apresentam ordem elétrica e magnética simultaneamente. Entre estes grupos destacam-se as esturturas construídas por octaedros MO6 conectados por grupos formatos, uma vez que esses grupos permitem a síntese de compostos com distâncias entre os íons magnéticos relativamente curtas, induzindo ordenamento a baixas temperaturas. Por exemplo, a ordem elétrica foi reportada para foratos dimelamônio-metal com fórmula [(CH3)2NH2][M(HCOO)3], onde o M representa algum dos seguintes íons: Co,Fe, Mg, Mn, Ni, Zn. Também já foram anunciadas propriedades ferroelétricas no formato [NH4][M(HCOO)3]; foi demonstrado que esse material apresenta ordenamento elétrico nas temperaturas entre 191 e 255 K. Adicionalmente, mostrou-se que o [NH4][Zn(HCOO)3] apresenta compressibilidade negativa. De grande interesse, também, é o fato de que variando-se a temperatura ou a pressão, alguns dos materiais sofrem transição de fase estrutural, ou seja, modificam a sua estrutura. O estudo das transições de fase, de uma maneira geral, é interessante porque ele mostra os mecanismos que permitem que uma determinada estrutura seja modificada. Esse tipo de estudo, na verdade, é uma importante área da física.

No caso específico do [NH4][Zn(HCOO)3], percebeu-se que a dinâmica rotacional dos íons NH4+ desempenhan um papel de primeira linha na mudança estrutural, embora um entendimento completo do fenômeno envolva outros aspectos. De fato, qunado uma estrutura cristalina apresenta ligações de hidrogênio, a substituição isotópica (substituição de hidrogênios por deutérios) pode desempenhar um importante papel na elucidação dos fenômenos físicos apresentados pelo material [1-3]. Com a ideia de estudar sistemas isotópicos para se entender os mecanismos de transições de fase etruturais, investigou-se o [NH4][Zn(HCOO)3] e o [ND4][Zn(DHCOO)3], onde o D representa um deutério (um átomo de hidrogênio com um próton e um nêutron no núcleo) [4] A investigação mostrou que o efeito da deuteração na transição de fase é pequeno, o que exclui o movimento dos prótons e deutério ao longo da ligação N-H...O (ou N-D...O) como a origem da transição de fase. Outra possibilidade, então, é que as mudanças ocorram como consequência dos cárions aminas nas cavidades da estrutura. Estudos com cátions metil-amônio [5] e outras substâncias orgânicas também foram realizados, mostrando aspectos físicos de relevância para torná-los materiais funcionais.

De interessa também são as estruturas bidimensionais que englobam uma série de materiais, em particular, as perovskitas em camadas (fases Aurivillius, Dion-Jacobson, Ruddlesden-Popper, etc). Essas estruturas cristalizam-se em camadas com a estrutura perovskita ABO3 separadas por camadas finas de materiais intrusivos. Alguns desses materiais apresentam propriedades ferroelétricas, ou seja, quando se constrói um gráfico da polarização do material em função do campo elétrico, observa-se uma curva de histerese. Tais materiais possuem a vantagem de serem ferroelétricos produzidos com baixo custo, com um fácil processo de síntese, com baixo peso - o que é importante para as aplicações - e com uma grande diversidade estrutural.

De fato, no que diz respeito às moléculas de inclusão, a diversidade é oriunda da grande quantidade de componentes orgânicos que pode ser utilizada, como aminas alifáticas, aminas aromáticas, entre outras. Essas moléculas orgânicas adotam um arranjo direcional polar, produzindo ordem ferroelétrica. Tal fato potencializa o uso em dispositivos optoeletrônicos.


Figura 1: Vista da estrutura cristalina do [IM]Mn(H2POO)3 ao longo do eixo-b [6].

Além disso, do ponto de vista da ciência básica, perovskitas orgânica-inorgânica bidimensional se constituem numa ótima plataforma para se estudar o comportamento de tensão-deformação de camadas duras e suaves, geralmente a camada inorgânica fazendo o papel da camada dura e a mole sendo a camada orgânica. As camadas inorgânicas serviriam como suporte para o comportamento de mola das camadas moleculares, o que fornece ao material alta resistência à deformação e alta resistência à fratura.

Referências:

[1] J.M. de Souza, P.T.C. Freire, H.N. Bordallo et al., J. Phys. Chem. B 111, 5034 (2007).

[2] J.M. de Souza, P.T.C. Freire, D.N. Argyriou et al., ChemPhysChem 10, 3337 (2009).

[3] R.O. Gonçalves, P.T.C. Freire, H.N. Bordallo et al., J. Raman Spectrosc. 40, 958 (2009).

[4] M. Maczka, P. Kadlubanski, P.T.C. Freire et al., Inor. Chem. 53, 9615 (2014).

[5] A. Ciupa, M. Ptak, M. Maczka, J.G.S. Filho, P.T.C. Freire, J. Raman Spectrosc. 48, 972 (2017). 

[6] M. Mączka, D.L.M. Vasconcelos, P.T.C. Freire, Spectr. Acta A 298, 122768 (2023).


quarta-feira, 13 de março de 2024

Evariste Galois

Uma equação algébrica de até quarto grau, ax4 + bx3 + cx2 + dx + e = 0 pode ser resolvida algebricamente. Isso significa que através de um número finito de operações de soma, subtração, multiplicação, divisão, potencialização inteira e radiciação aplicadas aos seus coeficientes, pode-se obter suas raízes. Para se chegar a esse conhecimento, muitos matemáticos deram importantes contribuições como, numa lista não exaustiva: Nicolò Fontana Tartaglia, Girolano Cardano, Ludovico Ferrari, François Viète, Friedrich Gauss, etc.

Embora em algumas situações particulares seja possível descobrir-se expressões para equações algébricas de quinta ordem ou superiores, de uma forma geral não existem soluções algébricas para equações desse tipo. Isso foi provado por dois matemáticos que tiveram vidas breves e mortes trágicas: Niels Henrik Abel (1802 - 1829) e Évarist Galois (1811 - 1832). Em outra postagem falaremos de Abel, autor da obra "Mémoire sur les équations albébriques au on démontre l'impossibilité de la resolution de l'equation général du cinquiènne dégré". Por enquanto ficaremos restrito a falar de Galois.



Evarist Galóis nasceu em 25 de outubro de 1811 em Bourg-la-Reine. Como estudante estava apenas interessado em matemática e bem novo estudou obras de Euler, Gauss e Jacobi. Em 1828 tentou entrar na École Polytechnique, mas foi reprovado. No dia primeiro de abril de 1829 pubu nos Annales de Gergonne, "Demonstração de um teorema sobre as frações contínuas periódicas". Em 25 de maio apresentou na Academia de Ciências de Paris, "Pesquisas sobre equações algébricas de grau primo". Cauchy foi designado como relator e disse a Galóis que precisaria resumir o trabalho para a Academia. Em 1829 foi reprovado pela segunda vez na admissão à Escola Politécnica e alguns dias depois seu pai se suicidou.

No outono de 1829 foi admitido na École Normale Supérieure e no primeiro semestre de 1830 publicou três trabalhos no Bulletin de Ferrussac: "Análise de uma memória sobre a resolução algébrica de equações"; "Resolução de equações numéricas" e "Teoria dos números". Quanto ao trabalho, Cauchy acabou não lendo na Academia, mas sugeriu que Galois fizesse algumas modificações e o submetesse ao Grande Prêmio de Matemática da Academia que seria anunciado em 1830. Mas o manuscrito perdeu-se e Galois teve que reescrevê-lo de memória e escreveu uma obra mais ampla intitulada: "Memória sobre as condições de solubilidade das equações por radicais". Então, Fourier foi dessa vez designado para ler o trabalho na Academia, mas morreu e o manuscrito novamente sumiu e Galois não chegou nem a concorrer. Em 17 de janeiro de 1831, por incentivo de Poisson, Galois apresentou pela terceira vez o seu artigo à Academia. Devido a suas posições políticas foi preso entre 14/07/31 a 16/03/32. Na prisão, soube que Poisson lera à Academia o seu relatório, desaprovando o trabalho. Da prisão começou a escrever o trabalho "Duas Memórias de Análise Pura" e escreveu um artigo "Nota sobre Abel" mostrando que a demonstração daquele e a sua, apresentando a impossibilidade de se resolver algebricamente equações de quinta ordem ou superiores eram diferentes. No ano seguinte, conheceu uma mulher e num episódio confuso, por causa dela, foi desafiado para um duelo com um antigo camarada de lutas políticas. Na noite anterior, sabendo que iria morrer, escreveu uma carta a um amigo, onde deixa o seu testamento científico. No duelo, recebeu uma bala no abdômen e faleceu no dia seguinte, a 31 de maio de 1832.

Para seus companheiros de lutas políticas escreveu: "Meus amigos, fui desafiado por dois patriotas... Foi-me difícil recusar. Eu morro vítima de uma infame leviana e de dois tolos desta leviana. É dentro de um miserável mexerico que se extingue minha vida." E para Auguste Chevalier, que considerava o seu melhor amigo, escreveu o seu testamento científico, varando a madrugada que antecedeu o  duelo e que ele sabia que seria derrotado: "Meu querido amigo, eu fiz em análise várias coisas novas. Umas concernentes à teoria das equações; outras concernentes às funções integrais". Então Galòis escreve dezenas de páginas explicando  a teoria das equações, vários teoremas demonstrando a teoria de grupos, melhorou a memória que fora reprovada por Poisson. Acrescentou: "Várias vezes em minha vida eu me arrisquei a avançar proposições das quais eu não estava seguro. Mas tudo o que acabo de escrever está em minha cabeça há bastante tempo e é de meu interesse não me enganar para que não suspeitem que enunciei teoremas dos quais eu não teria a demonstração completa. Você deve pedir publicamente a Jacobi ou Gauss para que opinem não sobre a veracidade mas sobre a importância destes teoremas." Essa última carta foi publicada na Revue Encyclopédique. Em 1846, Joseph Liouville publicou os trabalhos matemáticos dessa última noite no Journal de Mathématiques Pures et Appliquées, com o título "Obras Matemáticas de Évariste Galois", em 1846. Finalmente, Camille Jordan, no seu "Tratado das Substituições e das Equações Algébricas", de 1870, inclui as teorias de Galois e em 1895, Sophus Lie escreveu "Influência de Galois sobre o Desenvolvimento da Matemática". Agora Galois tinha o seu trabalho definitivamente reconhecido.

sábado, 9 de dezembro de 2023

Cometa Halley no afélio

Hoje, 09 de dezembro de 2023, o cometa Halley atingiu o afélio, ou seja, o ponto de sua trajetória mais distante do Sol. Isso significa que ele começou a retornar em direção a região mais interna do sistema solar. Como é bem conhecido, todos os corpos celestes, planetas, satélites naturais, cometas, movimentam-se em órbitas elípticas, tal como descoberto por Johannes Kepler há vários séculos. O último periélio do cometa Halley, o ponto mais próximo do Sol, pequeno período em torno do qual a cauda aparece, foi no ano de 1986 e o próximo ocorrerá em 2061. É interessante também observar da Figura 1 que a excentricidade da órbita do cometa é bastante grande.


Figure 1: Trajetória do cometa Halley numa órbita entre 1986 e 2061.

Daqui até 2040, o cometa Halley estará além da órbita de Netuno e só no começo de 2060 estará na distância equivalente à órbita de Júpiter e um ano depois atingirá a sua distância mais próxima do Sol, em julho de 2061. Claramente, a velocidade do cometa em sua órbita não é constante, como também já constatado por Kepler quando estabeleceu a sua segunda lei - a lei da áreas - que hoje sabemos ser consequência de uma lei fundamental da natureza, a lei da conservação do momento angular.

Em 1986 ocorreram grandes manifestações da comunidade de astrônomos amadores, no Brasil e em outros países, por causa do aparecimento do cometa Halley. Alguns livros foram produzidos por amadores e profissionais, como aqueles publicados por Nelson Travnik, Rubens de Azevedo e Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, apenas para citar uns poucos. Também fizemos parte de um grupo brasileiro de observadores amadores formado para observar o cometa Halley (Figuras 2 e 3) sob a coordenação do Observatório do Capricórnio, de Campinas-SP, tendo como coordenador geral, Nelson Travnik (*). Particularmente, consegui observar o astro com certa dificuldade, haja vista que ele apresentou-se com uma incrível baixa magnitude. A ideia original era utilizar o nosso telescópio refrator de 60 mm com um adaptador para uma câmera fotográfica reflex e conseguir algumas fotos do cometa, tal como havíamos feito para fotografar o belo eclipse de 06/07/1982. Entretanto, apesar de algumas tentativas, não foi possível conseguir-se boas fotos, apenas uns poucos rabiscos num papel. De qualquer maneira, ficaram alguns bons registros na nossa memória.


Figure 2: Capa do primeiro Boletim dos Observadores, coordenados pelo Observatório do Capricórnio, Campinas.


Figure 3: Lista de observadores cadastrados para observar o Cometa Halley em 1986, coordenados pelo Observatório do Capricórnio de Campinas (nós somos o observador cadastrado com número 039).

* Nelson Travnik nasceu em Petrópolis-RJ e morreu em Campinas-SP, em 07/09/2023. Foi o fundador do observatório Flammarion, em Matias Barbosa-MG, em 1954; do Observatório Municipal de Americana-SP, em 1985; do Observatório Astronômico de Piracicaba-SP, em 1992, além de ter trabalhado desde 1985 no Observatório do Capricórnio, em Campinas.

terça-feira, 3 de outubro de 2023

Prêmio Nobel de Física 2023

Os três ganhadores do Nobel de Física 2023 estão sendo reconhecidos por seus experimentos, que deram à humanidade novas ferramentas para explorar o mundo dos elétrons dentro dos átomos e moléculas. Pierre Agostini, Ferenc Krausz e Anne L’Huillier demonstraram uma maneira de criar pulsos de luz extremamente curtos que podem ser usados ​​para medir os processos rápidos nos quais os elétrons se movem ou mudam de energia.

Eventos em movimento rápido fluem uns para os outros quando percebidos pelos humanos, assim como um filme que consiste em imagens estáticas é percebido como um movimento contínuo. Se quisermos investigar eventos realmente breves, precisaremos de tecnologia especial. No mundo dos elétrons, as mudanças ocorrem em alguns décimos de attosegundo, ou 10⁻¹⁸ segundos. Um attosegundo é tão curto que há tantos em um segundo quantos segundos desde o nascimento do universo. As experiências dos laureados produziram pulsos de luz tão curtos que são medidos em attossegundos, demonstrando assim que esses pulsos podem ser usados ​​para fornecer imagens de processos dentro de átomos e moléculas.

Em 1987, Anne L’Huillier descobriu que muitos overtones diferentes de luz surgiam quando ela transmitia luz laser infravermelha através de um gás nobre. Cada overtone é uma onda de luz com um determinado número de ciclos para cada ciclo da luz laser. Eles são causados ​​​​pela interação da luz laser com os átomos do gás; dá a alguns elétrons energia extra que é então emitida como luz. Anne L’Huillier continuou a explorar este fenômeno, preparando o terreno para avanços subsequentes. Mais adiante, em 2001, Pierre Agostini conseguiu produzir e investigar uma série de pulsos de luz consecutivos, em que cada pulso durou apenas 250 attossegundos. Ao mesmo tempo, Ferenc Krausz trabalhava com outro tipo de experimento, que permitia isolar um único pulso de luz com duração de 650 attossegundos.

As contribuições dos laureados permitiram a investigação de processos que são tão rápidos que antes eram impossíveis de se observar. “Agora podemos abrir a porta para o mundo dos elétrons. A física do attosegundo nos dá a oportunidade de compreender os mecanismos que são governados por elétrons. O próximo passo será utilizá-los”, afirma Eva Olsson, presidente do Comitê do Nobel de Física. De fato, é possível que existam diversas aplicações potenciais em muitas áreas diferentes como na eletrônica e na biomedicina, por exemplo, como em diagnósticos médicos [1].

É interessante destacar que além desses três personagens que ganharam o Prêmio Nobel, um pesquisador da Bell Labs, nos Estados Unidos, também pesquisava o assunto na década de 80 e desempenhou um importante papel. Trata-se de Chuck Shank, que desenvolveu técnicas para se atingir os femtosegundos. Shank trabalhou com o chamado laser com CPM (colliding pulses modelocking) com o qual se conseguiu pulsos de 60 fs. Shank, juntamente com Roger Stolen e Ippen, descobriram que passando o laser em uma fibra óptica, a automodulação de fase criava novas frequências, que vinham atrasadas ou adiantadas no pulso. Essa frequência que varia no tempo é chamada de chirp. O pesquisador Wayne Knox através do uso de uma grade de difração conseguiu cancelar o chirp e como consequência obteve um pulso de 8 fs.

Nesse ponto, entram em cena dois professores brasileiros vinculados ao Instituto de Física da Unicamp. O primeiro foi o Prof. Carlos Henrique de Brito Cruz, que trabalhou no Bell Labs entre 1986 e 1987. Brito incorporou um prisma, além da grade de difração, e obteve um pulso de 6 fs. Esse foi o récorde de pulsos curtos por mais de uma década. Depois, em 1988, chegou ao Bell Labs o Prof. Carlos Lenz César, ali permanecendo até 1990. Nesse período o Prof. Lenz conseguiu o pulso mais curto no infravermelho, cerca de 120 fs, utilizando para isso um laser de Centro de Cor [2]. 

Em 1992 descobriram que o laser de titânio-safira gerava pulsos de femtosegundos e era sintonizável. O Ferenc Krausz, de Viena, então colocou correção de chirp dentro da cavidade do laser de titânio-safira e conseguiu diretamente do laser, sem a necessidade de compressão de pulsos, corrigir o chirp e atingir pulsos de 10 fs. Daí chegou-se ao attomsegundos e o resto faz parte da história.

Notas:

[1] https://www.nobelprize.org/prizes/physics/2023/press-release/

[2] Depoimento do Prof. Carlos Lenz Cesar, Professor Titular no Departamento de Física da Universidade Federal do Ceará.


sábado, 30 de setembro de 2023

Insetos do passado

Uma lagerstätte é uma região na qual os fósseis apresentam um excelente grau de preservação. Muitos estudos melhoraram nossa compreensão do modo de preservação de fósseis do Lagerstätte Crato. O alto grau de preservação dos insetos mineralizados da Formação Crato, localizado na Chapada do Araripe e com idade da ordem de 100 milhões de ano, no sul do Estado do Ceará, é originado da difusão de íons através das carcaças e do envolvimento por bactérias que, por sua vez, criou condições microambientais que levaram à mineralização, principalmente à piritização. Insetos piritizados foram oxidados por intemperismo in situ em óxidos/hidroximinerais mais estáveis durante o Quaternário. O intemperismo intenso pode diminuir ou obscurecer a fidelidade morfológica, e pouca atenção tem sido dada aos processos pós-diagenéticos experimentados por esses fósseis. Com o objetivo de se preencher essa lacuna, tentou-se no trabalho da Ref. [1] - que consistiu numa parceria entre pesquisadores* do Ceará, Piauí e Paraná - determinar o grau de alteração sofrida por insetos que sofreram o processo de piritização na Formação Crato utilizando várias técnicas analíticas utilizadas na física e na ciência de materiais: microscopia eletrônica de varredura,  espectroscopia de raios X por energia dispersiva, espectroscopia de infravermelho por transformada de Fourier e espectroscopia Raman. Os resultados desse trabalho mostram que insetos bem preservados são preferencialmente substituídos por hematita e fósseis mal preservados são substituído por goethita. Além disso, registrou-se três tipos de alteração pós-diagenética: insetos com crescimento excessivo de óxido de ferro; insetos associados a revestimentos pretos, às vezes com a formação de dendritos; e insetos preservados como uma impressão, onde restou apenas o contorno dos seus corpos. Todas essas alterações têm o potencial de distorcer ou manchar a informação paleontológica. Ainda no trabalho da Ref. [1], mediu-se os efeitos das alterações telodiagenéticas em macro e micro escalas. Portanto, trata-se de uma abordagem tafonômica com ampla aplicabilidade onde quer que sejam encontrados depósitos contendo insetos mineralizados.


Referência:
[1] Effects of chemical weathering on the exceptional preservation of mineralized insects from the Crato Formation, Cretaceous of Brazil: implications for late diagenesis of fine-grained Lagerstätten deposits, F.I. Bezerra, J.H. da Silva, E.V.H. Agressot, P.T.C. Freire, B.C. Viana, M. Mendes, Geological Magazine 160, 911 – 926 (2023).
* Esse foi o último trabalho publicado em vida pelo Prof. João Hermínio da Silva, da Universidade Federal do Cariri, grande entusiasta da paleometria (aplicação de técnicas analíticas da física e da química para estudo de fósseis), falecido em 25/09/2023.

sexta-feira, 30 de junho de 2023

Olhando o céu

É possível realizar interessantes observações astronômicas mesmo com instrumentos com objetivas (no caso de telescópios refratores), ou espelhos (no caso de telescópios refletores) de baixas dimensões. Em tempos de mega telescópios orbitais como o Hobble e o James Webb, pode parecer sem sentido utilizar-se pequenos instrumentos na superfície do nosso planeta para se estudar os corpos celestes. De qualquer maneira, com os pequenos telescópios atuais disponíveis no mercado, no qual se acoplam facilmente sistemas de registros fotográficos, obter belas imagens de planetas e estrelas pode ser uma tarefa relativamente simples e bastante prazerosa. Um exemplo de fotos que podem ser conseguidas é mostrado abaixo. Trata-se da fotografia da superfície lunar obtida com um pequeno telescópio no Observatório Ferrucio Ginelli, da Seara da Ciência, equipamento de divulgação científica da Universidade Federal do Ceará.


Fotografia da superfície lunar, Seara da Ciência - Universidade Federal do Ceará.

Entretanto, mesmo na época em que não havia câmeras fotográficas que registrassem imagens digitais com qualidade, era possível se fazer boas e interessantes observações astronômicas, seja de eclipses (ver, por exemplo, a postagem de 06/07/2022 desse blog), seja de conjunções, seja de fenômenos transientes lunares (TLP), entre outros. Na figura abaixo apresento detalhes de observações que realizei no longínquo ano de 1984 com um telescópio refrator de 60 mm de diâmetro. É possível notar-se detalhes sutis das sombras das crateras e de montanhas que encontravam-se próximas do terminador, ou seja, da região lunar limítrofe entre a noite e o dia. O desenho superior à esquerda representa a região da cratera Moretus tal como observada no dia 02/11/1984 entre 19:20 e 19:40 no tempo local (TL). O desenho inferior à esquerda representa a região de Casatus, tal como foi registrado no dia 03/11/1984 entre 19:30 e 19:40 TL. O desenho do meio representa parte do terminador (colongitude 80 graus) mostrando Grimaldi e Hevelius, como observado em 09/09/1984. O desenho superior direito apresenta uma série de crateras observadas no terminador no dia 06/10/1984 e o desenho inferior à direita apresenta o terminador no dia 07/11/1984, com destaque para muitas elevações na região ao sul de Betinus.
Desenho de crateras e montanhas lunares localizadas no terminador em diversos dias do ano de 1984 (desenhos Tarso Freire, com grafite e tinta guache).