quinta-feira, 5 de abril de 2012

Mecânica clássica vs. mecânica quântica

     Existe uma ruptura conceitual entre a mecânica clássica e a mecânica quântica. Na mecânica clássica, define-se um conjunto de equações diferenciais relacionando as forças que atuam sobre o sistema com as acelerações produzidas por elas. Ao integrar o conjunto de equações diferenciais encontramos as trajetórias de todas as partículas. Com o conjunto dos tipos de força e das posições e velocidades das partículas num instante qualquer de tempo, era possível definir as trajetórias de todas as partículas do sistema. Pensava-se, então, que seria possível a princípio conhecer o movimento futuro de todas as partículas do universo. Por conta disso, Pierre de Laplace em seu livro Theorie Analitique des Probabilitès, publicado em 1820 escreveu: "Uma inteligência conhecendo a um dado instante de tempo todas as forças que atuam na natureza, bem como as posições momentâneas de todas as coisa de que o universo consite e fosse capaaz de incluir os movimentos dos grandes corpos do mundo, e dos pequenos átomos em uma única fórmula, e seu intelecto fosse suficientemente poderoso para prover todos os dados e matéria para análise, para ele nda seria incerto, ambos passado e futuro seriam presente para seus olhos".

     Por outro lado, os problemas básicos da mecânica quântica dizem respeito (i) à definição de uma base, ou a definição de uma representação para descrever o sistema quântico; (ii) descrever a evolução temporal do sistema. Na mecânica quântica o conceito de trajetória não pode ser utilizado porque posição e velocidade não podem ser definidos simultaneamente. Talvez seja por causa disso que várias interpretações tenham sido dadas à teoria quântica. A interpretação ortodoxa, por exemplo, parece fazer crer que a realidade dos sistemas atômicos transcende a realidade dos conceitos clássicos, o que no fundo reportaria a um problema de linguagem, ou a um problema de como descrever os fenômenos físicos. Nas palavras de Niels Bohr: "... podemos aduzir o que repetidas vezes se disse sobre a insatisfação que deixa a teoria quântica, porque implica apenas uma descrição dualística da natureza com os conceitos complementares de onda e de partícula. Quem entendeu realmente a teoria quântica jamais conceberá a idéia de falar aqui de um dualismo. Conceberá a teoria quântica como uma descrição unitária dos fenômenos atômicos, a qual só pode parecer diferente quando, para aplicá-la às experiências, há que traduzí-la em linguagem corrente. Desta maneira, a teoria quântica é um exemplo maravilhoso de que se pode ter compreendido com toda a clareza o conteúdo de uma coisa, sabendo-se ao mesmo tempo, no entanto, que só se pode falar de tal conteúdo através de imagens e comparações. Imagens e comparações que são essencialmente conceitos clássicos, são também aqui a onda e o corpúsculo. Não se ajustam plenamente ao mundo real; estão, além disto, em parte, numa relação mutuamente complementar e, por causa disso, contradizem-se. Assim, só podemos acercar-nos do verdadeiro conteúdo utilizando estas imagens, já que na descrição dos fenômenos é obrigatório mantermo-nos no âmbito da linguagem."

     É a mecânica quântica uma teoria completa?

     Uma pergunta que poderia ser feita nesse ponto seria: é a mecânica quântica uma teoria completa? Ou de outra maneira, será a mecânica quântica modificada de alguma forma no futuro?

     Em primeiro lugar podemos assinalar que ela tem se revelado suficientemente boa para produzir toda a tecnologia que temos até o momento. Obviamente, isso não é garantia de que a mecânica quântica seja parte de uma teoria mais completa.

     Em segundo lugar lembramos que a teoria matemática de maior sucesso em termos de tempo em que ela foi considerada correta, o modelo geocêntrico de Claudius Ptolomeu, que prevaleceu por cerca de 1200 anos, possuía uma hipótese incorreta. Esse modelo, apesar de belo e complexo com os seus epiciclos, deferentes e excêntricos, possuía como hipótese o fato de que os planetas movimentavam-se em trajetórias circulares com velocidade constante. A primeira pessoa a perceber que tal hipótese não era verdadeira foi Johannes Kepler, mas para isso tendo como subsídio medidas experimentais muito precisas de Tycho Bhare. Baseado no conhecimento das posições dos planetas com precisão de meio minuto de arco, Kepler percebeu que a órbita dos planetas não é circular, mas elíptica, e que as velocidades aumentam quando eles estão mais próximos do Sol. Hoje sabemos que tal variação de velocidade é consequência da conservação do momento angular. E é interessante que o momento angular que define a velocidade dos planetas ao longo de suas trajetórias seja a mesma grandeza física que define as regiões de maior probabilidade dos elétrons serem encontrados em torno dos núcleos dos átomos, como pode ser visto no caso particular do átomo de hidrogênio na teoria quântica.

     Podemos especular, por fim, que a mecânica quântica seja parte de uma teoria mais completa, muitos físicos acreditam nisso. Ou quem sabe, que ela esteja calcada em alguma hipótese que não seja correta mas que fornece resultados satisfatórios. Mas isso apenas experimentos futuros mais minuciosas eventualmente venham a mostrar e, com base neles, um novo Kepler consiga edificar uma teoria mais simples ainda.