quarta-feira, 2 de julho de 2025

Palestras sobre os cem anos da Mecânica Quântica

Este ano, a mecânica quântica, através dos formalismos de Heisenberg e Dirac, está completando cem anos de história. Por conta disto, diversas atividades estão ocorrendo em todo o mundo. Particularmente, temos ministrado algumas palestras para nesta ideia de divulgar um pouco a teoria e comemorar a data.

No dia 18/02/2025, abrindo a VI ESCOLA DE FÍSICA TÓRICA DO CEARÁ, evento científico coordenado pelos Profs. Celio Muniz, Raissa Neves e Lázara Silveira, da FECLI (UECE), em Iguatu, apresentamos a palestra "Ecos Longínquos de ondas... de universos: História da Física Quântica". Nela, foram apresentadas as principais ideias dos construtores da teoria quântica, com ênfase nos trabalhos de Heisenberg, Jordan, Born e Dirac, através da discussão dos artigos publicados por estes físicos durante o segundo semestre do ano de 1925.


Apresentação de palestra na VI Escola de Física Teórica do Ceará, em Iguatu, 18/02/2025.


No dia 19/05/2025, comemorando o dia do físico no Instituto Federal do Ceará, a convite do Prof. Mairton Cavalcante Romeu, ministramos a palestra "Cem anos de uma teoria espetacular". Tal evento contou com um público bastante motivado, composto por professores e estudantes de Licenciatura em Física daquela instituição. Apresentamos as principais ideias da teoria, passando por diversos físicos e culminando com os trabalhos de Heisenberg, Dirac e Schrödinger.


Apresentação no Instituto Federal do Ceará comemorando-se o dia do físico, 19/05/25.

No dia 30/05/2025 apresentamos uma pequena palestra para os estudantes do ensino médio que foram medalhistas, no Ceará, da Olimpíada Brasileira de Física das Escolas Públicas (relativo ao ano de 2024), coordenada aqui no estado pelo Prof. José Alves de Lima Jr., da Universidade Federal do Ceará. Nesta apresentação, "Cem anos da Mecânica Quântica", partimos do problema da radiação do corpo negro e das raias espectrais de emissão e absorção dos elementos químicos para evidenciar a necessidade de uma teoria capaz de explicar a natureza do átomo. Mencionam-se brevemente os trabalhos de Heisenberg, Jordan, Born, Dirac e Schrödinger, discutindo-se o problema da difração do elétron no experimento da dupla fenda. Diante da necessidade de expressar as amplitudes de probabilidade por meio de números complexos, essas grandezas são representadas em um diagrama de Argand-Gauss e transformadas em vetores em um espaço bidimensional. A partir de uma simples soma vetorial e utilizando apenas a geometria do teorema de Pitágoras, calcula-se o quadrado da soma das amplitudes de probabilidade, chegando-se ao termo que representa a interferência quântica. nformações adicionais sobre a cerimônia de entrega das medalhas pode ser encontrada no site da Sociedade Brasileira de Física:

 https://www1.fisica.org.br/~obfep/premiacao-obfep-2024-ce/

Apresentação no Centro de Ciências da UFC na entrega das medalhas da OBFEP-2024.


No dia 13/06/2025 apresentamos na "Manhã da Mecânica Quântica", um evento no Departamento de Física da Universidade Federal do Ceará, que contou com a participação de diversos professores e estudantes, a palestra "Breve relato da história da mecânica quântica". Na referida apresentação mostramos as principais contribuições dos físicos que produziram a teoria quântica, em particular, George Stoney, John Nicholson, Johannes Rydberg, Walter Ritz, Niels Bohr, Wolfgang Pauli e os cinco criadores da mecânica quântica, Werner Heisenberg, Pascoal Jordan, Max Born, Paul Dirac e Erwin Schrödinger.


Palestra na "Manhã da Mecânica Quântica", no Departamento de Física da UFC, comemorando-se os cem anos da teoria, em 13/06/2025.

domingo, 22 de junho de 2025

Chalconas

Uma chalcona é uma estrutura química simples presente em muitos compostos naturais, em particular encontrada em vegetais, como em frutas e em chás. A palavra “chalcona” deriva do grego “chalcos”, que significa “bronze”, em referência à coloração da maioria das chalconas naturais. Os compostos de chalcona possuem uma estrutura química comum de 1,3-diaril-2-propen-1-ona, também conhecida como chalconoide, que existe nas formas isoméricas trans e cis, sendo a forma trans termodinamicamente mais estável. 

 A família das chalconas tem despertado grande interesse não apenas ao que diz respeito à sua síntese, mas também devido às suas amplas e interessantes atividades biológicas. As aplicações terapêuticas das chalconas remontam a milhares de anos, por meio do uso de plantas e ervas no tratamento de diversos distúrbios médicos, incluindo-se aí inflamações, câncer, diabetes, entre outros. Diversos compostos à base de chalcona já foram aprovados para uso clínico. Para citar apenas dois exemplos, a metochalcona foi comercializada como um fármaco colerético, enquanto a sofalcona foi utilizada anteriormente como um medicamento antiúlcera e mucoprotetor [1].

As chalconas são o núcleo de muitos compostos biologicamente interessantes provenientes de fontes naturais. Mas quando se refere a ela é preciso um certo cuidado porque na literatura científica o termo “chalcona” é usado genericamente para se referir a compostos com um sistema cetona α,β-insaturado. Assim, a família das chalconas apresenta uma diversidade estrutural ampla e pode ser classificada, de forma geral, em duas categorias: chalconas simples/clássicas e chalconas híbridas, ambas com a estrutura central de 1,3-diaril-2-propen-1-ona. Estima-se que existam milhares de chalconas naturais, mas o seu número exato não é conhecido.


Fig. 1: Estrutura química das chalconas.

PROPRIEDADE FLUORESCENTE. Devido ao seu sistema conjugado, chalconas com grupos funcionais doadores e atratores de elétrons adequados nos anéis benzênicos podem ser fluorescentes, o que as torna potenciais sondas químicas para investigações e aplicações em imagem/diagnóstico. Como compostos fluorescentes, os parâmetros fotofísicos — que incluem os comprimentos de onda de absorção (Abs λm) e emissão (Emi λm), o coeficiente de extinção (ε) e o rendimento quântico (ϕ), são fundamentais para aplicações biológicas. A faixa dinâmica de detecção é determinada pelos valores de Abs λm e Emi λm. O brilho da fluorescência, que é o produto de ε e ϕ no comprimento de onda de absorção máxima, está associado à sensibilidade da detecção. Alguns fatores não estruturais também são cruciais para a intensidade fluorescente, como os solventes e os componentes/aditivos biológicos [1].

Para se entender as propriedades físicas das chalconas é de interesse entender as suas propriedades estruturais e vibracionais. Assim, uma série de estudos tem sido realizado com o objetivo de elucidar estas propriedades [2-4]. 


[1] C. Zhuang et al. Chalcone: A Privileged Structure in Medicinal Chemistry, Chem. Rev. 117, 7762 (2017).
[2] M.C. Romeu, P.T.C. Freire, A.P. Ayala, A.C.H. Barreto, L.S. Oliveira, P.N. Bandeira, H.S. Santos, A.M.R. Teixeira, D.L.M. Vasconcelos, Synthesis, crystal structure, ATR-FTIR, FT-Raman and UV spectra, structural and spectroscopic analysis of   (3E)4[4(dimethylamine)phenyl]but3en2one,  J. Mol. Struct. 1264, 133222 (2022).
[3]  M.C. Romeu, P.T.C. Freire, A.P. Ayala, A.C.H. Barreto, L.S. Oliveira, M.R. Oliveira, P.N. Bandeira, H.S. Santos,  A.M.R.Teixeira, D.L.M. Vasconcelos, Synthesis, crystal structure and ATR-FTIR, FT-Raman and UV-Vis spectroscopic analysis of dihydrochalcone (3R)-3-(4-chlorophenyl)-3-hydroxy-1-(2-hydroxyphenyl)propan-1-one, J. Mol. Struct. 1266, 133516 (2022).
[4] M.A. Ribeiro, I.F. Farias, P.T.C. Freire, A.P. Ayala, G.A.F. Melo, D.L.M. Vasconcelos, A.C.H. Barreto, F.W.Q. Almeida-Neto, D.H.A. Brito, P.N. Bandeira, H.S. Santos, T.L.G. Lemos, A.M.R. Teixeira, J. Mol. Struct. 1294, 136410 (2023).

sábado, 8 de março de 2025

E a teoria de Schrödinger se consolida...

Excertos do capítulo 18 do nosso livro “Ecos longínquos de ondas... de universos: História da Física Quântica”, publicado pela editora Dialética.

“A mecânica ondulatória se consolidava no mundo acadêmico. No final de 1926, Schrödinger viajou com sua esposa Anny para os Estados Unidos para dar uma série de palestras. A viagem ao outro lado do Atlântico o ajudou a divulgar a teoria, não apenas nesse novo país, mas também no velho continente, embora de forma fortuita.

Periodicamente, na Bélgica, acontecia um importantíssimo encontro de cientistas das áreas da física e da química, financiados por uma indústria de produtos químicos, a Solvay. Mas era um encontro reservado, onde apenas os principais cientistas da época recebiam convites, como vimos no caso de Maurice de Broglie, para discutirem as pesquisas de ponta. O tema escolhido para o ano de 1927 foi “A teoria quântica e as teorias de radiação”. No comitê científico da conferência encontravam-se nomes como Albert Einstein, Hendrik Lorentz, Paul Langevin e Marie Curie, entre outros, o que significava que a seleção dos palestrantes era bem criteriosa. Entre os expositores, à princípio, estavam elencados Lawrence Bragg, Charles Wilson, Arthur Compton, Louis de Broglie, Hans Kramers, Werner Heisenberg, e o próprio Einstein, que poderia falar sobre a aplicação da estatística aos quanta, ou seja, sobre a sua recentemente descoberta estatística de Bose-Einstein.

Einstein, entretanto, não se sentia muito confortável para falar em um congresso dedicado ao novo desenvolvimento da teoria atômica e sugeriu que Schrödinger fosse convidado em seu lugar. Inicialmente, Lorentz mostrou certa relutância em convidar aquele último porque não se achava suficientemente convencido do método de Schrödinger. Mas na mesma época em que o vienense encontrava-se nos Estados Unidos, Lorentz ministrava um curso no California Instituto of Technology, o famoso Caltech, tendo a oportunidade de conversar sossegadamente com Schrödinger sobre o seu modelo. Lorentz se convenceu sobre a validade da mecânica ondulatória e concordou, finalmente, em se fazer o convite para se discutir a mecânica ondulatória no próximo mês de outubro.

Enquanto isso, Heisenberg trabalhava desesperadamente para mostrar que a sua mecânica matricial era superior à mecânica ondulatória, e Bohr tentava produzir uma versão que unificasse a visão de partícula e a imagem de ondas dos elétrons, mantendo os saltos quânticos e carregando simultaneamente as ondas em seu bojo. Uma tarefa de dimensão astronômica, a bem da verdade. Por conta dos interesses diversos, a estadia de Heisenberg em Copenhague durante o segundo semestre de 1926 foi um grande período de tensão entre os dois sábios. Para completar a complexa equação, durante a mesma época encontrava-se no instituto, o físico sueco Oskar Klein (1894 – 1977), com o qual Heisenberg teve algumas rusgas. De qualquer forma, os diálogos com o mestre dinamarquês plantaram as sementes do que viria a ser denominado de princípio da incerteza, que falaremos no próximo capítulo.

(...)

Em junho de 1927, a lista de palestrantes da conferência Solvay ficou pronta e Schrödinger foi informado por Lorentz que ele era um deles (Dirac e Pauli também acabaram sendo convidados, embora como delegados, ou seja, poderiam assistir às palestras e participar das discussões, mas não ministrariam nenhum seminário). Lorentz pedia também que os palestrantes enviassem um resumo até o começo de setembro, mas Schrödinger acabara de se mudar para Berlim para ocupar o lugar de Planck. Por conta disso, ele encontrava-se bastante ocupado com a mudança e a preparação dos cursos a serem ministrados durante aquele semestre. As múltiplas atividades retiraram do físico vienense tempo para continuar as suas pesquisas em mecânica ondulatória. O sucesso o estava impedindo, naquele momento, de continuar as investigações na física, que era o que ele mais apreciava. Mas o trabalho de fôlego de Schrödinger já estava concluído.

A conferência aconteceu entre os dias 24 e 29 de outubro de 1927. Schrödinger ministrou uma das principais palestras, La Mécanique des Ondes. Novamente, como ocorrera em Munique, ele expôs o formalismo matemático da teoria e lembrou que o sistema físico representado por pontos materiais não existe, a realidade é composta por algo que preenche todo o espaço continuamente, sendo descrito pela função de onda. Mostra, então, que o quadrado da função de onda, representava uma imagem do sistema clássico em todos os seus estados possíveis, ponderados pelo número ψψ*. Como destacado na Ref. [69], tal interpretação era quase similar àquela fornecida por Born, com exceção do fato de que para a turma de Göttingen e Copenhague, ‘sistema clássico de ponto material’ era um absurdo conceitual. Após a exposição de Schrödinger, houve uma discussão na qual principalmente Born e Heisenberg levantaram fortes objeções. Por aquela época, um consenso sobre o significado da teoria ainda jazia num tempo indefinido no futuro.

A honra de palestrar na Quinta Conferência Solvay se constituiria apenas em um dos primeiros reconhecimentos da grandeza da descoberta de Schrödinger.”

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Cem anos de Física Quântica

Em 2025 a mecânica quântica completará 100 anos. De fato, em 1925, Heisenberg escreveu o primeiro artigo sobre a mecânica quântica, substituindo a posição de um elétron por módulo de amplitudes e frequências; Born e Jordan colocaram as ideias de Heisenberg numa base matemática; Dirac publicou o seu formalismo partindo dos parênteses de Poisson; e Schrödinger começou a esboçar a sua metodologia, usando como ponto de partida a equação de Hamilton-Jacobi. Com a ideia de relembrar a história dessa verdadeira saga, que foi a construção da teoria, escrevemos um pequeno livro "Ecos longínquos de onda... de universos: História da física quântica", que acabou de ser publicado pela Editora Dialética. A física quântica se constitui num conjunto fabuloso de ideias e modelos matemáticos que moldaram o mundo a partir da sua descoberta. Como comentamos na apresentação da obra, pode-se considerar que toda a tecnologia moderna é teoria quântica aplicada. "Ecos longínquos..." mostra os esforços de dezenas de cientistas para construir essa estrutura teórica que, podemos dizer, sustenta o modo de vida da nossa civilização. Podemos nos comunicar com qualquer pessoa no planeta quase que instantaneamente, viajar com segurança utilizando os sofisticados sistemas de transportes, ter disponibilidade de energia e alimentos por meio de processos requintados, obter imagens diagnósticas para viver com mais saúde: tudo isso vem da física quântica. É relatada a história dos cientistas construtores da teoria quântica, pesquisadores que possuíam muita curiosidade, ambição, além de um conhecimento profundo da física. Alguns eram reservados, havia os que gostavam do confronto, os que publicavam rapidamente quando possuíam resultados que consideravam satisfatórios, os que publicavam apenas quando o assunto estivesse absolutamente entendido, os que trabalhavam durante o dia, os que eram boêmios e utilizavam as manhãs para os descansos, os que trabalhavam na madrugada. Uma história emocionante de trabalho árduo, engenhosidades, perseguições, fugas, insights e descobertas grandiosas: uma aventura da mente humana. O livro pode ser adquirido diretamente no site da editora Dialética. 


O título, na verdade, é tomado emprestado de um verso da poetisa portuguesa Florbela Espanca, "Ecos longínquos de ondas... de universos. Ecos dum Mundo... dum distante Além, Donde eu trouxe a magia dos meus versos!" do poema "Sou eu!", publicado no livro Charneca em Flor, de 1930. Não sei se após apenas quatro anos da publicação dos trabalhos da mecânica ondulatória, Florbela tivesse conhecimento da teoria e tenha apreendido com muita maestria a ideia central de um universo distante aos nossos olhos, composto por ondas. Se ela não conhecia, foi uma feliz coincidência. No que diz respeito ao desenho da capa, ela faz referência ao símbolo ΨΨ*, que na mecânica ondulatória representa uma densidade de probabilidade. O cacto representando a letra psi (Ψ) e o sol representando a estrela (*) era o símbolo do antigo Encontro de Físicos do Nordeste, que foi substituído por outra insígnia completamente diferente. Então, para recuperar o antigo simbolismo da terra árida e também representar o fato de quem escreveu o livro estudou mecânica quântica no Nordeste do Brasil, resolvemos utilizar os cactos e o sol. Para completar o simbolismo, os cactos jazem sobre ondas, que é exatamente como um elétron pode ser representado por um dos formalismos da teoria.

quinta-feira, 11 de julho de 2024

César Lattes - 100 anos

Hoje é celebrado os 100 anos de nascimento de César Lattes, um dos maiores físicos brasileiros, que deu uma contribuição de primeira grandeza para a descoberta do méson pi. De fato, juntamente com Giuseppe Occhialini e Cecil Powell, da Universidade de Bristol, César Lattes determinou experimentalmente pela primeira vez a existência dessa partícula subatômica.

O méson foi proposto por Hideki Yukawa em 1935 como sendo a partícula portadora da força forte. Pela prvisão e pela descoberta, Yukawa e Powell receberam o Prêmio Nobel de Física (Lattes, que aperfeiçoara o sistema de detecção, que permitiu a descoberta, não foi agraciado). O méson pi (na verdade, são três espécies, o pi-zero, o pi-mais e o pi-menos) é composto por um quark e um anti-quark, ou seja uma das partículas (e sua anti-partícula) formadora do próton. Posteriormente, juntamente com o físico Eugene Gardner, Lattes também descobriu o méson pi oriundo de colisões artificiais produzidas em síncrotron.

César Lattes nasceu exatamente há cem anos, em Curitiba, vindo a falecer em Campinas, em 08 de março de 2005. Ele foi um dos principais responsável pela criação do CNPq, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia responsável pelo financiamento de boa parte das pesquisas no Brasil. Por conta disso, o CNPq o homenageou denominando a sua plataforma de curricula como Plataforma Lattes, que congrega milhões de curricula de pesquisadores, professores, estudantes e cientistas de todas as áreas do conhecimento. Lattes também trabalhou no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas e foi um dos fundadores do Instituto de Física Gleb Wataghin, onde aceitou um cargo de professor titular em 1967.

Assim, parabenizamos hoje, 11/07/2024, o físico César Lattes, figura de grande importância para o desenvolvimento da física no Brasil.


César Lattes (1924 - 2005) numa fotografia de 1949.

sexta-feira, 5 de julho de 2024

Estruturas metal-orgânico (MOFs)

Existe um tipo de material composto por substâncias orgânicas e inorgânicas que tem um grande potencial de aplicação em diversos ramos da tecnologia, como em LEDs, dispositivos optoeletrônicos, fotodetectores, armazenamento de gás, catálise, carregador de drogas, anodos de bateria de lítio, etc. Trata-se das estruturas metal-orgânica (MOF, em inglês, metal-organic framework), algumas das quais consistindo em cristais tridimensionais e outras, em estruturas bidimensionais, como as perovskitas de haleto-orgânico. 

Adicionalmente, muitas estruturas metal-orgânicas apresentam a importante característica de serem multiferróicas, ou seja, materiais que apresentam ordem elétrica e magnética simultaneamente. Entre estes grupos destacam-se as esturturas construídas por octaedros MO6 conectados por grupos formatos, uma vez que esses grupos permitem a síntese de compostos com distâncias entre os íons magnéticos relativamente curtas, induzindo ordenamento a baixas temperaturas. Por exemplo, a ordem elétrica foi reportada para foratos dimelamônio-metal com fórmula [(CH3)2NH2][M(HCOO)3], onde o M representa algum dos seguintes íons: Co,Fe, Mg, Mn, Ni, Zn. Também já foram anunciadas propriedades ferroelétricas no formato [NH4][M(HCOO)3]; foi demonstrado que esse material apresenta ordenamento elétrico nas temperaturas entre 191 e 255 K. Adicionalmente, mostrou-se que o [NH4][Zn(HCOO)3] apresenta compressibilidade negativa. De grande interesse, também, é o fato de que variando-se a temperatura ou a pressão, alguns dos materiais sofrem transição de fase estrutural, ou seja, modificam a sua estrutura. O estudo das transições de fase, de uma maneira geral, é interessante porque ele mostra os mecanismos que permitem que uma determinada estrutura seja modificada. Esse tipo de estudo, na verdade, é uma importante área da física.

No caso específico do [NH4][Zn(HCOO)3], percebeu-se que a dinâmica rotacional dos íons NH4+ desempenhan um papel de primeira linha na mudança estrutural, embora um entendimento completo do fenômeno envolva outros aspectos. De fato, qunado uma estrutura cristalina apresenta ligações de hidrogênio, a substituição isotópica (substituição de hidrogênios por deutérios) pode desempenhar um importante papel na elucidação dos fenômenos físicos apresentados pelo material [1-3]. Com a ideia de estudar sistemas isotópicos para se entender os mecanismos de transições de fase etruturais, investigou-se o [NH4][Zn(HCOO)3] e o [ND4][Zn(DHCOO)3], onde o D representa um deutério (um átomo de hidrogênio com um próton e um nêutron no núcleo) [4] A investigação mostrou que o efeito da deuteração na transição de fase é pequeno, o que exclui o movimento dos prótons e deutério ao longo da ligação N-H...O (ou N-D...O) como a origem da transição de fase. Outra possibilidade, então, é que as mudanças ocorram como consequência dos cárions aminas nas cavidades da estrutura. Estudos com cátions metil-amônio [5] e outras substâncias orgânicas também foram realizados, mostrando aspectos físicos de relevância para torná-los materiais funcionais.

De interessa também são as estruturas bidimensionais que englobam uma série de materiais, em particular, as perovskitas em camadas (fases Aurivillius, Dion-Jacobson, Ruddlesden-Popper, etc). Essas estruturas cristalizam-se em camadas com a estrutura perovskita ABO3 separadas por camadas finas de materiais intrusivos. Alguns desses materiais apresentam propriedades ferroelétricas, ou seja, quando se constrói um gráfico da polarização do material em função do campo elétrico, observa-se uma curva de histerese. Tais materiais possuem a vantagem de serem ferroelétricos produzidos com baixo custo, com um fácil processo de síntese, com baixo peso - o que é importante para as aplicações - e com uma grande diversidade estrutural.

De fato, no que diz respeito às moléculas de inclusão, a diversidade é oriunda da grande quantidade de componentes orgânicos que pode ser utilizada, como aminas alifáticas, aminas aromáticas, entre outras. Essas moléculas orgânicas adotam um arranjo direcional polar, produzindo ordem ferroelétrica. Tal fato potencializa o uso em dispositivos optoeletrônicos.


Figura 1: Vista da estrutura cristalina do [IM]Mn(H2POO)3 ao longo do eixo-b [6].

Além disso, do ponto de vista da ciência básica, perovskitas orgânica-inorgânica bidimensional se constituem numa ótima plataforma para se estudar o comportamento de tensão-deformação de camadas duras e suaves, geralmente a camada inorgânica fazendo o papel da camada dura e a mole sendo a camada orgânica. As camadas inorgânicas serviriam como suporte para o comportamento de mola das camadas moleculares, o que fornece ao material alta resistência à deformação e alta resistência à fratura.

Referências:

[1] J.M. de Souza, P.T.C. Freire, H.N. Bordallo et al., J. Phys. Chem. B 111, 5034 (2007).

[2] J.M. de Souza, P.T.C. Freire, D.N. Argyriou et al., ChemPhysChem 10, 3337 (2009).

[3] R.O. Gonçalves, P.T.C. Freire, H.N. Bordallo et al., J. Raman Spectrosc. 40, 958 (2009).

[4] M. Maczka, P. Kadlubanski, P.T.C. Freire et al., Inor. Chem. 53, 9615 (2014).

[5] A. Ciupa, M. Ptak, M. Maczka, J.G.S. Filho, P.T.C. Freire, J. Raman Spectrosc. 48, 972 (2017). 

[6] M. Mączka, D.L.M. Vasconcelos, P.T.C. Freire, Spectr. Acta A 298, 122768 (2023).


quarta-feira, 13 de março de 2024

Evariste Galois

Uma equação algébrica de até quarto grau, ax4 + bx3 + cx2 + dx + e = 0 pode ser resolvida algebricamente. Isso significa que através de um número finito de operações de soma, subtração, multiplicação, divisão, potencialização inteira e radiciação aplicadas aos seus coeficientes, pode-se obter suas raízes. Para se chegar a esse conhecimento, muitos matemáticos deram importantes contribuições como, numa lista não exaustiva: Nicolò Fontana Tartaglia, Girolano Cardano, Ludovico Ferrari, François Viète, Friedrich Gauss, etc.

Embora em algumas situações particulares seja possível descobrir-se expressões para equações algébricas de quinta ordem ou superiores, de uma forma geral não existem soluções algébricas para equações desse tipo. Isso foi provado por dois matemáticos que tiveram vidas breves e mortes trágicas: Niels Henrik Abel (1802 - 1829) e Évarist Galois (1811 - 1832). Em outra postagem falaremos de Abel, autor da obra "Mémoire sur les équations albébriques au on démontre l'impossibilité de la resolution de l'equation général du cinquiènne dégré". Por enquanto ficaremos restrito a falar de Galois.



Evarist Galóis nasceu em 25 de outubro de 1811 em Bourg-la-Reine. Como estudante estava apenas interessado em matemática e bem novo estudou obras de Euler, Gauss e Jacobi. Em 1828 tentou entrar na École Polytechnique, mas foi reprovado. No dia primeiro de abril de 1829 pubu nos Annales de Gergonne, "Demonstração de um teorema sobre as frações contínuas periódicas". Em 25 de maio apresentou na Academia de Ciências de Paris, "Pesquisas sobre equações algébricas de grau primo". Cauchy foi designado como relator e disse a Galóis que precisaria resumir o trabalho para a Academia. Em 1829 foi reprovado pela segunda vez na admissão à Escola Politécnica e alguns dias depois seu pai se suicidou.

No outono de 1829 foi admitido na École Normale Supérieure e no primeiro semestre de 1830 publicou três trabalhos no Bulletin de Ferrussac: "Análise de uma memória sobre a resolução algébrica de equações"; "Resolução de equações numéricas" e "Teoria dos números". Quanto ao trabalho, Cauchy acabou não lendo na Academia, mas sugeriu que Galois fizesse algumas modificações e o submetesse ao Grande Prêmio de Matemática da Academia que seria anunciado em 1830. Mas o manuscrito perdeu-se e Galois teve que reescrevê-lo de memória e escreveu uma obra mais ampla intitulada: "Memória sobre as condições de solubilidade das equações por radicais". Então, Fourier foi dessa vez designado para ler o trabalho na Academia, mas morreu e o manuscrito novamente sumiu e Galois não chegou nem a concorrer. Em 17 de janeiro de 1831, por incentivo de Poisson, Galois apresentou pela terceira vez o seu artigo à Academia. Devido a suas posições políticas foi preso entre 14/07/31 a 16/03/32. Na prisão, soube que Poisson lera à Academia o seu relatório, desaprovando o trabalho. Da prisão começou a escrever o trabalho "Duas Memórias de Análise Pura" e escreveu um artigo "Nota sobre Abel" mostrando que a demonstração daquele e a sua, apresentando a impossibilidade de se resolver algebricamente equações de quinta ordem ou superiores eram diferentes. No ano seguinte, conheceu uma mulher e num episódio confuso, por causa dela, foi desafiado para um duelo com um antigo camarada de lutas políticas. Na noite anterior, sabendo que iria morrer, escreveu uma carta a um amigo, onde deixa o seu testamento científico. No duelo, recebeu uma bala no abdômen e faleceu no dia seguinte, a 31 de maio de 1832.

Para seus companheiros de lutas políticas escreveu: "Meus amigos, fui desafiado por dois patriotas... Foi-me difícil recusar. Eu morro vítima de uma infame leviana e de dois tolos desta leviana. É dentro de um miserável mexerico que se extingue minha vida." E para Auguste Chevalier, que considerava o seu melhor amigo, escreveu o seu testamento científico, varando a madrugada que antecedeu o  duelo e que ele sabia que seria derrotado: "Meu querido amigo, eu fiz em análise várias coisas novas. Umas concernentes à teoria das equações; outras concernentes às funções integrais". Então Galòis escreve dezenas de páginas explicando  a teoria das equações, vários teoremas demonstrando a teoria de grupos, melhorou a memória que fora reprovada por Poisson. Acrescentou: "Várias vezes em minha vida eu me arrisquei a avançar proposições das quais eu não estava seguro. Mas tudo o que acabo de escrever está em minha cabeça há bastante tempo e é de meu interesse não me enganar para que não suspeitem que enunciei teoremas dos quais eu não teria a demonstração completa. Você deve pedir publicamente a Jacobi ou Gauss para que opinem não sobre a veracidade mas sobre a importância destes teoremas." Essa última carta foi publicada na Revue Encyclopédique. Em 1846, Joseph Liouville publicou os trabalhos matemáticos dessa última noite no Journal de Mathématiques Pures et Appliquées, com o título "Obras Matemáticas de Évariste Galois", em 1846. Finalmente, Camille Jordan, no seu "Tratado das Substituições e das Equações Algébricas", de 1870, inclui as teorias de Galois e em 1895, Sophus Lie escreveu "Influência de Galois sobre o Desenvolvimento da Matemática". Agora Galois tinha o seu trabalho definitivamente reconhecido.