sábado, 24 de novembro de 2012

Qual a origem da teoria quântica?


          Wolfgang Pauli numa de suas muitas discussões sobre a teoria quântica, como citado por Heisenberg em sua obra "A parte e o todo", explanou o que ele entendia por compreender os fenômenos da natureza.:

“compreender a natureza significa examinar mais de perto suas conexões, ter certeza de seu funcionamento interno; provavelmente, significa estar de posse de representações e conceitos necessários para reconhecer que uma multidão de fenômenos diferentes faz parte de um todo coerente”.
 
            A mecânica quântica pode ser vista como um conjunto de idéias e representações matemáticas que permitem a uma pessoa possuir a mais próxima compreensão da realidade física ao nível atômico, tal como ela se nos apresenta em laboratórios. Ela é mais do que uma simples representação da realidade, uma vez que com os seus postulados e as suas leis foi possível fazer-se previsões de fenômenos anteriormente não conhecidos. Com esta compreensão, construída ao longo de quase cinco décadas através de interessantes experimentos e um grande conjunto de construções teóricas, produziu-se praticamente toda a tecnologia do mundo moderno, aparelhos eletrônicos, computadores e máquinas diversas.
           O problema é que muitos dos grandes resultados experimentais no final do século XIX e início do século XX não encontravam uma explicação à luz da física clássica, ou seja, não era possível apenas com a mecânica newtoniana e o eletromagnetismo clássico explicar os resultados que freneticamente eram obtidos nos laboratórios. Podem-se citar como exemplos de problemas insolúveis, no contexto da época, a radiação do corpo negro e a estabilidade do átomo constituído por um elétron acelerado em órbita de um núcleo. A tentativa de se explicar estes fenômenos por parte dos grandes físicos teóricos de então (Bohr, Heisenberg, Jordan, Born, Schrödinger e Dirac, apenas para citar uns poucos) levou a uma quebra de paradigma com a física tradicional, culminando com a formulação da teoria quântica.
        Sabe-se da física clássica que uma carga acelerada emite radiação. A aceleração de cargas próximo à superfície de um corpo produz o fenômeno de todo corpo a uma temperatura superior a 0 K emitir radiação térmica. Um corpo qualquer está emitindo em vários comprimentos de onda, visto ter várias cargas diversamente aceleradas. Stefan deduziu em 1879 que:

                                                                                        (1.1)

ou seja, que a radiação térmica emitida por um corpo em todas as freqüências por segundo e por cm2 é proporcional a quarta potência da temperatura, e a constante de proporcionalidade apresenta um valor igual para todos os corpos, s, que é a constante de Stefan-Boltzmann (0,567.10-4 erg/s cm2 K4) e um fator que depende da natureza da superfície emissora, o poder de emissão e.
             Kirchhoff, em 1895, deduziu a partir de hipótese sobre o equilíbrio térmico de superfícies de natureza diferentes que estão trocando energia (nada especificado sobre os processos de emissão ou absorção) que o poder de emissão é igual ao poder de absorção a, ou seja,

              e = a       ,                                                                                       (1.2)

onde o poder de absorção é a energia absorvida sobre a energia incidente sobre o corpo.
            Um corpo negro é aquele que absorve toda a energia sobre ele incidente, ou seja, a = 1 e, conseqüentemente, a lei de Stefen para um corpo negro fica IT = eT4. De fato, de argumentos termodinâmicos aplicados a dois corpos negros em equilíbrio mostra-se que as propriedades da radiação emitida pelos mesmos dependem apenas da temperatura e não de sua natureza particular. Boltzmann fez um estudo profundo sobre a radiação de tais objetos e descobriu a mesma relação de Stefen a partir de argumentos da termodinâmica clássica.
      A função distribuição espectral de um corpo negro é definida como sendo tal que  
seja a radiação emitida por cm2 por segundo à temperatura T de comprimento de onda entre .Suponhamos um corpo com uma cavidade possuindo uma pequena abertura que o comunica com o exterior. Uma radiação incidindo pela cavidade será refletida várias vezes e apenas uma pequena quantidade fugirá do corpo. Logo, para a abertura a = 1 e ela poderá ser considerada a superfície de um corpo negro. Suponhamos também que as paredes da cavidade estejam a uma temperatura T e, portanto, emitindo radiação térmica para a cavidade. Uma pequena fração desta radiação fugir[a pela abertura e como esta parede pode ser considerada a superfície de um corpo negro, a radiação sra a de um corpo negro. Isto implica que a radiação no interior da cavidade tem o espectro de um corpo negro e, portanto,a paredes da cavidade tam´bem se comportam como a superfície de um corpo negro. O espectro emitido pela abertura é dado por  embora seja mais conveniente especificar em termos da densidade de energia que é definida como sendo tal que  é a energia em 1 cm3 da cavidade no intervalo de ; o importante é que  é proporcional a .
            Usando alguns argumentos de Boltzmann e outros, Wien em 1893 descobriu a forma funcional geral para a distribuição espectral da radiação do corpo negro:

           
                                                                           (1.3)


            Rayleigh e Jeans descobriram, baseados nas idéias da física clássica, uma forma para a função de lT e, conseqüentemente, a forma geral de rT(l):

           
                                                                                         (1.4)

Esta relação ficou conhecida como lei de Rayleigh-Jeans. Fazendo-se o gráfico da distribuição de Rayleigh-Jeans têm-se que quando , como era conhecido experimentalmente. Entretanto, quando , o que discordava radicalmente da experiência. Esta discrepância entre a lei de Rayleigh-Jeans e os resultados experimentais ficou conhecida como catástrofe do ultravioleta.
            Analisando a distribuição de Rayleigh-Jeans, Max Planck desconfiou que a forma da energia média utilizada estava incorreta. Mais especificamente ele supôs que a energia da partícula oscilante fosse quantizada e, em conseqüência, as ondas eletromagnéticas dentro da cavidade. Seu postulado, portanto, dizia que a energia era uma variável discreta e proporcional à freqüência da radiação:

            ,                                                                              (1.5)

com n = 0, 1, 2, ... A partir desta relação, que destruía o paradigma de que a energia do sistema oscilante poderia assumir qualquer valor contínuo, Planck chegou à seguinte equação:

           
             ,                                         (1.6)

que é a distribuição espectral correta da radiação do corpo negro.

            O outro problema, o da estabilidade do átomo, foi solucionado parcialmente por Niels Bohr. Do eletromagnetismo clássico sabe-se que uma carga acelerada perde energia e, desta forma, o elétron que está girando em torno do núcleo deveria perder rapidamente energia e tornar o átomo instável. Para contornar este problema Bohr usou dois conceitos conflitantes: o clássico, de que um elétron identificável está em uma órbita identificável em torno de um núcleo, semelhantemente ao sistema planetário, e o quântico, segundo o qual ele está em estado estacionário e não continuamente despendendo energia estados enquanto circulando em órbita. As várias freqüências observadas emitidas de uma amostra de átomos de hidrogênio excitado foram interpretadas como correspondentes à transição permitida entre estacionários. O postulado de Bohr de que o elétron não perderia energia pela radiação estando numa determinada órbita, mas somente em transição de uma órbita para outra, foi necessário para salvar o átomo de um colapso gradual com a emissão de uma linha espectral de freqüência continuamente em mudança.
Na verdade, na sua busca profunda por fundamentos para a antítese entre as concepções teóricas quânticas e clássicas, Bohr introduziu a concepção revolucionária de estados estacionários, indicando assim que eles formam um tipo de lugar de espera entre os quais ocorre a emissão de energia correspondente às várias linhas espectrais. Para tentar conciliar a mecânica clássica com a mecânica quântica, Bohr concebeu o princípio da correspondência segundo o qual para átomos suficientemente grandes e circuitos suficientemente pequenos, uma coincidência ou correspondência é obtida a partir das duas teorias. Mostrou-se que a correspondência falhava em alguns casos. De qualquer forma, o novo conceito de estados estacionários ia de encontro ao que era bastante bem estabelecido até aquele ponto, mostrando mais uma vez, que uma nova teoria seria necessária.
            A nova teoria que solucionou estes problemas e com a qual novas e admiráveis previsões foram realizadas (e confirmadas) é exatamente a mecânica quântica que inicialmente apareceu através de dois diferentes formalismos. O primeiro deles era uma abordagem algébrica, enfatizando a descontinuidade através da concepção básica de corpúsculo (formalismo de Heisenberg ou mecânica das matrizes). O segundo era uma abordagem analítica, enfatizando a continuidade através da concepção básica de onda (formalismo de Schrödinger ou mecânica ondulatória). Pouco depois estes formalismos foram generalizados por Paul Dirac construindo entidades matemáticas abstratas que representavam grandezas físicas num espaço vetorial complexo.


sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Densidade

         Nesta postagem será discutida uma importante propriedade que tem sido utilizada para caracterizar diversas substâncias, que é a densidade. Para falar de densidade vamos inicialmente fazer referência à massa. O conceito de massa, na física, não é dos mais simples de ser explicado de uma maneira rigorosa. Entretanto, todos têm intuitivamente a noção de que uma caixa cheia de metal possui mais massa do que se ela estivesse cheia de algodão, por exemplo. Na verdade, a maioria das pessoas diria que a caixa com metal é mais pesada do que a caixa com algodão. Peso e massa são conceitos bastante distintos, mas para o desenvolvimento da idéia de densidade dos materiais, o conceito de massa será bem mais importante.
            A massa foi descrita de uma forma precisa primeiramente pelo físico inglês Isaac Newton no século XVII. Esta grandeza apareceu nas suas leis de movimento e estava relacionada com a inércia de um material. O que significa isso?
            Para responder a esta questão seremos reportado aos conceitos de força e de velocidade. Força e velocidade, em física, são consideradas grandezas vetoriais, ou seja, para sua completa determinação precisamos definir uma direção, um sentido e um valor (módulo). Mas para a discussão que se segue, vamos considerar uma simplificação na qual a força atua na mesma direção, digamos ao longo do eixo-x, e no mesmo sentido. Assim, nesta situação bem simples apenas os módulos da força (denominado de F) e da velocidade (denominado de v) serão levados em consideração.
Vamos imaginar que a aplicação de uma força F sobre um objeto, que atua durante um certo intervalo de tempo dt, produz uma variação de velocidade dv. Se forças iguais forem aplicadas a objetos diferentes, valores diferentes para a velocidade serão obtidos. Assim, se forças iguais durante o mesmo intervalo de tempo forem aplicadas a uma bola e a uma geladeira, por exemplo, verificaremos que a variação de velocidade da geladeira será menor.
 Por causa da observação mais geral de que corpos maiores ganham menos velocidade do que corpos menores é conveniente expressar a proporcionalidade entre (Ft) e (v) sob a forma:

F t = m v                                                                                        (Eq. 1)    .

Na equação 1 a constante de proporcionalidade m depende do objeto que está sofrendo a ação da força. Para objetos feitos da mesma substância, verifica-se que o valor de m aumenta com o aumento do tamanho do objeto.
            Neste ponto já deve estar claro para a maioria dos leitores que a constante de proporcionalidade m nada mais é do que a massa, ou mais especificamente, a massa inercial do objeto. A equação 1 pode ser reescrita de modo que a massa possa ser escrita como:

            m = F t / v                                                                                     (Eq. 2)    .

Entretanto, v / t  é a aceleração, ou a taxa de variação da velocidade do corpo na direção da força. Assim,

            m = F / a                                                                                             (Eq. 3)    .

Como conseqüência, quanto maior a força necessária para produzir uma dada aceleração, maior será a massa do corpo. Experimentos diversos mostram que a massa inercial não depende da forma ou da natureza química do objeto estudado. Ou seja, a massa aumenta proporcionalmente à quantidade de substância do objeto e quando diferentes objetos se juntam, as massas se somam, apesar das diferentes formas e das diferentes naturezas das substâncias químicas envolvidas.
            Neste ponto já temos uma noção razoável do que seja massa. Mas a massa, por si só, não serve para caracterizar uma determinada substância. Assim, poderemos ter um quilograma de ferro, um quilograma de ouro, um quilograma de acetona, etc., sendo muito difícil distinguir uma substância da outro. Entretanto, existe uma grandeza envolvendo a massa que é característica de cada substância.
            Para chegar a esta grandeza, lembremos do conceito de volume. O volume de um corpo pode ser visto como a porção do espaço ocupada pelo mesmo. Alguns corpos ocupam o espaço do recipiente no qual ele está colocado e outros corpos possuem a forma prévia com a qual ele foi fabricado. Quando a substância está na fase líquida, o material manterá o volume constante, mas assumirá a forma do recipiente que o contém. Nas condições normais de temperatura e de pressão na superfície terrestre, encontram-se na fase líquida a água, o mercúrio, substâncias orgânicas como a acetona e o álcool, a gasolina, entre outros. Por outro lado, se o material estiver no estado sólido, ele manterá a sua forma. O importante é que sólido ou líquido, o corpo ou a substância ocupará um volume específico, dependendo da quantidade de material existente.
          Imaginemos agora um bloco de ferro e um pedaço de madeira com as mesmas dimensões do bloco. Ao se pegar os dois objetos é bastante claro o fato de que o bloco de ferro é mais pesado do que a madeira. Isto acontece por dois motivos. O primeiro é que os átomos que compõem o bloco existem átomos de ferro, que são mais “pesados” do que os átomos de carbono, oxigênio e hidrogênio que compõem a madeira (observe-se que um átomo ser mais pesado do que outro significa que ele possui no seu núcleo uma maior quantidade de prótons e nêutrons). O segundo motivo é mais sutil, mas também fácil de ser entendido: os átomos que compõem o bloco estão, em média, mais próximos entre si que os átomos da madeira e, assim, num mesmo espaço mais átomos de ferro podem ser colocados. Resumindo esses dois pontos, vemos que o bloco pesa mais do que o pedaço de madeira, embora os dois objetos tenham as mesmas dimensões.
            De posse do conceito de massa e de volume pode-se definir uma grandeza física que mede a quantidade de material existente num dado volume. Trata-se da densidade, que é definida como a massa de um corpo dividida pelo seu volume. Simbolizando a densidade por r, a massa por m e o volume por V, pode-se expressar a densidade pela fórmula matemática: 

           r = m / V                                                           (Eq. 4)    .

Na tabela 1 fornece-se a densidade de algumas substâncias simples encontradas na natureza.   

Tabela 1: Densidade de algumas substâncias (Física Viva, 2006).
Substância
Densidade (gramas/ centímetro cúbico)
Diamante
3,5
ouro
19,3
chumbo
11,3
ferro
7,9
Madeira (pinho)
0,5



         Um dos métodos práticos para se determinar a densidade de um sólido é colocá-lo dentro de um líquido e verificar o volume que ele ocupa. Mas quando um corpo é parcial ou totalmente imerso em um líquido em equilíbrio, o líquido exerce pressão em todos os pontos da superfície do corpo que esteja em contato com ele.
        Mas, o que se entende por pressão? Para responder a esta pergunta vamos nos reportar a uma situação do dia-a-dia. Quando se enche um pneu de um carro, está se colocando ar no interior do pneu. As moléculas que compõem o ar estão constantemente se chocando com a superfície interna do pneu. Na realidade, o pneu exerce uma força sobre as moléculas do ar, obrigando-as mudar de direção. Isso significa, pela lei de ação e reação de Newton, que as moléculas exercem uma força sobre o pneu e esta força é a responsável pela pressão. Assim, podemos definir a pressão como a força dividida pela área na qual ela é exercida. Preferindo-se expressar através de uma fórmula matemática simples:

            Pressão = força / área , ou     P = F / A                                                (Eq. 5)    .

No sistema de unidades MKS, a força é expressa em newton, a área em metro quadrado e a pressão, consequentemente, newton por metro quadrado. Por ser bastante utilizada, a unidade de pressão é denominada de pascal (Pa), ou seja, 1 Pa é igual a um newton por metro quadrado.
        Retornando ao caso do objeto mergulhado no líquido, como a pressão é maior nas partes imersas mais profundas, haverá uma força resultante na direção vertical para cima, denominada de empuxo. Este fato foi descoberto experimentalmente por Arquimedes, centenas de anos antes de serem estabelecidas as leis básicas da mecânica, que foram formalizadas apenas no século XVII. O enunciado deste princípio, atualmente denominado de princípio de Arquimedes, diz o seguinte: “Todo corpo total ou parcialmente imerso em um líquido, sofre a ação de uma força vertical, dirigida par cima, de módulo igual ao peso do líquido deslocado”. Graças ao empuxo, é mais fácil levantar um objeto que esteja imerso na água do que no ar. Isto porque a força necessária para levantar o objeto na água é igual ao seu peso menos a força de empuxo, que pelo princípio acima, é igual ao peso da água deslocada.
          O princípio de Arquimedes explica também vários outros fenômenos da natureza. Por exemplo, ele explica porque alguns corpos flutuam na água e outros, ao contrário, afundam. Nas situações em que o peso do corpo é maior do que o da água deslocada, a resultante da força que age sobre o corpo é para baixo e o corpo afunda. Se, ao invés, o peso do corpo é menor do que o peso da água deslocada, a resultante é para cima e o corpo é empurrado para cima. Corpos com densidades maiores que a da água afundam, enquanto corpos cuja densidade é menor do que a água flutuam. Uma curiosidade é que o planeta Saturno tem uma densidade de 0.69 g/cm3; isto significa que se existisse uma piscina suficientemente grande para colocá-lo dentro, ele flutuaria!
Outros fenômenos como o fato de balões de ar quente flutuarem no ar também são explicados pelo princípio de Arquimedes. Nestes tipos de balões o ar é aquecido para que se expanda, ficando com uma densidade menor que a do ar do lado de fora do balão. Alternativamente também podem ser utilizados gases mais leves do que o ar, como o hélio, de tal modo que a densidade média seja menor do que a do ar.


Referências:

Física Viva, Uma introdução à Física Conceitual, J. Trefil, R.M. Hazen, volume 1, LTC, São Paulo: 2006.

Física na prática: contextualizando experimentos de mecânica, Henrique B. Cardoso, Edições Demócrito Rocha, Fortaleza: 2003.

Física, Parte II (Physical Science Study Committee), UnB, Brasília: 1964.

Física, Parte 3 (Physical Science Study Committee), Edart, São Paulo: 1976.

 

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Índice de refração


            Uma importante característica dos materiais é o seu índice de refração. Antes de discutir mais pormenorizadamente este tópico vamos dar uma ligeira introdução sobre a entidade física utilizada neste tipo de medidas, ou seja, a luz.
            Para isso, lembremos que o Sol e as estrelas estão bastante distantes de nós (o Sol, em particular, encontra-se a cerca de 150 milhões de quilômetros da Terra), mas se conhece muito bem os elementos químicos que o compõem analisando-se a luz que dele chega ao nosso planeta. A luz atravessa o espaço vazio que separa o Sol da Terra numa velocidade muito grande, levando apenas pouco mais de 8 minutos para percorrer a gigantesca distância entre os dois astros. Esta característica, entretanto, é universal, ou seja, a luz percorre o espaço entre as galáxias na mesma velocidade, bem como consegue se propagar no espaço vazio sem necessidade de nenhum meio material para conduzi-la. Este fenômeno da luz, que pode ser vista como uma onda eletromagnética, é bem diferente do que ocorre, por exemplo, com o som, que necessita obrigatoriamente de um meio para se propagar (o ar, a água, um metal, entre outros).
            A luz, portanto, propaga-se no espaço vazio, mas também pode se propagar em outros meios. Por exemplo, quando se olha o exterior de uma casa ou de um ambiente através de uma janela de vidro bastante limpa, quase não se percebe que um objeto – o vidro – está separando o observador do exterior. Isto ocorre porque a luz foi transmitida através do vidro da janela, e dizemos que ele é um material transparente. Sob determinadas condições, o vidro também pode refletir a luz. Por exemplo, à noite, quando o exterior está escuro ou com pouca luminosidade e o interior do ambiente está iluminado com luz artificial (de uma lâmpada), é possível observar-se a luz da lâmpada refletida no vidro. Em outras palavras, o vidro também pode refletir a luz. Um outro fenômeno ocorre com a luz se a janela for feita de um vidro bastante espesso. Neste caso as imagens que vêm do exterior chegam menos nítidas ou embasadas, o mesmo acontecendo se a pessoa olhasse através de um plástico com certa espessura. Tal fenômeno é conseqüência do fato de que a luz também pode ser absorvida pelo meio material (o vidro, no caso específico do nosso exemplo).
            Além de poder ser absorvida, de ser transmitida e de ser refletida, a luz também pode sofrer outro fenômeno chamado de refração. Para exemplificar este fenômeno, normalmente sugere-se que seja colocada uma vareta ou um lápis dentro de um copo de água. Percebe-se com este simples ato que após a vareta ser colocada na água, aparentemente ela dobra no ponto em que ela penetra na água. Esta aparente dobra é resultado do fenômeno da refração da luz. Outros fenômenos podem ainda ocorrer com a luz quando ela interage com os materiais, por exemplo, um vidro vermelho ao ser colocado na trajetória de uma luz branca permitirá que apenas a luz vermelha seja por ele transmitida; a luz também pode ser espalhada, que é um fenômeno que será explicado mais adiante.
O que nos interessa no momento, entretanto, é o fato de que a luz apresenta o fenômeno de refração, ou seja, a luz muda de direção se um feixe de luz passa de um material para outro. Para discutir as leis físicas associadas ao fenômeno de refração, vamos considerar a Figura 1. Nela existem dois meios diferentes, o superior (em cor azul) que pode representar, por exemplo, o ar, e o inferior (em cor lilás), que pode representar outro meio, como a água ou vidro. Na figura também encontra-se representado um raio incidente, que faz um ângulo i com a normal e um raio refratado, que faz um ângulo r com a normal. O ângulo i é denominado de ângulo de incidência e o ângulo r é denominado de ângulo de refração. Através de uma série de experimentos, com diferentes ângulos de incidência e com diferentes materiais, descobre-se o seguinte importante resultado, que denominaremos de primeira lei da refração: O raio incidente, o raio refratado e a normal à superfície encontram-se todos no mesmo plano.

Figura 1: Geometria da refração, onde i representa o ângulo do raio incidente, r representa o ângulo do raio refratado em relação à normal.


            Fazendo-se uma série de experiências com diferentes ângulos de incidência da luz (num laboratório, geralmente utiliza-se a luz de um laser) e medindo-se para cada um deles, o ângulo de refração observa-se o seguinte resultado: o ângulo de refração para a luz que passa do ar para a água é sempre menor que o ângulo de incidência, com exceção do caso no qual o ângulo de incidência é 0o.
            Uma pergunta que poderia perfeitamente ser feita é a seguinte: e se em vez de água, o experimento tivesse sido feito com vidro, como seriam os comportamentos dos ângulos de incidência e de refração? A resposta também deve ser dada fazendo-se o referido experimento no laboratório. É possível descobrir-se que para o vidro também é verificado o fato de que o ângulo de refração para a luz que passa do ar para o vidro é sempre menor que o ângulo de incidência, com exceção novamente do caso no qual o ângulo de incidência é 0o. Em geral isto é verdadeiro para qualquer material transparente ou aproximadamente transparente, seja ele água, vidro, plástico, etc.
            Vamos, então, imaginar que um experimento é feito medindo-se diferentes ângulos de incidência e seus respectivos ângulos de refração quando a luz passa do ar para o vidro. Um resultado obtido da Ref. (PSSC, 1964) é apresentado na Tabela 1.

Tabela 1: Relação entre o ângulo de incidência i e o ângulo de refração r num experimento no qual a luz passa do ar para o vidro (PSSC, 1964).

Ângulo de incidência (o)
Ângulo de refração (o)
relação i/r
0
0
Indeterminada
10
6,7
1,5
20
13,3
1,50
30
19,6
1,53
40
25,2
1,59
50
30,7
1,63
60
35,1
1,71
70
38,6
1,81
80
40,6
1,97


            A partir desta tabela pode-se construir um gráfico com os pontos experimentais (bolas negras) e uma curva aproximada ligando estes pontos (em cor vermelha); tal gráfico é apresentado na Figura 2.


Figura 2: Geometria da refração, onde i representa o ângulo do raio incidente, r representa o ângulo do raio refratado em relação à normal.

            Uma coisa interessante é que a partir do gráfico da Figura 2 é possível prever qual seria o ângulo de refração para qualquer ângulo de incidência do sistema ar – vidro. Embora ele seja útil para descobrirmos qualquer valor de ângulos de incidência e refração do sistema ar – vidro, para outro material teríamos que ter outro gráfico. Ou seja, para cada par de materiais, existe um gráfico ângulo de refração versus ângulo de incidência bastante característico.
            A questão que levantamos é a seguinte: não existiria uma lei simples que nos fornecesse rapidamente o valor de um determinado ângulo de refração, sabendo-se o ângulo de incidência e os materiais que compõem o sistema? A resposta a esta pergunta é que existe uma tal lei, embora tenham sido levados centenas de anos para que ela fosse descoberta. Ptolomeu, o astrônomo grego que desenvolveu o sofisticado sistema geocêntrico com os seus ciclos e epiciclos, juntou vários dados relativos à refração de diversos materiais. Entretanto, ele não foi capaz de descobrir a lei relacionada à refração, que só foi obtida apenas em 1621 pelo físico W. Snell. Snell percebeu que existe uma relação simples entre seno do ângulo de incidência da luz e o seno do ângulo de refração, que depende apenas dos dois materiais que compõem o sistema. Mais precisamente, Snell descobriu que:

                        sen i / sen r = constante                                                            (Eq. 1)    .
           
No caso discutido anteriormente, em que um raio de luz sai do ar e penetra no vidro, têm-se que:

                        sen i / sen r = 1,50                                                                   (Eq. 2)    .

            O que é interessante é que esta relação dependerá do tipo de substância da qual a luz penetra após vir do ar. De uma forma mais rigorosa, a relação fornecida pela Eq. 2 representa o índice de refração do vidro em relação ao ar. Se em vez do ar, a luz antes de penetrar no vidro viesse do vácuo, a relação fornecida pela equação 2 seria ligeiramente diferente, embora não seja possível em experimentos simples verificar esta diferença. Isto porque, enquanto com o ar sen i/ sen r = 1,50000 (observe-se a grande quantidade de casas decimais), no vácuo teríamos sen i/ sen r = 1,50044. Nesta última situação, índice de refração no vácuo, dizemos que       se trata do índice de refração absoluto.
            Na prática, o índice de refração no ar é tão próximo do índice de refração no vácuo, que em poucas situações há a necessidade de distingui-los. O importante, nessa discussão é que o índice de refração é característico da substância que está em contato com o ar. Para exemplificar alguns índices de refração, apresentamos a Tabela 2.

Tabela 2: Índice de refração de alguns materiais (PSSC, 1964).

Material
Índice de refração
Vidro (diferentes composições)
Entre 1,5 e 1,9
Diamante
2,42
Quartzo fundido
1,46
Água
1,33
Glicerina
1,47
Álcool etílico
1,36


Referências:
Física Viva, Uma introdução à Física Conceitual, J. Trefil, R.M. Hazen, volume 1, LTC, São Paulo: 2006.
Física, Parte II (Physical Science Study Committee), UnB, Brasília: 1964.
Física, Parte 3 (Physical Science Study Committee), Edart, São Paulo: 1976.