quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Plutão e o New Horizons

Plutão forma com o seu satélite Caronte (Charon, em inglês) um sistema binário de planetas, haja vista as suas dimensões semelhantes. Recentemente descobriu-se que ele é o maior objeto planetário entre aqueles existentes no chamado Cinturão de Kuiper, uma região localizada além de Netuno, contendo dezenas ou centenas de pequenos planetas.

Em 14 de julho de 2015, portanto há pouco mais de quatro meses, o satélite estadunidense New Horizons (que fora lançado em 19 de janeiro de 2006) chegou à sua posição mais próxima de Plutão, mais exatamente a 13691 km do seu centro. Aqui apresentamos alguns resultados, tais como foram apresentados no primeiro trabalho científico publicado com parte dos dados obtidos pela New Horizons e respectivas interpretações [1].

Próximo ao ponto de máxima aproximação de Plutão, a New Horizons coletou mais de 50 gigabits de informação acerca do planeta. Estas informações foram obtidas através de uma série de instrumentos: (i) espectrômetro infravermelho para mapeamento da superfície; (ii) equipamento para imagens no visível (LORRI); (iii) espectrógrafo para mapeamento no ultravioleta; (iv) detector de vento solar (SWAP); (v) equipamento Radio Science experiment (REX), que através de uma técnica particular analisará a atmosfera de Plutão e procurará uma em Charon; (vi) detector de partículas carregadas de alta energia (PEPSSI) e (vii) detector de impacto de poeira (ver Figura 1 e Ref. [2]).  


Figura 1: Desenho esquemático da sonda New Horizons mostrando os vários equipamentos acoplados [http://pluto.jhuapl.edu/Mission/Spacecraft/Payload.php].

As medidas realizadas pela sonda mostraram que Plutão possui um raio médio de 1187 km (com uma imprecisão de mais ou menos 4 km), valor este que se encontra no intervalo de estimativa realizada quando da observação da ocultação de uma estrela pelo planeta há pouco mais de dois anos, que sugeriu um raio entre 1150 e 1200 km [3].

O conjunto de informações, até o momento, evidenciam uma grande variedade de formas na superfície do planeta, albedo, cor e composição do solo. Há evidência de mudanças recentes na superfície do planeta, vistas na escala geológica. Na região entre 28 graus sul e 10 graus norte é observado um terreno de baixo albedo, intercalado com regiões mais brilhantes. Terrenos mais reflectivos ocorrem de uma maneira geral em latitudes médias e altas. Próximo ao equador no hemisfério anti-Caronte, encontra-se uma região com alto albedo denominada informalmente pelos membros da equipe coordenadora do New Horizons como Tombaugh Regio (TR) ou Região de Tombaugh (região que apresenta um aspecto parecido com um coração). TR mede cerca de 1500 km na direção norte-sul e 1800 km na direção leste-oeste. À oeste de TR existe uma região com terreno escuro, denominada de Cthulhu Regio, que é densamente povoada por crateras. A metade oeste de TR foi denominada pelos autores da Ref. [1] de Sputnik Planum, que tem entre suas características (i) montanhas de 2 a 3 km de altura e (ii) ausência de crateras. É interessante também destacar que as imagens das montanhas detectadas pelo New Horizons sugerem a presença de uma base sólida de gelo de água, acima da qual são observados gelos de nitrogênio (N2), monóxido de carbono (CO) e metano (CH4).


Figura 2: Mapa compósito de Plutão, segundo dados de diversos equipamentos da sonda New Horizons. Observe-se em particular a grande região Tombaugh Regio e à oeste desta, a Cthulhu Regio (desenho retirado da referência [1]).


Outro dado interessante é que o fator de radiância, definido como o fluxo de radiação incidente (I) sobre o fluxo de radiação refletida (R), ou I/R, varia de 0,1 nas regiões equatoriais escuras até 0,7 na TR e próximo ao polo norte. De acordo com os autores da Ref. [1], com exceção do satélite Iapetus, esta é a maior variação do fator de radiância num objeto planetário do sistema solar.

Utilizando-se três diferentes filtros de bandas largas (400 - 500 nm, 540 - 700 nm, 780 - 975 nm), observou-se que a região de Tombaugh pode ser dividida em duas regiões distintas quanto à coloração. A metade leste é mais acidentada e aparentemente mais fina; com  os filtros parece ser menos vermelho. Os autores da Ref. [1] especulam que o material que compõe a superfície desta região pode ser originado da Sputinik Planum (ver Figura 2) através de algum mecanismo de transporte. Por seu turno, as regiões equatoriais escuras, como a Cthylhy Regis e a Krum macula são particularmente vermelhas em comprimentos de onda visível.

Também é interessante destacar que uma região mais ao norte torna-se notavelmente brilhante quando o Sol encontra-se bem acima do horizonte, sugerindo uma sublimação de gelo volátil. Lembremos que a temperatura média da superfície de Plutão é de 38 K (ou - 235 graus centígrados), o que significa que uma certa variação de temperatura pode sublinhar algumas substâncias mais voláteis, mas certamente outras, como a água, estarão sempre no estado sólido [4].

Para entender as cores na superfície de Plutão também deve-se levar em consideração a possibilidade da existência de um resíduo orgânico denominado tolina. Tal classe de substância, que inicialmente foi especulada existir em Titã, é formada pela irradiação de partículas carregadas ou radiação ultravioleta numa mistura de nitrogênio e metano nos estados gasoso ou sólido. Assim, quando a radiação bombardeia a atmosfera e superfície de Plutão ricos em N2 e CH4, produz tolina, que por sua vez produz cores que vão do amarelo ao vermelho escuro. Essa hipótese ainda precisará de mais evidência para ser confirmada.

No que diz respeito a atmosfera de Plutão, os resultados preliminares apontam que ela produz uma pressão de apenas 0,00001 bar. Este valor é menor do que o estimado previamente, podendo haver justificativas para esta discrepância. Medidas realizadas com radiação UV indicam absorção por N2 iniciando a aproximadamente 1670 km de altitude, de CH4 iniciando a partir de 960 km, hidrocarbonetos abaixo de 420 km e uma bruma atmosférica estendendo-se até cerca de 150 km. Além disso, medidas com UV distante mostraram a presença das espécies C2H2 e C2H4.

Caronte e satélites

O planeta irmão de Plutão, Caronte, possui um raio de 606 km (± 3 km). As medidas que chegaram até o momento à Terra, cobrem o hemisfério norte do planeta, sendo que as únicas duas imagens com melhor resolução (aproximadamente 400 m/pixel) mostram uma geologia composta por numerosos pontos brilhantes e escuros. De fato, Caronte é caracterizado por uma grande quantidade de crateras em sua superfície, possuindo exemplares raiados mais claros e crateras mais escuras oriundas, aparentemente, de ejeção de materiais. Esta variação de albedo pode indicar uma superfície com diversas composições. A nave New Horizons também captou imagens de algumas fraturas que se estendem na direção norte-sul, as maiores das quais foram batizadas provisoriamente por Macross e Serenity Chasma, que possuem extensões de no mínimo 1050 km. Esta última fratura, em particular, possui 60 km em sua maior largura, e uns poucos quilômetros de profundidade, podendo atingir até 5 km.

Para Caronte, o fator I/F varia entre 0,2 e 0,5, ou seja, mais limitado do que o de Plutão. A região em torno do polo norte é avermelhada, sendo que a hipótese aventada pelos autores da Ref. [1] é de que isso se deve a um armadilhamento sazonal de substâncias voláteis. Após este aprisionamento, pode ocorrer irradiação devido a transições eletrônicas em substâncias químicas complexas como a tolina. No que diz respeito a atmosfera, os dados recebidos da New Horizons até o momento são consistentes com a sua ausência ou com uma densidade extremamente baixa.

Além de Caronte, Plutão possui quatro satélites: Nix, Hydra, Styx e Kerberos. Embora a New Horizons tenha feito medidas em todos eles, os dados sobre os dois últimos ainda não chegaram à Terra. Além disso, os dados indicam que Nix possui o aspecto de um elipsóide triaxial com dimensões de 54 x 41 x 36 km. Com luz visível, estimou-se que o albedo varia de 0,43 a 0,50, o que sugere que a superfície de Nix seja recoberta por gelo de água mais claro do que o de Caronte. Por seu turno, Hydra - com dimensão ligeiramente menor que Nix - possui um albedo médio de 0,51, indicando também uma superfície composta de gelo de água. Segundo a Ref. [1] é um quebra-cabeças saber como as superfícies de Nix e Hydra se mantêm brilhante por bilhões de anos.


Referências e notas:
[1] S.A. Stern et al., The Pluto system: Initial results from its exploration by New Horizons, Science 350, 292 (2015).
[2] Uma descrição bem precisa de todos os equipamentos existentes na New Horizons pode ser obtida no sítio http://pluto.jhuapl.edu/Mission/Spacecraft/Payload.php, da Johns Hopkins University, pesquisado em 26/11/2015. 
[3] M. Person et al., The June 23 stellar occultation by Pluto: Airborne and ground observation. Astron. J. 146, 83 (2013).
[4] A água possui um complexo diagrama de fase. Dependendo das condições de temperatura e pressão, os cristais de gelo podem aparecer com diferentes simetrias.