quarta-feira, 29 de maio de 2019

Cem anos do eclipse em Sobral

Há exatos 100 anos um eclipse total do Sol confirmava a teoria da relatividade geral do físico Albert Einstein na cidade cearense de Sobral. Era o dia 29 de maio de 1919. O resultado do fenômeno astronômico transformou Einstein da noite para o dia numa celebridade mundial. Mas, que teoria é essa e como foi realizada a sua comprovação observando-se apenas um eclipse?

Previsões da teoria da relatividade geral:

No começo de 1916, Albert Einstein publicou no número de março da revista científica alemã Annalen der Physik um artigo que explicava uma nova teoria de gravitação, cujo título é curto e direto, "A fundação da teoria da relatividade geral". O sucesso foi tão grande que o texto foi reimpresso várias vezes como separata. Na parte final do artigo, Einstein relaciona as três previsões teóricas para a sua teoria:

1. Os comprimentos de onda da luz emitida por grandes estrelas devem estar deslocados para a região do vermelho do espectro.
2. Um raio de luz que passe próximo ao Sol deve sofrer uma deflexão de 1,7'' (1,7 segundo de arco).
3. A elipse orbital de um planeta sofre uma lenta rotação, ele precessiona em torno do Sol. Os cálculos da teoria mostravam que para o planeta Mercúrio a precessão é de cerca de 43'' de arco por ano, o que concordava com as observações astronômicas.

No que diz respeito ao ítem 1, a verificação era muito difícil de ser realizada na época. Em relação ao ítem 3, desde meados do século XIX os astrônomos já sabiam que o periélio - o ponto mais próximo do Sol - de Mercúrio não era fixo, ele apresentava um movimento de precessão em torno da estrela ao longo dos séculos. Havia 43'' de arco de diferença por ano que não possuía explicação levando-se em conta (i) a influência de outros planetas, (ii) a existência de um planeta desconhecido (Vulcano?), ou mesmo (iii) a incorreção da lei da gravitação de Newton, a lei de força não seria exatamente do tipo inverso do quadrado da distância, mas algo como o inverso de 2+x, onde x seria um número bem pequeno. Após análises cuidadosas, todas as três hipóteses para explicar a precessão da órbita de Mercúrio foram descartadas. A teoria da relatividade geral encontrava o valor preciso. Mas... a complexidade matemática da teoria ainda deixava muitos cientistas céticos quanto à sua veracidade. Era então fundamental verificar se a previsão do ítem 2 poderia ser confirmada. A melhor maneira de fazer isso seria fotografar o céu próximo ao Sol durante um eclipse solar e comparar com essa mesma região num momento em que o Sol não estivesse presente. Um eclipse solar do Sol seria o laboratório que forneceria o teste final para a teoria.

A teoria da relatividade geral:

Desde o século XVII, em virtude dos trabalhos do inglês Isaac Newton, sabe-se que os planetas giram em torno do Sol em virtude da atração gravitacional da estrela. A gigantesca massa solar atrai todos os planetas, cometas, meteoros que estão no sistema solar em direção ao Sol. Newton descobriu que essa força é proporcional ao produto das massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância que separa as duas massas. Esse era um fato bem estabelecido desde a época de Newton e com esse conhecimento foi possível prever inclusive a existência de outros planetas, como Netuno, apenas notando-se a perturbação que ele provocava em outros planetas. 

A relatividade restrita, formulada por Einstein em 1905, afirma que todas as leis físicas são as mesmas para qualquer referencial inercial. A teoria da relatividade geral, também formulada por Einstein em 1916, não tem a restrição de que as leis físicas devem valer apenas em sistemas de coordenadas inerciais, mas também em sistemas não-inerciais. Essa é a grande diferença entre as duas teorias.

O eclipse em Sobral mostrou uma nova faceta da gravitação. Mas para entender melhor esse novo significado, precisaremos nos reportar a alguns conceitos da física. O primeiro deles diz respeito aos sistemas inerciais. Um sistema inercial é um sistema de coordenadas no qual as leis da mecânica são válidas. Ele é ilimitado no espaço e no tempo. Num tal sistema, um corpo no qual não atuassem forças externas, se moveria com velocidade uniforme. O sistema inercial é mais uma idealização do que uma realidade facilmente observável. A Terra, por exemplo, não pode ser considerada um sistema inercial pois ela está girando e, portanto, existiria uma força externa atuando sobre um sistema localizado em sua superfície. Similarmente, se for considerada a rotação do Sol, ele também não pode ser considerado um sistema inercial, a menos que considerássemos um problema no qual esse seu movimento pudesse ser desprezado.

Consideremos - como num exemplo pensado por Einstein - um observador que está dentro de um elevador que não permite visão do exterior e encontra-se em queda livre. Vamos supor que o elevador está despencando de um prédio inimaginavelmente alto e que a resistência do ar é completamente desprezível, bem como qualquer forma de atrito. O observador no seu interior pode fazer uma série de experimentos. Se ele soltar dois objetos de massas bem diferentes, uma pena e uma caneta de aço, por exemplo, elas permanecerão em repouso pois nenhuma força atua sobre elas. Portanto, para o observador que está dentro do elevador, trata-se de um referencial inercial. Obviamente, em algum momento ele se chocará com o solo; o sistema é limitado no tempo. Também é limitado espacialmente pois está delimitado pelas seis faces internas do elevador. Isso significa que para o observador interno, na verdade, o seu sistema é inercial localmente. Entretanto, para um observador externo que enxerga a queda, claramente o elevador e todos os objetos no seu interior estão sujeitos a uma força, portanto, o elevador é um referencial não-inercial.

No seu livro "A evolução da Física" escrito com Leopold Infeld, Einstein propões um segundo experimento mental. Imaginemos um elevador fechado que está sendo acelerado para cima por uma força constante. Um observador externo poderia afirmar (i) que o seu referencial é inercial e (ii) que para um observador interno, as leis da mecânica não são válidas (já que está num referencial não-inercial). Um observador interno pode dizer que embora o seu referencial seja não-inercial, isso se deve ao fato dele encontrar-se num campo gravitacional e não porque o elevador está sendo puxado por uma força constante. As duas descrições, como afirma Einstein, são consistentes e não há possibilidade de dizer qual das duas é a correta.

Vamos sofisticar um pouco o experimento mental. Imaginemos que em um orifício lateral no elevador a luz penetra horizontalmente. Devido ao movimento do elevador ela atingirá a parede oposta num tempo posterior, curtíssimo. O observador externo verá que a luz atinge a parede oposta numa altura um pouco mais abaixo daquele na qual ela entrou, devido o movimento do elevador. Na verdade, o raio de luz possuirá uma trajetória ligeiramente curva devido a esse movimento. Numa primeira análise, o observador interno poderia pensar que se estivesse de fato sujeito a uma força gravitacional, como a luz não tem massa, então ela seguiria uma trajetória reta. Dessa maneira, o observador poderia inferir se estava num campo gravitacional (luz com trajetória reta) ou apenas sujeito a uma força qualquer não gravitacional que acelerasse o elevador (luz com trajetória curva). Entretanto, esta análise estaria incorreta porque, em virtude da relação massa-energia da relatividade especial, a luz é como se tivesse massa.

De fato, num campo gravitacional, a luz deve se curvar à gravidade e, consequentemente, não há maneira do observador interno descobrir se a luz se curva devido a um efeito de inércia do movimento do elevador (que está sendo puxado por uma força) ou se devido a um efeito de um campo gravitacional. A teoria da relatividade geral afirma que as duas situações são equivalentes. Ou seja, a gravidade desvia a luz. É aqui que entra o eclipse solar de 1919 em Sobral. Nesse dia aconteceu um eclipse total que podia ser observado em dois locais: na ilha do Príncipe, na costa do continente africano, e na cidade de Sobral, no interior do estado do Ceará. Essa era a primeira oportunidade, após a publicação do trabalho de Einstein sobre a teoria da relatividade geral, de se observar se de fato a gravidade desvia a luz. A observação na ilha do Príncipe foi prejudicada pelas condições atmosféricas adversas. Em Sobral, entretanto, os astrônomos ingleses que vieram registrar o fenômeno observaram, comparando com uma fotografia da mesma região sem o Sol estar presente, que as estrelas próximas ao astro-rei pareciam ter um desvio compatível com aquele previsto pela teoria de Einstein. Esse foi um extraordinário teste da teoria.

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